A indígena Jaciele Pego Ramos Bolonese, 31 anos, da etnia Tupiniquim, moradora da Aldeia Caieiras Velha, em Aracruz, Norte do Espírito Santo, teve um aborto espontâneo e, após receber atendimento médico, afirma que recebeu o feto em um pote plástico improvisado feito com uma garrafa de soro fisiológico para levá-lo para casa. A situação aconteceu no último sábado (04), no Hospital e Maternidade São Camilo, no mesmo município.
A mulher estava grávida de 14 semanas, o que equivale ao quarto mês de gestação, e convivia com constantes sangramentos. No final do mês de junho, ela procurou atendimento médico no hospital e foi diagnosticada com descolamento de placenta, alguns dias depois ela também teve a confirmação de que estava contaminada com o novo coronavírus. Apresentando sintomas leves da doença, principalmente dores na cabeça e tosse, ela seguiu se recuperando em casa.
Segundo relato de Jaciele, na última quinta-feira (2) ela voltou a apresentar dores e procurou novamente o hospital, mas a médica responsável pelo atendimento afirmou, após exames, que estava tudo bem com ela e com o bebê, apesar do quadro de Covid-19 e das dores.
No dia seguinte, sexta-feira (3), ela voltou a apresentar dores fortes e sofreu um aborto espontâneo em casa.
Com o auxílio da enfermeira da aldeia, ela foi, de ambulância, novamente encaminhada para o hospital para ser submetida ao procedimento de curetagem, que deve ser feito em alguns casos com mulheres que sofrem abortos espontâneos.
Quando chegou na unidade, Jaciele conta que começou mais um sofrimento, colocada em isolamento, em função da contaminação pelo novo coronavírus, ela ficou sozinha por horas esperando ser atendida. Além das dores, a mulher conta que sofria pela perda do filho e não recebeu o amparo adequado do hospital. A indígena chegou a ser encaminhada para o centro cirúrgico, mas já havia outro paciente no local e Jacieli foi novamente levada para o quarto.
Durante todo esse período, ela relata que ficou ao lado do feto do filho. Pensei que o procedimento fosse assim. Não pegaram o feto para nada", afirmou. Depois de esperar por horas, ela finalmente foi submetida ao procedimento na noite de sexta-feira (03). Horas depois, a mulher relata que uma profissional do hospital entrou no quarto com um recipiente de plástico, onde colocou o feto e a entregou.
Uma funcionária do hospital pegou um pote desses usados para colocar soro fisiológico, cortou ali mesmo e encheu de formol. Então ela pegou a placenta, o feto, e colocou ali dentro de depois fechou com uma fita, relembrou.
Quando teve alta, no sábado (4), Jaciele conta que uma funcionária do hospital, ofereceu uma sacola de plástico para que ela pudesse levar o pote. Ela contou que perguntou para a profissional de saúde o que deveria fazer com o feto e a mulher teria respondido: "você deveria saber".
Sem saber o que fazer, a indígena colocou o recipiente em sua bolsa de roupas a levou o feto para casa. Quando chegou em casa a indígena relata que ficou ainda mais perdida."Fiquei segurando aquele pote e chorando muito com toda a situação. Meu marido, desesperado não sabia o que fazer também", contou.
Revoltado com a situação, o marido da indígena, David Bolonese, de 36 anos, postou um vídeo nas redes sociais relatando o drama vivido pela esposa e pedindo ajuda para saber o que fazer com o feto do filho.
De acordo com Jaciele, após a repercussão do caso, o vídeo teve mais de mil compartilhamentos, uma equipe do hospital entrou em contato com a família e esteve na residência deles para recolher o feto no final da manhã desta segunda-feira (6).
Em nota, o Hospital e Maternidade São Camilo chamou a situação, de entregar o feto para a mãe em um frasco improvisado, de fato isolado, e acrescentou que não é uma prática comum do hospital. A instituição destacou ainda que abriu uma sindicância interna para apurar os fatos.
A instituição destacou ainda que tem "a orientação do município que a família ou o paciente entregue as peças para o histopatológico na Casa Rosa (serviço municipal responsável pelo envio de materiais)".
O hospital também afirmou que não é responsável pelas análises de biópsias e histopatológicos dos fetos e atende a solicitação do município nesses casos. A direção do hospital destacou que fez um realinhamento com a secretaria municipal de saúde para que o material coletado ou recebido pela instituição seja encaminhado diretamente para a Casa Rosa.
"Assim que tomamos ciência de vídeos e ligações de lideranças comunitárias, imediatamente enviamos uma equipe do hospital para recolher o feto para reduzir o constrangimento aos familiares e ligamos para a secretaria de saúde para apoiar no caso", destacou.
A Secretaria de Saúde de Aracruz (Semsa) informou que ao ser acionada pelo Hospital Maternidade São Camilo (HMSC) e tomar conhecimento da situação, encaminhou uma equipe ao hospital para buscar o material e levar até a Casa Rosa, órgão responsável por encaminhar para o laboratório em Vitória para a realização do exame histopatológico.
A Semsa destacou ainda que a indígena pode procurar os serviços de psicologia e assistência social oferecidos pelo município.
A Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) esclareceu que irá apurar o caso e adotar as medidas necessárias caso se confirme irregularidades, mas que até o momento não havia recebido denúncia sobre essa situação. A Secretaria da Saúde destacou que o Hospital São Camilo é uma entidade filantrópica, com gestão própria, e que possui alguns leitos contratualizados pelo Estado.
O Ministério Público Federal informou que tomou conhecimento sobre do caso e intermediou para que a superintendência do hospital enviasse uma equipe até a residência da indígena para orientá-la sobre o ocorrido. Além disso, o MPF requereu ao Distrito Sanitário Especial Indígena que seja dado apoio psicológico à família. O fato ainda foi informado à Defensoria Pública, que, assim como o MPF, está analisando a adoção de medidas cabíveis.
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