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Chuva mais intensa e letal: número de mortes no ES é o maior desde 2013

Chuva mais intensa e letal: número de mortes no ES é o maior desde 2013

Especialista aponta que tragédia registrada no Sul do ES é reflexo da intensificação das mudanças climáticas na última década, o que leva a eventos cada vez mais extremos

Publicado em 25 de março de 2024 às 20:31

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À esquerda, imagem tirada em 2013; À direita 2024
À esquerda, pessoas buscam alimentos na lama, em 2013, em Itaguaçu; à direita, cena se repete em Mimoso do Sul, em 2024. (Vitor Jubini e Fernando Madeira)
Felipe Sena
Repórter / [email protected]

As chuvas que atingiram o Sul do Estado, no último fim de semana, causaram ao menos 20 mortes em apenas duas cidades: Mimoso do Sul e Apiacá. Esse número já coloca a tragédia como a mais letal desde as chuvas de 2013, quando 24 pessoas morreram em diferentes municípios capixabas.

Apesar de a quantidade de óbitos entre as duas tragédias ser próxima, há pouca semelhança entre os dois eventos climáticos. As chuvas do fim de 2013 atingiram 70% dos municípios capixabas e se estenderam durante 17 dias, praticamente ininterruptos. Já em 2024, o sistema Alerta!ES registrou danos em 10 cidades, em um intervalo bem mais curto, entre a noite de sexta-feira (22) e o sábado (23).

Na quinta-feira passada (21), os sistemas que monitoram o clima no Brasil já sinalizavam a chegada de uma frente fria que causaria fortes chuvas no Rio de Janeiro e no Espírito Santo. O maior volume estava previsto para o estado fluminense, mas o cenário mudou, fazendo com que a turbulência fosse mais forte nas cidades do Sul capixaba, que não estavam preparadas para o evento climático.

Segundo especialistas, alguns municípios estão com seus planos para conter tragédias envolvendo águas defasados. Em Mimoso, onde houve o maior número de mortes, 18 até o momento, a atualização mais recente é de 2013. Ao longo dessa última década, o uso do solo no município pode ter interferido no modo como a água das chuvas é drenada.

Em entrevista nesta segunda-feira (25), o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, chegou a explicar que o temporal caiu no momento que muitas famílias estavam em casa dormindo e que o volume de precipitação, que chegou a 300mm somente na última sexta-feira (25), não foi dimensionado, o dobro do que estava previsto para todo o mês. 'A previsão falhou', disse Casagrande em entrevista à CBN.

Nós dias anteriores as chuvas, o Espírito Santo, principalmente cidades do Sul capixaba, estavam passando por uma onda de calor. Essa massa de ar quente se encontrou com uma frente fria vindo do Rio de Janeiro, o que favoreceu uma precipitação volumosa, pegando os municípios de surpresa.

O meteorologista Ivaniel Fôro, do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), destacou que a característica geográfica do Estado também favorece à formação de chuvas fortes. “No Espírito Santo, temos um fator que contribui muito para esse fenômeno, que é a existência de uma região serrana muito próxima ao mar. Então, os ventos costeiros empurram a umidade do litoral contra as altas temperaturas que estão dentro do continente. Isso é combustível para a formação de nuvens de tempestade”, complementa Ivaniel.

24 MORTES EM 2013
2 VÍTIMAS NUNCA FORAM ENCONTRADAS

20 MORTES EM 2024
DE ACORDO COM BOLETIM OFICIAL DO DIA 20 DE MARÇO

O doutor em Ciência Florestal e ambientalista Luiz Fernando Schettino aponta que, desde 2015, todos os anos que passaram foram os mais quentes da história. E explica que essa intensificação das mudanças climáticas na última década também levam a eventos climáticos cada vez mais extremos. E isso pode ser percebido na diferença entre as tragédias de 2013, quando houve uma grande chuva por vários dias no Estado todo, e a do último fim de semana, com a tempestade concentrada em apenas uma região e em uma única noite.

Chuva mais intensa e letal: número de mortes no ES é o maior desde 2013

"O aquecimento global acentua os extremos. Eventos que você não imaginaria que pudessem ocorrer passam a acontecer de uma hora para outra, por causa dessa irregularidade que tem na atmosfera", disse Schettino.

Ainda de acordo com o ambientalista, é fundamental que todos se preparem para viver esse tipo de clima daqui para frente. "Hoje, foi naquela região do Sul do Estado. Amanhã, pode ser em outro lugar e nós temos que nos preparar", afirma. 

Como se preparar

Quando aborda a necessidade de preparação para eventos climáticos extremos, Schettino cita que as estruturas meteorológicas de todo o país, principalmente em cada e Estado e município, precisam ser reforçadas. "Essas estruturas estão funcionando, mas precisam de apoio e de equipamentos de ponta. Isso vai ajudar a reduzir os estragos, as perdas e o número de mortes", aponta.

De acordo o ambientalista, já existem formas de antecipar certos eventos. Ele explica que algumas previsões feitas no Brasil levam em consideração apenas grandes áreas. Seria necessário, então, conduzir análises levando em consideração áreas menores, para que seja possível caracterizar melhor as possibilidades, sobretudo em pequenos municípios.

Schettino alerta que a instalação de mais radares meteorológicos é necessária. No entanto, lembra que também é importante haver quem saiba interpretar os dados e ter a compreensão, a partir dessas informações, de quais são as probabilidades de ocorrer um evento climático extremo.

Comida

Outra paralelo triste possível de ser traçado entre as duas tragédias são as imagens de pessoas desesperadas tentando recuperar alimentos da lama. Em 2013, o registro foi feito quando um supermercado, em Itaguaçu, no  Noroeste do Estado, precisou fazer uma limpeza e retirar estoques contaminados pela sujeira causada pelas chuvas. As fotos feitas pelo repórter fotográfico Vitor Jubini rodaram o mundo e foram publicadas por veículos como Al Jazeera e The Washington Post.

chuva 2013 -  Itaguaçu -  População atingida pela chuva recolhe alimentos descartados por supermercado
População atingida pela chuva recolhe alimentos descartados por supermercado nas chuvas de 2013, em Itaguaçu. (Vitor Jubini)

Mais de dez anos anos depois, imagens — desta vez captadas pelo repórter fotográfico Fernando Madeira — mostraram novamente pessoas desesperadas por comida, retirando alimentos do meio da lama.

Pessoas tentam encontrar alimentos em meio à lama da destruição em Mimoso do Sul(Fernando Madeira)

O que diz a Defesa Civil

Por meio de nota, a Defesa Civil informou que o Estado tem investido na estruturação do Sistema Estadual de Proteção e Defesa Civil (Siepdec), para garantir estrutura integrada de planejamento e análise e tomada de decisões antes, durante e após a ocorrência de eventos extremos. Dentre as principais medidas e ações, o órgão destaca o sistema Alerta!ES.

"O sistema de monitoramento através do site Alerta!ES coleta, armazena, trata e gerencia dados a respeito das condições hidrológicas e meteorológicas que resultam, entre outros, no volume de chuvas e na vazão de rios por meio de estações pluviométricas, fluviométricas e meteorológicas. Com os dados adquiridos, são emitidos, de forma automatizada, alertas de chuvas através de boletins bem como mapeamento de áreas de riscos. Todas as informações são de acesso público pelo site https://alerta.es.gov.br/", diz a nota.

A Defesa Civil também cita a criação do Centro de Inteligência da Defesa Civil Estadual (Cidec). "Trata-se de um ambiente físico no qual convergem os dados e informações coletados que, processados e aliados aos conhecimentos operacionais, suportados por sistemas dedicados, formam a inteligência necessária ao gerenciamento dos riscos e desastres", acrescenta a nota.

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