Uma crença popular do município de Afonso Cláudio, na região Serrana do Espírito Santo, virou objeto de pesquisa científica internacional. Tradicionalmente usada entre moradores para o tratamento de feridas, a resina da Bicuíba, uma árvore muito comum no município, teve os benefícios cicatrizantes comprovados por pesquisadores do Estado e da Espanha.
Os resultados do estudo foram publicados na revista suíça "Antioxidants", uma das mais importantes do ramo, em agosto deste ano. Mais de 15 cientistas da Universidade de Vila Velha (UVV), da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) e da Universidade de Santiago de Compostela participaram da análise das amostras.
Coordenador da pesquisa, o farmacêutico Thiago de Melo explicou que os testes foram feitos em ratos no período de dois anos. Os animais foram divididos em grupos: os que tiveram os machucados tratados com doses de um remédio comercial, utilizado em hospitais, e os que receberam a resina.
Após as análises, ficou constatado que a resina tem um potencial cerca de 30% maior para a cicatrização das feridas. Em imagens cedidas à reportagem de A Gazeta, é possível ver que os machucados tratados com a pomada hospitalar (coluna FC) curam de forma mais lenta do que quando utilizado o material feito à base de bicuíba (colunas VO e VO+Veg). O período de evolução investigado foi de dez dias.
De acordo com o cientista, os benefícios encontrados pela equipe ainda vão além do quesito farmacológico, já que a bicuíba – cujo nome científico é Virola oleifera – atualmente sofre riscos de entrar em extinção.
"Há algumas décadas, essa árvore era explorada para fazer armários, camas, entre outros móveis. Ela, infelizmente, está na lista dos ameaçadas de extinção. Nossa pesquisa também tem um fim ecológico, porque podemos incentivar várias regiões do Estado a cultivar a planta", destacou.
Desde a infância, o produtor rural Antonio Fernandes Côco, de 55 anos, sempre via a família utilizando a resina para diferentes fins. No interior de Afonso Cláudio, onde mora, é tradição utilizá-la sobretudo com o intuito de estancar sangramentos. Para retirar o material, os produtores utilizam um facão que ''descasca" o tronco, como acontece na extração das seringueiras.
"Isso já vem dos meus avós. Eles eram imigrantes, vieram da Itália para desbravar a região. Não existia médico, nada aqui. Então tinha que se virar com coisa do mato. Os meus avós usavam a resina, que na época chamavam de ''sangue'', porque a cor lembra muito, para estancar hemorragia. Aqui na região, essa prática é muito comum", afirmou.
E ele garante, inclusive, que o produto tem mesmo algumas propriedades especiais: "Quando eu era criança, com uns 11 anos, extraí um dente e aí tive hemorragia. Meu pai no mato, extraiu a resina e levou para mim. Deu certo. Conteve a hemorragia", relembrou.
De tanto ouvir essas histórias, o filho de seu Antonio, o farmacêutico Fabio Côco, resolveu tirar a dúvida dentro do laboratório. Ele que facilitou o contato entre os pesquisadores e a propriedade do pai, onde ocorreram as extrações da resina para a pesquisa sobre cicatrização de ferimentos.
"Quando chegaram falando que a resina tinha tanta utilidade, que poderia ser usada em benefício à saude, fiquei muito feliz. Não tem como esconder uma coisa dessas. Abri mão de tudo para ajudar, porque isso pode ajudar a salvar vidas", defendeu seu Antonio.
Além dos efeitos cicatrizantes, uma outra pesquisa, feita em 2017, comprovou que a Bicuíba ajuda a prevenir doenças cardiovasculares. Durante as análises, os cientistas aplicaram em camundongos modificados geneticamente com colesterol alto doses diárias da resina diluída. Os resultados foram positivos.
"O estudo apontou que a resina da árvore é capaz de combater as placas de gordura nos vasos sanguíneos. Esses efeitos seriam um apoio importante para quem sofre com hipertensão e aterosclerose (obstrução dos vasos sanguíneos), sendo que a primeira é fator para segunda", explicou Thiago de Melo.
Segundo o cientista, outras pesquisas estão em curso para investigar se essa resina também pode ser benéfica contra lesões hepáticas provocadas pelo Paracetamol, um dos analgésicos mais comercializados no país.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta