Quando Ester, 3 anos, saiu com os pais, de carro, de Cariacica rumo a São Paulo, no dia 11 de março, ela se preparava para enfrentar sua terceira cirurgia no coração. Ainda no início do que se tornaria a maior crise sanitária mundial da época, o coronavírus parecia pequeno diante da história de batalhas da criança.
Ester nasceu com uma anomalia congênita chamada de hipoplasia do coração esquerdo. As estruturas da parte esquerda do coração dela são pouco desenvolvidas. Por causa disso, a quantidade de sangue que chega ao órgão é comprometida. A vida de uma pessoa com cardiopatia, como a de Ester, é acompanhada por uma série de cirurgias, que a menina acumula desde o terceiro dia que veio ao mundo. Em uma delas, Ester ficou seis meses internada, teve acidentes vasculares cerebrais (AVC) e acabou com a parte direita do corpo paralisado.
Na última internação, porém, um cenário novo se desenhava para a criança. Da janela do quarto do hospital, a menina e os pais observaram os contornos que a pandemia do novo coronavírus dava à capital paulista. Ruas cada vez mais vazias, carros parando de circular, pessoas usando máscaras de proteção. Para os pais, era difícil imaginar que a ameaça que estava do lado de fora ultrapassaria as paredes do quarto de hospital e chegaria até Ester.
Ester e a mãe foram diagnosticadas com a Covid-19 no dia 04 de abril, dias depois da menina enfrentar a cirurgia mais difícil dos seus três anos de vida. Eu parei de sentir cheiro e comentei com os médicos. Na hora eles estranharam e já pediram o exame de Covid para mim e para a Ester, que estava com um pouco de tosse. Quando eu recebi o diagnóstico, eu não acreditei. Comecei a lembrar do que aconteceu com ela durante a cirurgia, das inúmeras paradas cardíacas que ela sofreu, das complicações que vieram no pós-operatório, da pressa dos médicos para colocar marca-passo nela. Não sei mensurar o impacto que esse vírus teve na vida da minha filha, se ela já estava com o vírus na hora da cirurgia e por isso o quadro se agravou, ou se veio depois, é muito difícil analisar. Sei que foi assustador e por um momento achei que fosse perder a Ester, lembra Elaine Trancoso, mãe da criança.
Após o diagnóstico, Ester e a mãe foram isoladas em um quarto de baixa pressão, da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do hospital. Lá elas tomavam banho, se alimentavam e recebiam visitas de um número reduzido de médicos. Sem contato físico com o marido, com quem costumava revezar os cuidados da filha, Elaine passou 11 dos 14 dias de isolamento dormindo em uma poltrona da UTI, onde ela tentava acalmar a filha, e se comunicava com as pessoas pelo celular.
Elaine e Ester ficaram 11 dias na UTI. Depois disso, elas foram transferidas para uma torre do hospital onde estavam concentrados os casos de coronavírus. Lá, elas ficaram por mais três dias, até os médicos terem certeza que elas estavam curadas do vírus.
"Eu não achava que sairia da UTI com as minhas próprias pernas. E realmente não saí. Quando nos transportaram para outra torre, nos colocaram em uma maca. Eu só conseguia agradecer a Deus. Eu sabia que estava acabando e que logo estaria em casa para comemorar o aniversário da minha filha com ela no meu colo", lembra Elaine.
Ester recebeu alta no dia 24 de abril, após 45 dias internada e na data em que completava 3 anos. Com um bolo e balões, os pais organizaram uma festa de aniversário a três, para celebrar a vida da criança que vencia não só mais uma cirurgia, mas um vírus que já matou mais de 250 mil pessoas no mundo.
"As pessoas não têm ideia do quanto esse vírus é grave e de como eu e minha esposa sofremos vendo nossa filha no hospital. Nós somos muito gratos pela Ester. A vida dela é um milagre, e cada superação nos mostra o quanto Deus tem cuidado de nós, nos mínimos detalhes", disse Marcos.
De volta a Cariacica, Ester está novamente em isolamento, mas dessa vez em casa, com os pais. A situação da criança, tanto por causa da pandemia, quando do histórico de saúde, exige ainda mais cuidados, algo que Marcos e Elaine têm dedicado a vida para fazer.
"A gente vê as pessoas reclamando que não conseguem ficar em casa e eu só penso que já passei seis meses com a minha filha internada no hospital, sem saber se ela sairia viva de lá. É melhor ficar em casa se protegendo, do que dentro de um hospital. Diante de tudo que acontece no mundo, temos a oportunidade de sermos melhores. Eu espero que as pessoas aprendam com isso tudo e tenham fé que vai passar", finaliza Elaine.
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