Crianças com Transtorno de Espectro Autista (TEA) enfrentam dificuldades para conseguir atendimento na rede pública no Espírito Santo. Essa foi a conclusão a qual chegou um estudo técnico realizado pelo Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCES), neste mês de abril, período mundial de conscientização do autismo.
O trabalho, chamado de "O autismo no Estado do Espírito Santo", apontou uma escassez de profissionais de neurologia e psiquiatria pediátrica que possam diagnosticar e emitir laudos para as famílias, documento importante para ter acesso a uma série de serviços públicos. O estudo verificou que há um total de 16.160 pessoas em espera por uma consulta nessas especialidades, sendo que 90% já estão autorizadas e 10% ainda aguardam regulação.
A coordenadora do Núcleo de Avaliação de Políticas Públicas de Saúde do TCES, Maytê Aguiar, explica que, embora nessa fila de espera haja também aqueles que estão em busca da consulta por motivos alheios ao autismo, os números mostram o gargalo existente atualmente. Situação que cria obstáculos ao devido diagnóstico, como também à busca pelos direitos cabíveis na área da saúde e no apoio socioeducacional àqueles que possuem o transtorno.
Os dados são de abril de 2023 e foram fornecidos pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa). Para neurologia pediátrica, há oferta de atendimento pelo Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória, em Vitória, e pelo Himaba, em Vila Velha, enquanto para psiquiatria pediátrica a oferta é pelo Himaba e pela Unidade de Saúde Mental de Marataízes.
Para o TCES, a forma mais precisa para conhecer a dimensão da população autista no Espírito Santo é por meio dos dados escolares. Atualmente, há um universo de 13.634 pessoas nesse espectro dentro das unidades de ensino capixabas.
É o que mostram os dados do Censo Escolar de 2022, da Secretaria de Estado da Educação (Sedu), referentes às matrículas do primeiro semestre de 2022, abarcando dados de escolas públicas e privadas, das esferas estadual e municipal. Foi o primeiro levantamento da série histórica a quantificar o número de autistas nas escolas. Nesses dados, aqueles ainda sem laudo de TEA ou que estão na fila de espera para serem diagnosticados.
Segundo os dados coletados, o perfil predominante dos alunos autistas hoje, no Espírito Santo, é composto majoritariamente por pessoas do sexo masculino (78,7%), negros (52,2%), na faixa etária de 6 a 14 anos (59,9%) e cursando o ensino fundamental (59,3%). Esses dados acompanham a proporção de incidência do autismo descrita na literatura.
Os dados também mostram que a rede municipal conta uma demanda muito superior à rede estadual e que o ingresso no ensino médio (1.107 pessoas) e no profissional (138 pessoas) ainda é bastante tímido.
Lidando há seis meses com o diagnóstico de autismo do filho Daniel, o gerente de operações Diogo Borges dos Santos conta que chegou a desistir de entrar na fila para conseguir consulta e laudo pela rede pública, tendo que recorrer a atendimento particular. Há dificuldade também de matricular o filho na creche.
De posse de um laudo que atesta o diagnóstico do filho, Diogo relata ter enfrentado dificuldade em conseguir um cartão de gratuidade para ambos no sistema Transcol, direito garantido a quem tem Transtorno de Espectro Autista (TEA) e seu acompanhante. Segundo ele, além de pedirem um laudo emitido pelo SUS, solicitaram que tivesse 30 dias de validade. Mas uma lei estadual do ano passado determina que, uma vez emitido, o laudo tem validade indeterminada.
"Tentamos matricular o Daniel na creche, mas para chegar até dentro do sistema a burocracia é muito grande e as escolas não têm cuidadores. Tentamos nas mais próximas do nosso bairro, Ataíde, mas muitos funcionários não conhecem o autismo e têm dificuldade de incluir essa situação no sistema. Pediram documentação, corremos atrás e, na hora de fazer a inclusão no sistema para pedir a vaga, não colocaram o laudo. Acabou que meu filho perdeu a vaga e agora está na 47ª posição", afirma Diogo.
A Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), informa que, para garantir maior assistência neurológica ao público infantil no Espírito Santo, realizou a contratação do serviço de consultas em neuropediatria no Hospital Estadual Infantil de Vitória (HINSG) — a especialidade médica é considerada escassa no Espírito Santo. A partir de agora, passam a ser ofertadas 960 consultas mensais na unidade, sendo 40 diárias, de segunda a sábado.
No total, serão 640 consultas presenciais e 320 por teleconsulta (somente após o primeiro atendimento presencial). O contrato também prevê atendimento para pacientes internados e terá duração de um ano, podendo ser prorrogado por até 60 meses.
Em outra unidade de referência, o Hospital Infantil e Maternidade Alzir Bernardino Alves (Himaba), em Vila Velha, a oferta mensal será de 950 consultas em neuropediatria, sendo 350 presenciais e 600 por teleconsulta — por meio de pactuação entre a Sesa e a Organização Social contratada para fazer a gestão da unidade, o Instituto Acqua.
Para aqueles que já têm consulta marcada antes da implementação da Central de Marcação de Consultas do Himaba, a equipe técnica fará contato com os responsáveis para viabilizar antecipação do agendamento para a modalidade de telemedicina. A direção informa que dará a liberdade de escolha para os responsáveis escolherem antecipar a teleconsulta ou aguardar a consulta presencial.
Questionada sobre a questão da gratuidade reclamada por Diogo Borges dos Santos, a Companhia Estadual de Transportes Coletivos de Passageiros do Espírito Santo (Ceturb-ES) disse que se encontra em fase de ajustes finais para publicação e atualização das normas internas de que trata a matéria, permitindo a possibilidade de cadastro e registro para as pessoas com laudo do Espectro Autista (TEA), independentemente da data da sua emissão e também da rede particular, dentre outros. A expectativa é a de que a publicação ocorra dentro de dois meses.
A Prefeitura de Vila Velha informou que garante atendimento especializado aos alunos público-alvo da Educação Especial de acordo com a orientação das políticas públicas e a legislação vigente. Afirma que todas as unidades escolares do município estão aptas a matricular esses alunos e disponibilizam cuidadores e professores especializados para esse atendimento. O processo de matrícula segue a ordem de classificação conforme quantitativo de vagas disponíveis nas unidades, mediante apresentação de comprovante de residência e laudo médico para comprovação da deficiência, sendo que, nestes casos, há regime de prioridade.
Para ampliar essa rede, em dezembro de 2022, a Sesa lançou a Política Estadual de Cofinanciamento dos Serviços Especializados em reabilitação intelectual e TEA denominados “SERDIA” — serviços da rede especializada instituídos pela Portaria SESA Nº 159-R, com aplicação de recursos provenientes da coparticipação do Estado e dos municípios.
Com o SERDIA, a Sesa prevê ampliar a assistência, regionalizar o atendimento à pessoa com deficiência intelectual e TEA, promover o acesso, humanizar a atenção à saúde e otimizar os recursos financeiros e estruturais da Rede de Atenção e de Vigilância em Saúde (RAVS). A estruturação de serviços está em fase de implementação, com a realização de oficinas técnicas e adesão dos municípios interessados na coparticipação.
Nos serviços habilitados pelo SERDIA, os pacientes serão assistidos por equipe interdisciplinar adequado para pessoas com deficiência intelectual e TEA, sendo médico clínico geral, pediatra, neurologista ou psiquiatra; psicólogo; fonoaudiólogo; terapeuta ocupacional e/ou fisioterapeuta e assistente social.
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