Mesmo diante de um alerta vermelho do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), que indica grande perigo para as regiões com essa sinalização, o intenso volume de chuvas que atingiu a Região Sul do Espírito Santo entre sexta-feira (22) e sábado (23) surpreendeu autoridades e, mais que isso, deixou um rastro de destruição e mortes. No entanto, ainda que a quantidade de água tenha sido superior ao previsto, o fato é que ações de prevenção do poder público têm que considerar o pior cenário.
É o que aponta o professor Antonio Celso de Oliveira Goulart, coordenador do Laboratório de Geomorfologia e Gestão de Risco de Desastres da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), ao analisar a tragédia que já contabiliza 20 mortes — 18 em Mimoso do Sul e 2 em Apiacá.
Para ele, um ponto de atenção para os municípios é a necessidade de criar estratégias para mobilizar a população diante dos alertas meteorológicos. Antonio Celso observa que os comunicados sobre as chuvas intensas costumam chegar com antecedência, mas as pessoas não estão orientadas sobre como proceder.
Questionado se o uso de sirenes para os moradores deixarem áreas de risco seria efetivo, o professor lembra que São Sebastião, em São Paulo, que sofreu com fortes chuvas no início de 2023, tinha equipamentos, mas que não evitaram a tragédia que se abateu sobre a cidade.
Antonio Celso reconhece que a mobilização é complexa, mas imprescindível para minimizar os impactos das fortes chuvas que, em razão das mudanças climáticas, vão se tornar cada vez mais frequentes.
"Existe toda uma estrutura dos diferentes âmbitos da gestão pública que, apesar de os canais existirem oficialmente, são carentes de uma estruturação maior, sobretudo na 'ponta de lança', ou seja, no município. Eu tive notícias que, após a informação de alerta do quantitativo de chuva, houve uma mobilização, mas muito incipiente e, sobretudo, não muito creditada pela população. O alerta vermelho é raro, e as pessoas têm na memória os eventos anteriores."
Na avaliação do especialista, outra iniciativa indispensável é a revisão dos planos municipais das águas. Ele diz que, no caso de Mimoso do Sul, por exemplo, a atualização mais recente é de 2013. Ao longo dessa última década, o uso do solo no município pode ter interferido no modo como a água das chuvas é drenada.
"Eventos com essas características são potencializados pela ocupação, pelo adensamento populacional", frisa. Sem contar a geografia da cidade que, mesmo se não tivesse recebido diretamente muita chuva, seria afetada porque houve temporais nos municípios vizinhos. "Em função do sítio topográfico, a convergência de quatro rios se junta exatamente no centro de Mimoso, ou seja, o grande volume de água chegou no mesmo lugar, simultaneamente", acrescenta o professor.
Antonio Celso também evidencia a atuação da Defesa Civil que, segundo afirma, não é um órgão, mas um sistema, do qual devem fazer parte agentes públicos e também a população. O professor observa que, na maioria dos municípios, as equipes não são perenes, mas associadas a fluxos de governo, havendo necessidade de profissionalização dessa atividade, inclusive com a criação de cargo por meio de concurso.
Sobre a previsão do tempo não ter indicado volumes de chuva que chegaram a passar de 300 milímetros somente na última sexta-feira (22), — média de chuva que era esperada para todo o mês na Região Sul capixaba, segundo o Incaper —, Antonio Celso pondera que o alerta vermelho não se limita a 100 milímetros, mas, sim, sinaliza que pode haver quantidade de água superior a esse marco. "Então, o planejamento não pode ser feito considerando o menor risco. As ações têm que considerar o pior cenário para esta situação, não para aquela que eventualmente vai ser a mais amistosa."
Em entrevista na segunda-feira (25) à Rádio CBN Vitória, o governador Renato Casagrande explicou que o temporal atingiu as cidades do Sul de madrugada, quando muitos já estavam em casa dormindo, e que o volume de precipitação, que chegou a 300mm somente na última sexta-feira (22), não foi dimensionado. "A previsão falhou", disse Casagrande. Segundo ele, o maior volume de chuva estava previsto para o Rio de Janeiro e não para o Espírito Santo.
Antonio Celso ressalta que é muito importante ter iniciativas preventivas que se enquadrem naquilo que está previsto na política nacional de defesa civil, como planos municipais de redução de risco e ferramentas de planejamento para detecção de áreas sensíveis e, a partir desses planos, promover intervenções imediatas para reduzir impactos. O professor admite que, muitas vezes, não será possível ficar imune aos efeitos das chuvas, mas, certamente, poderão ser minimizados os efeitos.
A Prefeitura de Mimoso do Sul diz, em nota, que o município tem plano de contingência, porém, não deu nenhuma informação adicional sobre como funciona, nem o que foi feito a partir do alerta vermelho da sexta-feira (22). A Prefeitura de Apiacá também foi procurada, mas não se manifestou sobre as medidas adotadas para redução de danos mediante o aviso meteorológico de perigo para a cidade. Nas fortes chuvas do final semana no Sul do Espírito Santo, apenas os dois municípios registraram mortes.
Já o Corpo de Bombeiros destaca que a Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa Civil (Cepdec) atua com um plantão 24 horas realizando mapeamento, monitoramento, previsão e alerta de extremos meteorológicos, hidrológicos, geológicos e oceanográficos. Ao longo da última semana, essas informações foram compartilhadas com Defesas Civis Municipais e demais órgãos que compõem o Sistema Estadual de Proteção e Defesa Civil, como forma de prevenir e mitigar danos e riscos para a população.
"Entretanto, é necessário destacar que todos os levantamentos previam acumulados pluviométricos muito inferiores ao que efetivamente ocorreu na última sexta-feira (22). Assim que o volume de chuvas acima do esperado foi registrado, as equipes de pronta resposta foram mobilizadas, iniciando, imediatamente, o trabalho de resgate e socorro às vítimas e ações posteriores de atendimento e ajuda humanitária", pontua, em nota.
Para que esta resposta seja a mais rápida possível em casos de desastres, ainda segundo a nota, o governo do Estado tem investido na estruturação do Sistema Estadual de Proteção e Defesa Civil (Siepdec), cuja finalidade é dotar o Espírito Santo de uma estrutura integrada de planejamento e análise e tomada de decisões antes, durante e após a ocorrência de eventos extremos.
O Corpo de Bombeiros aponta, ainda, outras medidas adotadas:
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