O uso da planta Cannabis sativa, popularmente conhecida como maconha, é usada para fins medicinais há séculos. Na década de 1920, uma pessoa podia ir à farmácia e comprar cigarros de Cannabis sem nenhum impedimento. Mas algumas mudanças na legislação brasileira passaram a restringir as vendas e a utilização da planta.
Foi somente em 2015 que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a importação de produtos derivados de Cannabis para fins terapêuticos por meio de prescrição médica. No entanto, o preconceito em torno da planta e a burocracia para a compra e a importação de medicamentos passaram a fazer parte da vida de quem depende da planta para tratar doenças.
Pensando na luta desses pacientes, o advogado Rômulo Corrêa Alves fundou, em 2020, a CDB Express, empresa capixaba de importação de remédios à base de Cannabis sativa. Desde então, foram mais de 2 mil famílias ajudadas e que tiveram a chance de ter acesso à medicação.
De acordo com Rômulo, a ideia surgiu quando ele entrou na faculdade de Direito, após conhecer um homem que fazia cultivo da Cannabis de maneira ilegal, na região de Domingo Martins, para ajudar o filho que é portador de autismo.
“Um ano antes de entrar na faculdade, a Anvisa tinha autorizado a importação desse tipo de medicação. Após iniciar o curso de Direito, com o que eu tinha de conhecimento, fui a esse pai e ofereci ajuda para obter uma autorização de importação de maneira legal, e deu tudo certo. Depois disso, ele me colocou em um grupo de outros pais, que também tinham filhos que precisavam desse medicamento, e comecei a ajudá-los a realizar essa importação”, contou Rômulo.
A empresa foi criada com intuito de facilitar o acesso de famílias que buscavam tratamento aos médicos que prescrevem esses medicamentos e também a resolver os trâmites legais junto à Anvisa para o uso e a importação.
Rômulo explica que a empresa não faz cultivo ou produção dos medicamentos, serve como mediadora do processo. Hoje, a CDB conta com duas parcerias, uma empresa dos EUA e outra da Colômbia, que produzem esses medicamentos e a partir disso, comercializa os produtos aprovados e certificados pelas agências regulamentadoras.
Para ter acesso aos medicamentos, o paciente entra em contato com a empresa, através das redes sociais, envia a prescrição médica para uso do cannabis e documentos pessoais. A partir daí, um consultor da empresa retira na Anvisa a autorização para o uso.
Caso não tenha a prescrição médica, a empresa tem uma lista com mais de 40 médicos que são atuantes na área do cannabidiol medicinal. Nessas situações, o paciente é orientado a se consultar com um dos médicos e conseguindo documento, retorna o contato com a empresa e solicita a ajuda.
Rômulo destaca que o trabalho da empresa é apenas para fins medicinais e não se trata do uso de maconha para recreação.
Para pacientes que não têm condições financeiras de arcar com os custos do processo, a CDB ainda atende famílias por meio de doações. A partir do momento que a pessoa adquire uma prescrição médica, a empresa oferece auxílio jurídico para solicitações na Justiça, para que o acesso a remédios seja custeado pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Há uma equipe de advogados que prestam esse serviço gratuitamente.
A Cannabis Sativa possui vários princípios ativos com ação terapêutica. Os mais conhecidos são os fitocanabinoides, encontrados nas flores e de onde são extraídos o tetra-hidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD); os terpenos, considerados metabólicos secundários e utilizados na indústria cosmética; e a canaflavina, com princípios anti-inflamatórios e usada em pacientes oncológicos.
Medicamentos à base da Cannabis são indicados para tratar doenças como fibromialgia, insônia, reumatismo, epilepsia, autismo, glaucoma, Alzheimer, Parkinson, esclerose múltipla, estresse pós-traumático, dores musculares e nas articulações, tensão, ansiedade e depressão. Canabinoides presentes nas plantas ativam o sistema endocanabinoide presente no corpo humano.
Esse sistema e seus receptores encontrado em todo corpo é responsável por regular processos fisiológicos como apetite, dor , inflamação, termo regulação, metabolismo, controle muscular, resposta ao estresse, sono, motivação, recompensa, humor e memória.
"Há algum tempo foi descoberto o sistema endocanabinoide, responsável pela regulação de uma série de funções vitais. Pesquisas evidenciaram que doenças que acometem o sistema nervoso central podem se associar à disfunção desse sistema. O CBD e o THC são os fitocanabinoides mais estudados na atualidade. Eles interagem com o sistema endocanabinoide", explicou a clínica geral Ana Beatriz Maul Sortes.
A médica ainda relata que grande parte da variedade de produtos que são derivados da cannabis são de origem importada. No Brasil há somente um óleo de produção nacional, sendo de alto custo. Os produtos importados, custam o atual valor do dólar e do euro, e acabam saindo com custo elevado, além do pagamento de frete.
"Por exemplo, existe um frasco de 60ml da medicação, que atualmente está saindo por volta de R$ 1 mil, sem o frete. Um frasco de 60ml, dependendo da patologia do paciente, caso necessite de uma dosagem mais elevada, dura em média de 30 a 60 dias", disse a médica.
Ela complementa: "A medicina canabinoide é fascinante e, acompanhando os pacientes, os benefícios são de encher os olhos. Apesar da dificuldade em falar sobre o tema, quebrar barreiras e implementar o tratamento, aos poucos estamos vendo cada vez mais profissionais da saúde utilizando a medicação e cada vez mais pacientes beneficiados. Espero que um dia todos que precisam possam ter fácil acesso."
Os pedidos para importação de produtos de cannabis medicinal mais do que dobraram em 2021 em comparação ao ano anterior, segundo levantamento da Associação Brasileira da Indústria de Canabinóides (BRCANN), divulgado pela Folha de São Paulo. No último ano, foram feitas 40.191 novas solicitações de importação de medicamentos com canabidiol, 110% a mais do que em 2020, quando foram contabilizadas 19.150 importações.
A Secretaria da Saúde (Sesa) em 2022, recebeu 22 notificações referentes ao fornecimento de Canabidiol no Espírito Santo pelo SUS. Desses, em 11 processos foi determinado que a Sesa fornecesse os medicamentos. Em 2021, durante todo ano, foram 21 notificações, sendo que em sete processos foi determinado que a Sesa fornecesse os medicamentos.
A Anvisa esclarece que no Brasil há duas formas de acesso aos produtos derivados de Cannabis: ou pela importação excepcional para uso pessoal mediante prescrição médica ou pela aquisição, em território nacional, de produtos autorizados pela Anvisa para comercialização em farmácias e drogarias brasileiras, também mediante prescrição médica.
O requerimento é feito eletronicamente, por meio do portal GOV, informando os dados pessoais do requerente e do médico que prescreveu. No cadastro de pacientes para o processo de importação, é aprovado de forma automática quando fornecidas corretamente as informações necessárias.
"Vale lembrar que as importações continuam sendo fiscalizadas quando dá entrada dos produtos no Brasil. Nesse momento deve ser apresentada a prescrição original com o nome do paciente, nome do produto, quantitativo importado, posologia, data, assinatura e número do registro do prescritor em seu conselho de classe", informou a Anvisa por nota.
A autorização vale por dois anos e, durante esse período, os pacientes ou seus representantes legais podem importar o produto autorizado. Para isso, basta apresentar a prescrição médica, indicando a quantidade importada, nos postos da Anvisa (nos aeroportos e áreas de fronteiras). No entanto, essa prescrição médica não pode ter mais de 6 meses.
Desde 2019, a Anvisa autoriza venda dos produtos à base de cannadibol nas farmácias e drogarias. Até o momento são 20 os “produtos de cannabis” autorizados para comercialização no Brasil. Esses produtos podem ser adquiridos em farmácias (desde que não tenham manipulação) e drogarias.
Para mais detalhes sobre cada um desses produtos, como manual de instruções, data de aprovação etc, acesse o site da Anvisa e no campo "situação da autorização sanitária" marque a opção "válido". O sistema apresentará os detalhes de cada um dos 20 produtos.
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