Elizabeth de Souza Tesch, a "tia Beth", 45 anos, é moradora de São Gabriel da Palha – na Região Noroeste do Espírito Santo, cerca de 200 km de Vitória. E sua trajetória é uma verdadeira lição. Ela, que chegou à Escola Coopesg Robusta (Cooperativa Educacional de São Gabriel da Palha) como servente, hoje é professora do colégio.
Até chegar à graduação acadêmica, Elizabeth passou pelas dificuldades que são recorrentes à região em que nasceu. Em São Gabriel da Palha, há 37 escolas de ensino fundamental e médio, e a maioria delas está na zona rural. Tomando por base os dados de 2023, para o ensino médio, a cidade não atingiu a meta do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que, em 2023, era de 7,0 para o Brasil. São Gabriel da Palha ficou com 4,7, enquanto o ensino fundamental ficou com 5,8.
Já em relação à educação superior, a maior parte das instituições é voltada para a formação de ensino à distância. Segundo dados de 2010 do Atlas de Desenvolvimento Humano, a população local tem média de 9,2 anos de estudo, ou seja, muitos nem sequer chegam a concluir o ensino médio, e 14% dos habitantes são analfabetos. Apenas 6,5% concluíram o ensino superior. Esses dados mostram o tamanho do desafio para Elizabeth atingir seu sonho. Ela precisava viajar para Nova Venécia para estudar. A cidade vizinha fica a 45 km de distância, totalizando 90 km percorridos por dia.
Na época da sua formação no ensino fundamental e médio, Beth enfrentou grandes dificuldades para poder concluir essas etapas, quando ainda morava no distrito de São Sebastião de Barra Seca, em São Gabriel: "Antigamente, eu pegava um ônibus velho e chegava em casa tarde. Eram 18 km da minha roça até a cidade. Chegava em casa à meia-noite, o que tornava muito difícil terminar a oitava série (atual nono ano). Quando chovia, o ônibus não vinha. Havia situações em que ele quebrava no caminho".
Após haver deixado a escola e ter iniciado trabalhos como cuidadora de crianças, Elizabeth acabou trabalhando num posto de saúde e conciliou os estudos do ensino fundamental, que concluiu aliando-os à maternidade e ao casamento. Em 2003, começou a trabalhar na Coopesg como servente. Foi, então, estimulada pela pedagoga Carmem Rigo a entrar nas salas de aula não mais como funcionária que cuidada da limpeza, mas, sim, como aluna. Segundo conta tia Beth, Carmem foi taxativa: ou ela completaria o ensino médio ou teria que ser desligada da empresa.
Diante da resistência de Elizabeth, a própria pedagoga a inscreveu no Ensino de Jovens e Adultos (EJA), já que a própria instituição viu na funcionária um diferencial.
Após completar o EJA, ela entrou para a faculdade, em Nova Venécia. "Era difícil conciliar com a vida em casa. Além do mais, eu não tinha computador e só usava o da escola ou ficava até tarde na casa das colegas fazendo atividades. No 3° período da graduação, os pais dos alunos já queriam que eu desse aula, mas eu ainda não podia. No 4° período, a escola abriu uma turma no Maternal, onde estou até hoje, desde 2014."
Olhando para trás, tia Beth reconhece que o saldo é vitorioso. "Em minha juventude, nunca passamos necessidade, porque plantávamos tudo — café, arroz, mandioca. Sempre tínhamos comida, mesmo sem muito dinheiro. A carne era só para quem trabalhava fora, fazíamos marmitas. Éramos treze pessoas morando numa casa de dois quartos. Saía da escola e ia ajudar meus pais na lida da roça. Capinava, apanhava café, plantava arroz… Fui babá, auxiliar de enfermagem, servente. Hoje, sou professora. Me sinto realizada."
A Coopesg Robusta — que teve um papel fundamental na transformação de vida da tia Beth — conseguiu zerar os índices de reprovação, bem como de evasão escolar, de acordo com dados do Censo Escolar de 2023 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). A escola atende da educação infantil até o nono ano do ensino fundamental, mas há a perspectiva de disponibilização de abertura de turmas para o ensino médio já para a temporada 2025/2026.
A instituição é uma escola da rede privada sem fins lucrativos. As mensalidades são calculadas através de rateio. Os pais dos alunos são os cooperados e, portanto, têm poder de decisão e de voto. “Há um conselho de administração, eleito em assembleia, que faz a parte da gestão. É a cooperativa que mantém a escola”, conta Simone Rigo, secretária administrativa da Coopesg.
Ao ser criada, o objetivo da Coopesg era formar uma cooperativa de pais de alunos para viabilizar o ensino do cooperativismo, operação e assistência técnica educacional e complementar às opções escolares da região numa época de greve nas escolas públicas do município. Completando 30 anos em 2024, a Coopesg Robusta atualmente tem em seu quadro 49 funcionários, além de 329 alunos, com 268 sócios ativos — ou seja, aqueles que têm filhos na escola.
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