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Conheça tia Beth, que percorreu 90 km por dia para virar professora

Conheça tia Beth, que percorreu 90 km por dia para virar professora

Elizabeth Tesch trabalhava como servente em cooperativa educacional de cidade do interior do ES. Ela conseguiu estudar para ser pedagoga

Publicado em 9 de outubro de 2024 às 14:02

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Tia Beth virou professora após ficar anos trabalhando como servente

Elizabeth de Souza Tesch, a "tia Beth", 45 anos, é moradora de São Gabriel da Palha – na Região Noroeste do Espírito Santo, cerca de 200 km de Vitória. E sua trajetória é uma verdadeira lição. Ela, que chegou à Escola Coopesg Robusta (Cooperativa Educacional de São Gabriel da Palha) como servente, hoje é professora do colégio.

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Atualmente, eu dou aula para os filhos dos alunos que atendi quando trabalhava de servente e na cantina

Elizabeth de Souza Tesch
Professora
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Da roça à sala de aula

Elizabeth Tesch, a "tia Beth", era servente e virou professora da Coopesg Robusta, em São Gabriel da Palha. (Daiane Teixeira)

Até chegar à graduação acadêmica, Elizabeth passou pelas dificuldades que são recorrentes à região em que nasceu. Em São Gabriel da Palha, há 37 escolas de ensino fundamental e médio, e a maioria delas está na zona rural. Tomando por base os dados de 2023, para o ensino médio, a cidade não atingiu a meta do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que, em 2023, era de 7,0 para o Brasil. São Gabriel da Palha ficou com 4,7, enquanto o ensino fundamental ficou com 5,8.

Já em relação à educação superior, a maior parte das instituições é voltada para a formação de ensino à distância. Segundo dados de 2010 do Atlas de Desenvolvimento Humano, a população local tem média de 9,2 anos de estudo, ou seja, muitos nem sequer chegam a concluir o ensino médio, e 14% dos habitantes são analfabetos. Apenas 6,5% concluíram o ensino superior. Esses dados mostram o tamanho do desafio para Elizabeth atingir seu sonho. Ela precisava viajar para Nova Venécia para estudar.  A cidade vizinha fica a 45 km de distância, totalizando 90 km percorridos por dia.

Na época da sua formação no ensino fundamental e médio, Beth enfrentou grandes dificuldades para poder concluir essas etapas, quando ainda morava no distrito de São Sebastião de Barra Seca, em São Gabriel: "Antigamente, eu pegava um ônibus velho e chegava em casa tarde. Eram 18 km da minha roça até a cidade. Chegava em casa à meia-noite, o que tornava muito difícil terminar a oitava série (atual nono ano). Quando chovia, o ônibus não vinha. Havia situações em que ele quebrava no caminho".

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Na quinta série, parei de estudar para ser babá, mas ser professora era um sonho

Elizabeth Tesch 
Professora
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Beth formou-se em Pedagogia em 2014
Beth formou-se em Pedagogia em 2014. (Arquivo Pessoal)

Após haver deixado a escola e ter iniciado trabalhos como cuidadora de crianças, Elizabeth acabou trabalhando num posto de saúde e conciliou os estudos do ensino fundamental, que concluiu aliando-os à maternidade e ao casamento. Em 2003, começou a trabalhar na Coopesg como servente. Foi, então, estimulada pela pedagoga Carmem Rigo a entrar nas salas de aula não mais como funcionária que cuidada da limpeza, mas, sim, como aluna. Segundo conta tia Beth, Carmem foi taxativa: ou ela completaria o ensino médio ou teria que ser desligada da empresa.

Diante da resistência de Elizabeth, a própria pedagoga a inscreveu no Ensino de Jovens e Adultos (EJA), já que a própria instituição viu na funcionária um diferencial.

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Começamos a perceber que ela tinha potencial, tanto que destinamos a ela o auxílio à educação infantil. Hoje ela é um chamariz para a nossa escola. Muitos pais nos procuram justamente por conhecer a Tia Beth. Ela é uma mãezona e dá muito carinho aos alunos. Sem dúvida, a educação transformou a vida dela

Simone Rigo
Secretária administrativa da Coopesg
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Após completar o EJA, ela entrou para a faculdade, em Nova Venécia. "Era difícil conciliar com a vida em casa. Além do mais, eu não tinha computador e só usava o da escola ou ficava até tarde na casa das colegas fazendo atividades. No 3° período da graduação, os pais dos alunos já queriam que eu desse aula, mas eu ainda não podia. No 4° período, a escola abriu uma turma no Maternal, onde estou até hoje, desde 2014."

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Meus pais nunca estudaram, mal sabiam escrever o nome. Hoje, sou a única da família com ensino superior. Quando terminei a faculdade, minha mãe chorava de emoção, gritando rua afora, orgulhosa, ainda que tivesse baixa visão. Acho que Deus a manteve viva para cuidar de nós. Deus a manteve por meio de milagres

Elizabeth Tesch 
Professora
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Tia Beth, desde 2014, é professora da turma do Maternal 1, da Coopesg
Tia Beth, desde 2014, é professora da turma do Maternal 1, da Coopesg. (Daiane Teixeira/Divulgação)

Olhando para trás, tia Beth reconhece que o saldo é vitorioso. "Em minha juventude, nunca passamos necessidade, porque plantávamos tudo — café, arroz, mandioca. Sempre tínhamos comida, mesmo sem muito dinheiro. A carne era só para quem trabalhava fora, fazíamos marmitas. Éramos treze pessoas morando numa casa de dois quartos. Saía da escola e ia ajudar meus pais na lida da roça. Capinava, apanhava café, plantava arroz… Fui babá, auxiliar de enfermagem, servente. Hoje, sou professora. Me sinto realizada."

Cooperativa educacional

A Coopesg Robusta — que teve um papel fundamental na transformação de vida da tia Beth — conseguiu zerar os índices de reprovação, bem como de evasão escolar, de acordo com dados do Censo Escolar de 2023 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). A escola atende da educação infantil até o nono ano do ensino fundamental, mas há a perspectiva de disponibilização de abertura de turmas para o ensino médio já para a temporada 2025/2026.

A instituição é uma escola da rede privada sem fins lucrativos. As mensalidades são calculadas através de rateio. Os pais dos alunos são os cooperados e, portanto, têm poder de decisão e de voto. “Há um conselho de administração, eleito em assembleia, que faz a parte da gestão. É a cooperativa que mantém a escola”, conta Simone Rigo, secretária administrativa da Coopesg.

Ao ser criada, o objetivo da Coopesg era formar uma cooperativa de pais de alunos para viabilizar o ensino do cooperativismo, operação e assistência técnica educacional e complementar às opções escolares da região numa época de greve nas escolas públicas do município. Completando 30 anos em 2024, a Coopesg Robusta atualmente tem em seu quadro 49 funcionários, além de 329 alunos, com 268 sócios ativos — ou seja,  aqueles que têm filhos na escola. 

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