Depois de 13 dias internada no hospital com Covid-19, era impossível para técnica em enfermagem Maria da Penha Lima, 51 anos, não sentir alegria ao ir para casa, na Serra. Mas estar em casa não foi o suficiente para a rotina dela voltar. As sequelas deixadas pela infecção do coronavírus no corpo dela ainda estão sendo tratadas, mesmo após dois meses da alta hospitalar.
"A respiração não é a mesma, o cansaço físico é muito maior e eu não dou mais conta de fazer todas as tarefas como antes da doença", contou. O relato de Maria da Penha é semelhante aos de outros capixabas que, mesmos curados do vírus, ainda sofrem com os danos provocados pela infecção na saúde.
Segundo médicos ouvidos por A Gazeta, são várias as sequelas que a Covid-19 deixa nos pacientes, como perda de memória, problemas cardíacos e renais. Dessa vez, a reportagem foi atrás de relatos de quem lutou pela vida no hospital e ainda terá uma batalha longa para ter 100% da saúde recuperada.
Robert Reis, 43 anos, trabalha como tecnólogo em radiologia médica. Estar em hospital faz parte do dia a dia dele. Sem doenças pré-existentes, a Covid-19 o fez permanecer 28 dias dentro de um hospital, sendo 11 deles intubado. Superado a doença, agora ele precisa lidar com a fraqueza do corpo e o trauma deixado pelo tempo de internação.
"Em seis de maio, eu entrei no hospital para trabalhar, já passando mal, e voltei quatro dias depois ainda pior. Lá fiquei, já no oxigênio e CTI. Em 23 anos de profissão, acostumado a cuidar das pessoas, eu precisei ser cuidado. Fui intubado, não vi nada mais por sete dias. Eu tinha 25% do pulmão funcionando e o rim foi afetado. Foram medicamentos e sete diálises, duas delas já depois de receber alta. No dia da alta foi incrível ver o sol do lado de fora do hospital, sentir quente no rosto e quase não enxergar por causa da claridade. Mas o mais importante era poder ver minha filha, voltar pra casa com minha esposa.
Eu perdi 17 quilos e agora vivo o pós-Covid. Já se passou mais de um mês da alta, mas só por andar seis minutos já preciso parar. A recuperação é lenta. O pulmão tem que recuperar a capacidade respiratória, ele atrofiou. Ainda tenho falta de ar, cansaço na fala e pareço trêmulo. Por isso, faço fisioterapia pulmonar, mas sei que nem todo mundo tem acesso a isso. Eu ainda tive sorte que a doença não atingiu o coração.
A força física também não voltou. Consigo levantar um litro de garrafa pet em cada braço, é o suficiente. As pessoas não sabem que existe um pré, um durante e um pós-Covid. E não só do corpo, mas da mente. Fica um trauma, tenho medo até de dormir de luz apagada, pois tenho a sensação de que não vou voltar. Além do preconceito das pessoas, que querem se afastar ainda mais de você".
Noites de plantão em hospitais e os cuidados com a mãe de 80 anos, acamada, consumiam a rotina da agitada e animada auxiliar de enfermagem Maria da Penha Linha, 51 anos. E ainda sobrava tempo e energia para cuidar da beleza. Nada disso voltou a ser assim depois do diagnóstico de Covid-19. A alta no dia 22 abril, após 13 dias em leito semi- intensivo, era o início de outra fase de cura para a moradora da Serra.
"Um cansaço e dor no peito que aumentavam me fizeram procurar o pronto-socorro de Cariacia, no dia 8 de abril. Não demorou pra de lá ser levada para o hospital. Quando saí com a afirmação de cura da infecção, começava uma outra fase. Andar, caminhar ou qualquer outro esforço provocava falta de ar. Sou asmática e isso piorou depois da Covid-19. Fui para um pneumologista, fiz exames e estou tomando antibióticos. O tratamento para o pulmão vai continuar, mas a situação complica meu dia a dia.
Estou muito fraca, eu me sinto cansada e nem estou trabalhando fora. Não consigo concluir as tarefas, cuidar da minha mãe e da casa, coisa que eu fazia normalmente e que eram simples pra mim. Hoje, são atividades intensas. Sinto ainda um dano psicológico. Enfrentei a infecção com muita fé, mas hoje a Maria da Penha é outra. A Maria da Penha antes era mais elétrica, ativa e mais alegre. Agora, me sinto limitada nas ações da minha própria vida, eu dependo de alguém".
Muito tagarela e simpático, o aposentado Hugo Regis da Silva, 80 anos, é tido como um vencedor pelas filhas e por muita gente que conheceu a história dele com o novo coronavírus. Para um idoso muito independente e ativo, a fibrose do pulmão deixada pela Covid-19 fez com ele precisasse de novos cuidados.
"Tem dois meses que saí do hospital. Começou com cinco dias de febre, que passava e melhorava. Um dia amanheci com a cabeça vibrando. Passados dois dias, minha filha me levou ao hospital, eu passei a não sentir no sabor doce e salgado. Depois de ir e voltar do hospital, acabei ficando lá e descobriram que 50% do pulmão estava comprometido pelo coronavírus.
Foram 12 dias na UTI e três dias na enfermaria. Eu não sentia falta de ar, mas a cabeça e a febre sim. Entrei em tratamento, não cheguei a ser intubado. Só conversava com minhas filhas pela chamada de vídeo e recebia bilhetinhos. Cumpri 15 dias de isolamento no Ibis, em Vila Velha, e agora estou morando com a minha filha, na Praia da Costa, para ter mais cuidados.
A respiração fica fraca, ainda há pigarro na garganta, e o funcionamento dos rins ainda está voltando. Eu queria estar com meu neto, mas não posso nem subir escadas e preciso de espaço para fazer exercícios."
O caminhoneiro José Carlos Resende, de 61 anos, ainda não sente o paladar e o cheiro de muita coisas desde que voltou para casa há 20 dias. A internação pela Covid-19 o refez pensar na vida e também em como cuidar da saúde.
"Foi bater um raio-x do peito no pronto-atendimento que logo me levaram para o hospital. Fui colocado no soro e no oxigênio por 14 dias. O pulmão estava com muita secreção. Não estou 100%, mas caminho para os 85% depois que saí do hospital.
O pulmão está devagar, se andar um pouquinho mais, dá fraqueza. Eu começava trabalhar às 6h na Serra, todo dia, e agora não trabalho há 40 dias. Tento fazer limpeza pela casa, não aguento ficar muito tempo parado, só que ainda não pego peso.
Preciso fazer caminhada, mas o que desejo mesmo é voltar ao futebol do dia de sábado. Ainda não tenho paladar, comida ou café não tem gosto. O cheiro eu também perdi, por enquanto.
A vida muda depois dessa doença. Por isso, agora, é o momento de ficar em casa, pensar no bem-estar da gente. Repensar a vida, é isso que essa Covid-19 trouxe para mim. A vida é muito curta. Quero voltar a trabalhar logo, mas para isso preciso que todos pensem no próximo, se protejam e usem máscaras. É a dica que eu, que sobreviveu a essa doença, deixo para todo mundo".
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