Ruas e avenidas alagadas, trânsito congestionado e residências invadidas pela água. A situação foi enfrentada mais uma vez por moradores de Vitória no último fim de semana, após as fortes chuvas de sábado (30). Alagamentos são praticamente parte da rotina na Capital, com regiões que historicamente são invadidas pelas águas em dias de chuva mais forte. Mas será que essa é uma sina de uma cidade à beira-mar ou há maneiras de solucionar o problema?
No episódio mais recente, a água tomou conta de vários bairros da Capital, entre eles Jucutuquara, Ilha de Santa Maria, Bento Ferreira, Enseada do Suá, Maruípe, Santa Marta, Itararé e São Cristóvão. A prefeitura diz que trabalha em soluções para o futuro, mas avalia que os alagamentos foram causados pela combinação da maré alta com o alto volume de chuvas.
“Vitória é uma ilha, cercada pelo mar e, mesmo tendo bombas, galerias, quando você tem um momento de chuva forte, combinada à maré alta, você tem essa situação. É algo que acontece pela característica da cidade, que tem uma influência direta do nível do mar, assim como outros municípios vizinhos", aponta o secretário da Central de Serviços da cidade, Leonardo Amorim.
Para ele, o sistema da prefeitura "funcionou normalmente" no sábado (30). O secretário explica: "Tanto que, a partir do momento em que a chuva parou e iniciou o momento de voltar para a maré baixa, em cerca de 40 minutos, os pontos de alagamento já estavam secos”.
A opinião de que a combinação de maré alta e chuva forte é sinônimo de alagamento, de que é "algo que acontece pela característica da cidade", não é compartilhada por especialistas em planejamento urbano e fenômenos climáticos ouvidos por A Gazeta. De acordo com eles, há soluções preventivas que podem ser pensadas para evitar o problema que incluem, além de obras de macrodrenagem, as chamadas "medidas não estruturais", como a ampliação de áreas verdes.
Mas é claro que, nas grandes cidades, já tomadas por asfalto, tudo começa por um sistema de drenagem eficiente. “Quando falamos de alagamentos em áreas urbanas, falamos também de drenagem urbana, que é a gestão da água de chuva, para que tenha seu destino nos corpos hídricos", afirma o engenheiro Civil e Ambiental Giuliano Battisti, que tem experiência na elaboração de estudos ambientais e é mestrando em Engenharia e Desenvolvimento Sustentável.
No caso da Grande Vitória, aponta Battisti, a gestão das águas é feita pelas estações de tratamento e pelo próprio mar, que é o destino final da água da chuva. "Toda cidade tem que ter o planejamento para que se tenha essa drenagem urbana. O que impacta para ter alagamentos? Os próprios projetos de drenagem”, observa o engenheiro, que acrescenta que há cidades abaixo do nível do mar que não sofrem com inundações.
Se o sistema de drenagem não for projetado adequadamente, ele explica, a água tende a "retubular", ou seja, voltar pelo tubo por onde deveria ocorrer o escoamento. “Independentemente de qualquer coisa, existem pontos de alagamentos nas cidades que não se justificam pela maré", diz Battisti.
No último sábado (30), o reservatório existente embaixo do Horto de Maruípe, em Vitória, não suportou o volume de água da chuva, segundo o secretário da Central de Serviços.
"O reservatório é uma estrutura física, que tem uma capacidade de acúmulo de 25 milhões de litros d’água. Ele cumpriu a sua função, mas, como a chuva foi muito forte, ultrapassou a capacidade", diz Amorim.
Ainda segundo o secretário, em uma hora de chuva, Vitória recebeu a precipitação que era esperada para um intervalo de 30 a 40 dias. Esse volume, combinado ao momento de maré alta, prejudicou a capacidade de escoamento da água, na visão de Amorim.
Na noite de sábado (30), o volume pluviométrico na Capital atingiu 107 milímetros, de acordo com a Defesa Civil municipal – acima, inclusive, do indicado nas medições do Incaper (60,1 mm) e da Defesa Civil Estadual (64,45 mm), que fazem verificações alternativas. Para comparação, em Vila Velha, foram 27mm, segundo os dados do Incaper. Já Cariacica registrou 67,3 mm.
Embora as condições meteorológicas sejam adversas, elas não devem ser apontadas como as causadoras das enchentes, segundo Battisti. As chuvas fortes do último sábado (30), apesar da intensidade, não são uma novidade.
"Essas chuvas que estão acontecendo também são chuvas que já tivemos no passado. O que mudou foi a forma como as cidades estão ocupadas. A cidade já está impermeabilizada. Quando você cobre o solo, coloca um asfalto, por exemplo, você impermeabiliza. A água não consegue mais infiltrar, vai acontecer o escoamento superficial. Como não se tem mais o solo como antigamente, a água tem que ter drenagem, com galerias e devidas tubulações para escoamento da água", alerta o engenheiro, que aponta ainda a necessidade de manutenção e limpeza constantes do sistema de escoamento.
Doutor em Geografia Física e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Eberval Marchioro acrescenta que a impermeabilização do solo, aliada à ocupação das áreas suscetíveis, tem intensificado a ocorrência de alagamentos. Para além de um sistema de drenagem eficiente, segundo ele, é necessário investimento em outras ações complementares para que as cidades possam lidar melhor com as condições climáticas.
“Existem medidas estruturais e outras não estruturais que podem contribuir para minimizar o problema. As estruturais, na minha visão, são mais emergenciais, como obras e intervenções. Já as não estruturais incluem a ampliação de áreas verdes em encostas e próximas aos rios", exemplifica Marchioro, sobre como aumentar a permeabilidade do solo e, consequentemene, a vazão da água da chuva.
"Hoje nós falamos que a chuva causou o alagamento, a enchente e a inundação, mas a chuva é a grande e única culpada de tudo?", questiona o doutor em Geografia Física, que tem como uma das suas áreas de experiência a Hidrologia. "Acredito que temos que debater qual o papel atual da sociedade na forma de apropriação do espaço geográfico, buscando melhorar a relação com a natureza para minimizarmos esses problemas.”
O secretário da Central de Serviços, Leonardo Amorim, explica que a prefeitura tem investido de forma constante na macrodrenagem, sobretudo na região da Grande Santo Antônio. Além disso, está em andamento um processo de modernização do sistema de bombeamento da cidade, que também deve ajudar a minimizar os problemas de alagamentos no município.
"Além de todos os investimentos que estão acontecendo, temos intervenções na macrodrenagem da região de Santo Antônio, a modernização de todas as estações de bombeamento de Vitória, com a requalificação do sistema e alguns investimentos na região de Bento Ferreira, como já está acontecendo na Avenida Jair Etienne Dessaune. E temos previsão de mais investimentos futuros", frisa.
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