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Cinco anos após ataques na Piedade, famílias expulsas ainda têm medo

Cinco anos após ataques na Piedade, famílias expulsas ainda têm medo

Em 2018, comunidade de Vitória foi cenário de disputa violenta de grupos de traficantes, que obrigaram moradores a deixar suas casas e a se refugiar em outros locais

Publicado em 4 de julho de 2023 às 12:04

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Moradores da Piedade deixam suas casas após conflito e insegurança
Moradores da Piedade deixam suas casas após conflito e insegurança. (Fernando Madeira - 14/06/2018)

O ano era 2018 e um grupo de traficantes, disposto a retomar o território que já havia sido ocupado por eles, expulsou moradores da Piedade, em Vitória, sob ameaças de morte. Cinco anos se passaram e, ainda assim, famílias obrigadas a sair da comunidade naquela época não se sentem seguras. 

Algumas têm medo até de falar sobre o assunto. Em contato por telefone com essas pessoas, a reportagem de A Gazeta ouviu as seguintes frases: "Sei que faz um tempo, mas ainda não me sinto confortável. Desculpa não poder contribuir", disse uma das vítimas. "Eu ainda tenho muito medo, até de lembrar do que aconteceu", afirmou outra. 

Uma ex-moradora, que hoje vive em outro município, às vezes volta à comunidade para visitar familiares ou participar de eventos da Escola de Samba Unidos da Piedade. Mas ela evita o bairro à noite, e sua postura é andar de cabeça abaixada ao cruzar com jovens pelo caminho, por medo de eles integrarem o tráfico local. 

Cinco anos após ataques na Piedade, famílias expulsas ainda têm medo

Auxiliar de serviços gerais, ela conta que a família tinha casa própria na Piedade e, hoje, mora de aluguel, porém não viu alternativa, lá em 2018, quando traficantes ameaçaram matar qualquer pessoa que tivesse parentes em grupo rival. A ex-moradora diz que tinha um primo envolvido com o tráfico e, embora na época ele estivesse preso, permanecer na comunidade era um risco que a família não queria correr. Juntaram o que tinham e foram embora. 

A saída foi traumática, mas, apesar das dificuldades dos tempos atuais, ela acredita que o afastamento da comunidade, de certa forma, ajudou a preservar sua filha e sobrinhos da influência do tráfico. A ex-moradora diz que alguns jovens que, quando crianças, brincavam na sua casa na Piedade ou eram da mesma turma da escola do sobrinho hoje fazem parte do "movimento."

Irmãos Damião e Ruan Reis
Irmãos Damião e Ruan Reis . (Reprodução TV Gazeta)

Em 2018, houve oito assassinatos de jovens em um pequeno intervalo de tempo, resultado da disputa de território de grupos rivais do tráfico de drogas. Nessa guerra, duas das vítimas foram os irmãos Ruan Reis, 19, e Damião Marcos Reis, 22, executados com mais de 20 tiros, cada um. O julgamento de quatro denunciados pelo crime será realizado nesta quarta-feira (5)

Nascido e criado na Piedade, o professor Jocelino Junior avalia que a sucessão de crimes daquele ano tornou evidente a violência no território, mas não significa que, atualmente, haja mais segurança para a comunidade. "Quando não tem a morte física de nenhuma pessoa, parece que a gente não tem violência e há uma sensação de tranquilidade. Mas não posso dizer que é uma comunidade livre das intenções e abordagens desses grupos", afirma ele, que é pesquisador do Instituto Raízes, entidade que promove ações sociais e culturais em áreas de vulnerabilidade. 

Jocelino diz que, nesses últimos cinco anos, o tamanho da comunidade reduziu. Ele estima que muitos moradores deixaram a Piedade, sobretudo pela insegurança. O professor contabiliza mais de 40 famílias no primeiro momento, todas motivadas a sair pela violência. E esse esvaziamento, segundo ele, não é só nas casas, é também nas escolas, nas demandas de atendimento nos serviços públicos, na destinação de políticas territoriais.

Aspas de citação

É um esvaziamento comunitário, social, político e até institucional quando a gente naturaliza que o território precisa ser esvaziado porque os problemas não são cessados com políticas públicas articuladas

Jocelino Junior
Professor e pesquisador do Instituto Raízes
Aspas de citação

O professor aponta que, conforme relatos de moradores que resistem na Piedade, a estrutura da Polícia Militar instalada no bairro após a sequência de assassinatos, cuja previsão era manter uma equipe em contato permanente com a comunidade, numa relação de mais proximidade, não está funcionando como planejado. 

Questionado sobre o que mais falta na Piedade, além da segurança, Jocelino argumenta que é uma pergunta difícil de responder. "Penso que é um sonho para toda comunidade, não só a nossa. É um sonho de sociedade em que as pessoas tenham reconhecidas as suas potências, que tenham seus direitos assistidos. Mas o que a gente observa por lá é que, com esse esvaziamento, os próprios moradores desacreditam que a Piedade é lugar possível (de se viver)."

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