Não é de hoje que o assoreamento na foz do Rio Reis Magos, entre Serra e Fundão, na Região Metropolitana da Grande Vitória, impacta a vida da comunidade pesqueira de Nova Almeida, que depende do manancial para viver e se sustentar. Relatada ano após ano, a dificuldade de saída dos barcos da foz para a pesca em alto-mar ficou ainda mais difícil, nos últimos meses, de acordo com as cerca de 500 famílias do local, que têm a atividade como principal fonte de renda.
Se antes era só seguir reto por baixo da ponte para alcançar o mar, agora é preciso esperar pela maré cheia e, mesmo assim, os pescadores precisam ter cuidado. Só é possível passar por pontos estreitos, desviando de bancos de areia para evitar que os barcos sofram danos ou até mesmo fiquem encalhados ou virem.
O presidente da Associação dos Pescadores de Nova Almeida, Fabrício Pimentel Zanoni, afirma que, nos últimos meses, os barcos maiores têm mais dificuldade de sair para o mar. Ele relata que algumas embarcações foram danificadas. Além disso, já há pescadores que optaram por levar seus barcos para ficar atracados em Jacaraípe, na Serra, e em Santa Cruz, Aracruz.
Para ele, o problema piorou depois que a Cesan começou a captar água do Rio Reis Magos, o que teria diminuído o fluxo que chega até a foz. Por isso, ele defende a construção de dois píeres para resolver o assoreamento e definir o canal de navegação no local.
Pescador há mais de 40 anos, Ivan Couto reforça que, com o agravamento da situação, os barcos grandes não conseguem mais ir para o mar. Apenas as embarcações médias e pequenas passam pela foz do Rio Reis Magos e somente quando a maré está cheia.
Diante da piora do assoreamento, formou-se um grande banco de areia no local, inclusive com a formação de pequenos lagos. Além disso, a restinga cresceu. Do outro lado, a erosão já tomou conta da costa.
Além de acarretar prejuízos aos pescadores, especialistas explicam que a seca na foz do rio também atrapalha o meio ambiente. O problema pode causar variação da fauna e da flora do ecossistema, devido ao fato de algumas espécies passarem a ter contato mais com água salgada ou doce.
A professora de Oceanografia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Jaqueline Albino explica que, se a vazão do rio diminui e a energia das ondas e o nível do mar aumentam, pode haver deposição de mais sedimentos — como a areia — para dentro do rio.
"Uma das coisas que podem piorar a vazão do rio é a captação de água, que diminuiu a quantidade e a força da água. Outra é jogar lixo e fazer desmatamento, situações que mandam mais sedimentos para o canal, o que também faz o rio perder força", detalha Jaqueline.
Sobre a vida no estuário, a professora explica que muitos dos ecossistemas do manguezal e todas as espécies, como caranguejo e crustáceos, são adaptadas a uma determinada condição de salinidade. Quando se tem uma região com água mais salgada do que doce, podem ocorrer variações tanto na fauna quanto na flora.
A Prefeitura da Serra informou que está elaborando um projeto de dragagem para a melhoria de navegabilidade no Rio Reis Magos e a permanência das praias, mas aguarda um posicionamento dos órgãos de meio ambiente a respeito do assunto. Também há a previsão de construção de dois píeres na região, segundo o secretário municipal de Obras, Halpher Luiggi.
“Estamos em fase de coleta das informações, analisando a movimentação da areia para ver onde se deposita e estudando tábua de marés. O projeto prevê a dragagem, construção de um novo deck perto da praça dos pescadores e construção de dois píeres para evitar a força da maré na região das praias. Está em fase de licitação, e o ideal é concluir até o final do ano", diz o secretário.
A Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma) informa que pediu delegação de competência ao Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema) para que o município passe a fazer a gestão sobre a questão. Contudo, a solicitação foi negada.
À reportagem, o Iema respondeu que, em caso de necessidade de dragagem, é preciso solicitar licença ambiental ao órgão. “Entretanto, não há, até o momento, requerimento de licença no Iema da referida obra”, informa o instituto.
Diante do impasse e demora na resolução do problema, os pescadores da região pensam em não esperar pelo poder público. Segundo Ivan Couto, eles estão se unindo para locar uma máquina para fazer o serviço de retirada da areia do canal. "Se a gente esperar o poder público, ninguém faz nada. O pescador não é lembrado", aponta.
Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), o assoreamento de rios e estuários é um processo natural, mas pode ser intensificado pelo desmatamento da mata às margens do curso hídrico. Quando a vegetação é substituída por culturas econômicas diversas, há redução na retenção do solo, que acaba sendo levado pelo rio até a foz. O lançamento de lixo também contribui para o assoreamento.
E a principal solução, a longo prazo, seria o reflorestamento da mata ciliar. A curto prazo, a solução é a realização de dragagens de manutenção no canal de navegação, informa o órgão.
A Cesan também foi procurada para comentar sobre as reclamações dos pescadores quanto ao impacto da captação de água no Rio Reis Magos, mas não deu retorno. Em caso de contato, o texto será atualizado.
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