Um hipermercado de Vitória instalou alarmes em peças de picanha para evitar que elas sejam furtadas. Leitores de A Gazeta se surpreenderam com a medida e enviaram fotos dos produtos envoltos pelos lacres à reportagem.
Nas imagens, é possível ver que as peças de picanha estão cobertas por uma espécie de rede protetora acoplada a um dispositivo preto com uma luz vermelha que fica piscando, sinalizando que o alarme está ligado.
Em um dos freezers da unidade, estão as picanhas de bandeira internacional. O quilo das peças é vendido a R$ 136,80 e algumas ultrapassam R$ 200. Em outro compartimento, as marcas nacionais com esse mesmo peso são vendidas a R$ 98,98. Ambas possuem o alarme.
Outros cortes de carne, como alcatra, contrafilé e chã de dentro, são vendidos normalmente no hipermercado, sem o dispositivo de segurança.
O uso de alarmes em carnes já foi noticiado por A Gazeta em outras ocasiões. Em 2021, o colunista Leonel Ximenes informou sobre um caso na Capital. Já em 2019, o caso foi observado em Vila Velha, também em peças de picanha.
Procurado pela reportagem, o Grupo BIG, que controla o Sam's Club, enviou nota sobre o uso dos dispositivos, informando que se trata "de um procedimento padrão de segurança, utilizado pelo segmento de varejo e atacado, em diversas categorias de produtos."
Segundo o diretor-presidente do Instituto Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-ES), Rogério Athayde, não há legislação que proíba o uso de dispositivos de segurança nos produtos expostos à venda nos estabelecimentos comerciais do Estado. No entanto, o procedimento deverá ser adotado em toda a rede de supermercados. Ou seja, não pode haver distinção no tratamento dispensado em bairros de periferia e nas unidades localizadas em bairros mais ricos.
“Usar alarmes antifurto ou outro dispositivo de segurança pode ser política adotada pelo estabelecimento. Contudo, os consumidores precisam estar cientes disso. Se o estabelecimento comercial aplicar a conduta apenas em determinada região, pode ser considerada atitude discriminatória, ferindo a isonomia que é preceito básico das relações de consumo”, acrescentou Athayde.
A Associação Capixaba de Supermercados (Acaps) disse que medida adotada pelo hipermercado é comum, principalmente em “mercadorias com alto valor agregado, como é o caso dos cortes especiais de carne”.
“Dependendo da estrutura de segurança da loja, essa é uma alternativa encontrada por alguns supermercados para proteger os produtos e reduzir o risco de furtos nos estabelecimentos”, finalizou a entidade, em nota enviada à reportagem.
A reportagem de A Gazeta perguntou para a associação se há alguma percepção sobre o número de furtos de alimentos nos últimos anos, mas a Acaps informou não ter informações a respeito.
O furto de peças como picanha pode não ser entendido como furto por necessidade, chamado “furto famélico”. O termo é usado para definir o ato de furtar comidas, medicamentos ou qualquer outro item imprescindível para a sobrevivência. Conforme o Código Penal, quando o fato é praticado em estado de necessidade pode não configurar crime, como avalia o advogado Sandro Câmara.
“O furto de uma peça de picanha, por exemplo, dificilmente configuraria a hipótese de crime famélico. Para a doutrina mais abalizada, o furto famélico é aquele praticado em decorrência do estado notório de fome e necessidade, em que o agente atue exclusivamente com o fim de fazer cessar sua situação de fome ou de sua família”, explicou.
“Para a configuração do denominado furto famélico, o agente deverá praticar o furto com único objetivo de cessar a fome atual e que não possa ser saciada por meio lícitos, como o trabalho, por exemplo. Neste caso, incide a excludente de ilicitude em razão do estado de necessidade (art. 24, CP). Portanto, não há crime”, complementou.
Desde março, a reportagem de A Gazeta tenta obter, junto à Secretaria de Segurança Pública e defesa Social (Sesp) e à Polícia Civil, dados sobre furtos de carne no Espírito Santo. No dia 23 do mesmo mês, a corporação enviou nota dizendo que não tinha as informações solicitadas. “Verificamos junto ao setor responsável pela compilação de dados. Infelizmente, não dispomos das estatísticas solicitadas.”
Evidenciou também que esses casos são registrados nos boletins de ocorrência como furto. E a tipificação de furto famélico, bem como a análise da insignificância, agravante ou atenuante, é analisada durante o inquérito policial. Confira a nota na íntegra:
1) A polícia não registra os furtos famélicos?
Importante esclarecer que o furto famélico não é uma tipificação criminal, trata-se da qualificação sobre a circunstância como o crime de furto foi praticado, podendo ser enquadrado no princípio da insignificância ou estado de necessidade. A Secretaria de Segurança utiliza os boletins de ocorrência policial para produção das estatísticas criminais. No entanto, no momento do registro, do boletim de ocorrência, não é analisada a existência de atenuantes ou agravantes que possam qualificar o crime.
2) Como esse crime é registrado no Estado?
Esses casos são registrados, nos boletins de ocorrência, como furto. A tipificação de furto famélico e a análise sobre a insignificância ou outro tipo de atenuante ou agravante do crime são feitas pela Autoridade Policial, no âmbito do Inquérito Policial, ou pelo Promotor de Justiça no âmbito do Processo Criminal.
3) Existe alguma outra forma de conseguir essas informações?
O entendimento de furto famélico é obtido após análise das oitivas dos envolvidos, de provas e laudos periciais. Estes elementos são constituídos na fase de investigação e anexados ao Inquérito Policial e/ou Processo Criminal. Cabe ao Delgado de Polícia ou Promotor de Justiça estabelecer, após análise de provas, que o crime de furto será tipificado como furto famélico.
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