Pelas paredes do Convento da Penha se espalham placas feitas em mármore, madeira ou azulejo que estampam a dor, o sofrimento e a devoção de pessoas que recorreram à ajuda divina para enfrentar problemas da vida. É a materialização da gratidão de famílias que encontraram em Deus e em Nossa Senhora da Penha a graça que precisavam em todas as áreas da vida.
O costume é tão antigo que é difícil datar exatamente quando as primeiras foram colocadas nas paredes, de acordo com o doutor em Ciências da Religião e professor aposentado da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Edebrande Cavalieri. Especificamente no Convento da Penha, a prática começou a ser feita desde o início da chegada do frei Pedro Palácios ao Estado, em 1558. Ele foi o fundador do Convento, começando pela construção da Capela em homenagem a São Francisco de Assis, em 1562.
“Em todos os grandes santuários, lugares de peregrinações é costume estar presente esse conjunto de placas, imagens, objetos. Sempre se encontra uma sala dos milagres, por exemplo. A origem vem da religião católica, do cristianismo do período colonial. No caso do Convento, as devoções vão surgindo de fatos pontuais e logo começaram a explodir. As pessoas já tendem a colocar aos pés do lugar sagrado esses objetos. Não sabemos qual foram os primeiros, porque as pessoas destruíram”, aponta.
O estudioso ressalta que essas placas representam a necessidade de um povo, o que tem grande relevância histórica e antropológica. Em seu ponto de vista, é preciso ler esses sinais e enxergar uma interpretação que vai muito além do superficial.
A devoção e a necessidade de recorrer ao poder divino, destaca, revela ainda um povo que muitas vezes não era assistido pelo Estado. “Na medida que o povo não tinha o Estado a quem recorrer em momento de saúde ele recorre a Deus, ao sagrado, no momento da doença e faz a promessa. Estabelece uma relação complexa. É uma relação de dor, muita dor, sofrimento”, salienta.
As demandas abrangem os mais variados temas. São problemas de saúde, dificuldades financeiras e até espirituais. No caso de Karolline Biondo Rodrigues, de 29 anos, a placa representa a gratidão da família por uma cura recebida. Quando tinha pouco mais de um ano, o município de Guaçuí, no Sul do Espírito Santo, onde mora, passava por um surto de meningite. Karolline desenvolveu um dos graus mais severos da doença e precisou ser transferida para Vitória, onde iniciou o tratamento. Ela precisou ser intubada e fazer traqueostomia.
Enquanto estava na Capital para o tratamento da filha, a mãe de Karolline, Simone Moreira Biondo Rodrigues, foi ao Convento da Penha e se confessou com um dos freis. No dia seguinte, estava marcada uma cirurgia para amputar os dois pés da criança, já necrosados pela meningite.
"Ela contou para ele o que estava acontecendo e levou meu vestido de batizado. Como eles já tinham alegado que não teria como fazer mais nada, ela levou meu vestido de batizado pensando até em enterrar mesmo. E o frei falou para ela não ficar desesperada porque Deus estava com ela. Ele disse 'sua filha está curada, tenha fé e não desanime'", relata Karolline.
No dia seguinte, quando chegou ao hospital, Simone recebeu uma boa notícia de uma das médicas. "A médica falou 'não sei o que aconteceu, mas estava previsto a amputação dos dois pés, mas agora só vamos precisar tirar a ponta dos dedos", recorda. Depois do episódio, um dos tios de Karolline mandou fazer a placa para ser colocada aos pés de Nossa Senhora da Penha. Cerca de dois meses depois, a menina saiu do tubo e foi para casa.
"No dia que tive alta a minha mãe me levou até o convento para assistir à missa. Meu tio colocou a placa que está no convento até hoje. Tive minha vida de volta graças a Deus e a nossa senhora da Penha, e hoje sou da área da saúde. A gente é só instrumento de Deus, tem coisa que a gente vê que não tem volta, mas Deus tudo pode", finaliza.
Karolline cresceu, se formou em medicina, se casou e é mãe. A placa, continua no convento. "Nossa Senhora da Penha representa muito na minha vida. Se hoje eu tenho fé, força e saúde é através dela, que todos os dias me move, me toca para alcançar dias melhores como alcancei o meu milagre", pontua.
História semelhante é a de Virgínia Lucia Rodrigues Passos, de 54 anos. A placa colocada como agradecimento por sua vida já tem mais de três décadas. A mãe de Virgínia mandou fazer o objeto como agradecimento pela graça recebida durante uma cirurgia de alto risco, que a capixaba passou quando tinha 18 anos.
"Foi em 1984, ela fez uma promessa antes de eu fazer a cirurgia, levou dois ônibus com familiares e outras pessoas. Foi primeiro no Convento da Penha e depois foi para Aparecida", relembra. Virgínia sofria com um problema no maxilar e também no tendão de Aquiles. A mãe percebeu a dificuldade quando ela tinha apenas 5 anos e passou longos anos buscando em diversos médicos uma solução.
Depois de percorrer por inúmeros profissionais, Virgínia acabou nas mãos de um médico carioca que resolveu fazer as duras cirurgias no mesmo dia. A operação teve mais de sete horas de duração, como lembra a capixaba, mas teve um resultado satisfatório. "Soltaram mais de 3 cm do meu tendão de aquiles, recebemos a graça de correr tudo bem", relembra.
Como gratidão, a família colocou a sinalização na parede do Convento.
Em mais um caso de saúde, a bênção recebida pela família de Ricardo Batan Rios Regis, de 57 anos, é ainda mais antiga. Na década de 1920, o avô de Ricardo, Manoel Rios, conhecido como Duca, teve uma doença séria, que a família nem sequer sabia do que se tratava. "Meu avô pegou uma doença que a gente nem sabe dizer muito bem o que era. As tias, a minha mãe, diziam que ele teve Tifo, que é uma doença europeia que ninguém conhecia. Nisso, minha bisavó, Albina, ficou com muito medo dele partir, dele morrer", relata.
A bisavó, então, resolveu fazer uma promessa para Nossa Senhora da Penha, para que o filho fosse curado. "Pelas mãos de Nossa Senhora da Penha meu avô conseguiu a sua vida”, assinala Ricardo.
Como resultado, toda a família é devota de Nossa Senhora da Penha e segue participando das romarias da Festa da Penha, como prova da gratidão. "Nossa família sempre foi uma família que é devota de Nossa Senhora da Penha. Nossa Senhora sempre colocou sua mão sobre nossa família e ultimamente, agora esses dias, tivemos outras duas graças alcançadas que os filhos de Duca foram agraciados com a vida por Nossa Senhora da Penha. Ela nunca nos abandonou, e assim sempre teve e tem nossa devoção", assinala Ricardo.
Para a família Agatti, no entanto, a ajuda de Nossa Senhora veio por meio de uma orientação. Joana Fernandes Agatti relata que chegou ao Espírito Santo em 1982, um ano após o marido perder 100% da audição de um ouvido e 80% do outro. O marido trabalhava em uma empresa que prestava serviços para a Petrobras e nenhum advogado queria pegar a causa para brigar por uma aposentadoria por invalidez.
O casal chegou a Vitória, mas se deslocava ao Rio de Janeiro duas ou três vezes por semana, onde ficava o escritório da empresa, para tentar conseguir a aposentadoria. "Chegamos no Rio, a empresa fez dele um papel rasurado, depois de 26 anos de trabalho. Eu estava revoltada por eles não darem assistência nenhuma a ele", conta.
"Me vi perdida no Rio de Janeiro para tomar as iniciativas necessárias para a aposentadoria dele. Ia pra lá e dormia na rodoviária. Lutei muito, eu procurei sindicato, procurei advogado, comprava o jornal para ler, para procurar, sou dona de casa, nunca trabalhei fora, meu grau de cultura era primário, mas ninguém queria pegar a causa dele", relembra. Começou, então, a apelar para Nossa Senhora. Joana relembra passar dia e noite rezando o terço e pedindo a Deus uma orientação.
"Eu estava na fila na praça da Bandeira, onde ele fazia a perícia, quando vi um marinheiro eu me dirigi a ele para pedir ajuda, foi Nossa Senhora que colocou aquele homem na minha frente. Ele me orientou e eu fui na superintendência do INPS e eu consegui aposentar meu marido em pouco mais de dois anos, em nome de Deus e de Nossa Senhora", relata.
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