Há duas semanas, o Espírito Santo registrou um recorde de mortes: foram 59 em apenas 24 horas. Neste domingo (5), o Estado superou a marca de 1.800 óbitos e de 53 mil casos do novo coronavírus. A pandemia está avançando para o interior e ainda não parou de crescer na Grande Vitória. Ainda assim, parte dos capixabas está enchendo as praias e se reencontrando com amigos e familiares, como se nada estivesse acontecendo.
Para tentar entender esse comportamento contraditório, que vai na contramão do isolamento social recomendado e implica em maior risco de contágio para todas as pessoas, A Gazeta conversou com dois especialistas: o psicólogo Adriano Pereira Jardim e o sociólogo Marcelo Fetz. Ambos professores da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
Entre eles, há duas unanimidades: o individualismo, já presente na sociedade brasileira antes da pandemia; e a pressão psicológica imposta pelo confinamento. Os dois fatos estão intimamente interligados, já que o primeiro dificulta o entendimento do quão necessário é o segundo, apesar de todas as dificuldades.
Além disso, o sociólogo também explicou que a pandemia é como uma fratura no cotidiano. Há uma dificuldade para entender o que está acontecendo, porque as pessoas não foram educadas a enfrentar situações como essa, um evento massivo de saúde pública, explica Marcelo.
Juntas, a cultura individualista e a fragilidade do entendimento acerca da situação atual ainda são somadas ao excesso de informações negativas e à falta de perspectiva. O resultado? Pressão psicológica. Não é como se estivéssemos de férias. Surgem quadros de depressão, ansiedade e angústia, afirma Adriano.
Para se defender, então, há aquelas pessoas que recorrem a um mecanismo irracional de defesa chamado negação. Às vezes, encaramos o problema e o aceitamos como ele é. Em outras, fingimos que nada está acontecendo e nos recusamos a lidar com uma realidade profundamente alterada, explica o psicólogo.
Surge então mais uma contradição humana, apontada pelo sociólogo Marcelo Fetz. Ao mesmo tempo em que temos o caráter individualista, nessa situação em que somos jogados para dentro de casa e obrigados a ficarmos a sós, sentimos falta do coletivo, esclarece.
Todo mundo sabe que há pessoas que não têm condições de fazer o isolamento social por questões socioeconômicas. No entanto, quando quem poderia ficar dentro de casa resolve deixar para lá e sair para curtir uma tarde na praia ou uma janta com os amigos, aqueles que ainda tentam manter o isolamento social acabam afetados.
A principal consequência recebe o nome de efeito manada. É um mecanismo de conformidade social, de fazer o que todo mundo está fazendo. Se as pessoas acham que a maior parte está saindo e esse comportamento é como um dane-se para quem está em casa, essas pessoas podem acabar fazendo o mesmo, explica Adriano.
Além dessa reação perigosa e propícia para o contágio pelo novo coronavírus, surge entre algumas pessoas a revolta. Há um aumento de tensão entre esses dois grupos, porque se observam de maneira antagônica, como rivais. Nas redes sociais esse aumento da tensão fica claro, diz o sociólogo Marcelo.
Nesse contexto de maior rivalidade e abandono do isolamento social por parte da população, é comum alguém da parcela que continua confinada dizer que essas pessoas só vão entender a gravidade da situação quando perderem alguém da família. Do ponto de vista psicológico, essa é uma possibilidade.
Passar por essa experiência que causa algum tipo de sofrimento é como se dificultasse a pessoa a usar o mecanismo de negação. Uma perda tende a aproximar as pessoas envolvidas de uma compreensão mais imediata da realidade, explica Adriano. Por isso, se puder, fique em casa.
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