Aos 8 anos, Álvaro Fassarela Augusto curte carros voadores e vídeos no YouTube. Aos 83, Necy Alvez Bezerra gosta de bordar e de sentar com as amigas para um café. A história desses dois moradores de Venda Nova do Imigrante, na Região Serrana do Espírito Santo, se uniu no propósito de fazer o bem.
Desde 2021, os desenhos das crianças do 3º ano do ensino fundamental da Escola Coopeducar saem do papel e viram bordados em panos de prato pelas mãos habilidosas das integrantes da Associação das Voluntárias da Apae (Avapae) do município. Depois, o produto é vendido aos pais dos alunos, e o dinheiro financia consultas, alimentação e materiais para pacientes da Apae e seus familiares.
No fim de setembro, 15 alunos foram até o ateliê da Avapae para ver como ficaram os panos de prato e conhecer algumas das "nonas" responsáveis por dar cor e forma ao trabalho deles.
Anthony da Silva Serafim, 8 anos, retratou a si, os pais e a escola. Helena Arantes Barros, também de 8 anos, ficou impressionada com a beleza e com o capricho do trabalho das voluntárias.
“Meus pais ainda não viram, mas eles vão gostar muito. Acho legal saber que ajuda muitas pessoas que precisam”, disse. Ela retratou as montanhas, os ipês e as flores da cidade.
No espaço, que é anexo à sede da Apae, as bordadeiras da Avapae e as crianças interagiram, riram e formaram laços através do bordado. Com pequenos paninhos, elas ensinaram às crianças alguns pontos simples, que devagarinho, apesar dos dedinhos inábeis, foram sendo arrematados um por um.
“Minha mãe falou que era muito perigoso bordar e costurar. Aqui eu estou aprendendo e achei muito legal. Mas eu tomei algumas furadas no dedo”, comentou, rindo, Ester Rodrigues, de 9 anos. No desenho dela tem uma “casa antiga de fazenda e um caminho de flores”.
A recorrência dos temas ligados à cidade de Venda Nova tem explicação. “O terceiro ano estuda a história do município. Dentro da história, eles conhecem um pouco da identidade da cidade, e como o voluntariado é forte por aqui, fazemos visitas a alguns grupos”, esclarece a professora da Coopeducar Sandra da Silva.
Além da Avapae, os estudantes conhecem a Pastoral da Saúde, os voluntários do Hospital Padre Máximo e da Festa da Polenta. “Assim, eles vão ampliando o repertório do que é ser voluntário”, aponta a professora.
Além do conhecimento sobre os diferentes projetos que funcionam na cidade — que é a capital capixaba do voluntariado — o contato, principalmente com as integrantes da Avapae, tem outro efeito visível.
A atividade é celebrada pelos pais dos alunos, que também são os “donos” da Coopeducar, já que se trata de uma cooperativa educacional.
Da perspectiva das "nonas", a sensação é de satisfação, tanto pelo encontro com as crianças quanto pelo bem feito através da venda dos panos de prato. “A gente deve ajudar as pessoas que precisam da gente, se colocar à disposição. E o presente que a gente recebe aqui é maior que tudo”, diz Maria Tereza Falchetto, 73 anos, e que borda desde os 10.
“Foi o primeiro contato que as crianças tiveram com o bordado. É muito interessante porque há famílias que já perderam isso de ensinar o bordado. A Coopeducar fazer isso enlouquece as crianças, elas adoram, ficam empolgadas”, afirma.
Vera Lúcia Faé, 62 anos, presidente da Avapae, é voluntária há 26. Ela ressalta que é através do dinheiro obtido com a venda dos panos de prato com os desenhos das crianças e de outras peças feitas pelas bordadeiras que são pagas despesas importantes da Apae.
“A gente paga a neurologista para vir aqui atender, paga o pão, o combustível do carro para ir buscar algum paciente que não tem meios de chegar, óculos para famílias que não têm condições de comprar”, cita.
Para além das doações, a Avapae também é um espaço para que mulheres idosas se encontrem, conversem e compartilhem suas experiências toda segunda-feira à tarde.
“É um dia diferente. Eu sou viúva, então para mim é muito bom. A gente se reúne, troca ideias, aprende umas com as outras”, aponta Necy Alves, 83 anos.
Na Coopeducar, os alunos que já passaram pelo projeto falam dele com carinho e criam expectativa em quem ainda está nas séries anteriores. “Meus pais gostaram tanto do meu pano de prato que encomendaram outros dois iguais para dar de presente para as minhas avós”, conta Danielle Correa Falquetto, de 10 anos, que participou do projeto no ano passado.
O desenho dela, de “uma palmeira com duas cabeças”, faz referência ao sítio da família.
Na casa de Rafael Zandonade, de 10 anos, também tem um pano de prato com a arte dele. Mas até hoje, conta, ninguém nunca usou. “Eu quero guardar de lembrança. Para poder mostrar quando eu for mais velho.”
A Coopeducar é uma cooperativa de pais de alunos fundada há 23 anos. No início, havia 40 pais e, atualmente, a instituição tem quase 300 cooperados.
Em uma cooperativa de ensino, os pais são os “donos” da escola. São eles que se reúnem para tomar as decisões sobre o funcionamento da instituição e também elegem uma diretoria que os representa.
“Os alunos não estão só em uma escola particular. Eles e os pais têm direito de saber de tudo que é feito, como é pago, seus deveres e obrigações, de participar das assembleias. Todo mundo tem o direito de dar opinião, os pais participam muito mais ativamente da vida e na educação dos seus filhos”, explica Loreda.
O pai dela, inclusive, foi um dos fundadores da instituição. Hoje, os dois filhos de Loreda estão na Coopeducar.
“A diferença está na forma com que a escola trata a criança. Ela é tratada como uma pessoa, todo mundo tem um nome, eles não são números. A gente respeita as características, temos um trabalho diferenciado com educação especial. Não há formação só de conhecimento, mas também de convívio social e ambiental. Ontem, meus filhos colheram alface que eles plantaram na horta da escola e levaram para casa”, finaliza.
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