Apesar da queda no ritmo de crescimento da pandemia do novo coronavírus no Espírito Santo, apontado pela quarta fase do inquérito sorológico, o momento ainda não é propício ao relaxamento das medidas de distanciamento social. O inquérito apontou que a taxa de transmissão no Estado caiu para 1,3, três décimos a menos que na etapa anterior da pesquisa. Ao todo, foram testadas, nesta fase, 4.922 pessoas.
De acordo com a enfermeira, pós-doutora em Epidemiologia, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e consultora da Organização Mundial de Saúde (OMS), Ethel Maciel, os dados obtidos na análise apontam para uma preocupação maior com os municípios do interior do Estado, que poderiam estar "atrasados na pandemia".
A especialista aponta que embora os municípios da Grande Vitória estejam caminhando para uma estabilização dos casos, com números elevados, o interior está em um estágio anterior, porém em acelerada ascensão. "A preocupação agora é que o interior vem com crescimento acelerado e muitos municípios não têm hospital. Surge a questão de como que esses casos serão diagnosticados e transferidos, sendo que isso pode causar mais mortes do que vem acontecendo na Grande Vitória. A preocupação e conclusão do inquérito é que precisamos olhar para o interior, sem equipamentos para dar suporte e com a doença crescendo", afirmou.
Do índice de prevalência de 9,61% no Espírito Santo (que é o índice que diz que, de cada 100 pessoas, quase 10 estão contaminadas), apontado pelo inquérito sorológico, e com a Grande Vitória "puxando" este percentual para cima, são 473 positivos na Região Metropolitana, uma prevalência de 11,51%. No interior, considerado como o conjunto de todos os municípios que não fazem parte da Grande Vitória, foram 1308 pessoas testadas e 57 casos positivos, com prevalência de 4,35%. "Então é como se o interior estivesse mesmo em um estágio anterior, com muito para crescer ainda", disse.
Questionada sobre uma segunda onda de casos, Ethel explica que ainda não é o momento para antecipá-la, mas para voltar às atenções ao interior do Estado. "A primeira onda está mais estendida do que em outros países que tiveram quarentena mais restritiva, que diminuíram a taxa de contaminação e depois começaram a flexibilizar as medidas de restrição. Agora estão começando a ter novos casos. Mas nós estamos em uma primeira onda mais prolongada. No quinquagésimo dia estes países já estavam na parte descendente da curva, no Brasil, com mais de 100 dias, continuamos subindo, seremos um estudo de caso. A pandemia está se comportando de forma diferente aqui, talvez se assemelhando mais ao caso dos Estados Unidos", comparou.
De acordo com Maciel, apenas 32,7% das 473 pessoas que testaram positivo na quarta fase do inquérito haviam procurado serviços de saúde. Ou seja, 67% não só não procuraram ajuda como também não sabiam que tinham a doença. "É preocupante porque estas pessoas estavam circulando, pegando ônibus, por exemplo, e infectando outras pessoas. Isso acende um alerta da necessidade de ampliar a testagem para as pessoas serem melhor isoladas. O fato de terem uma doença leve, algumas sem sintomas, não significa que não possam transmitir pra alguém e que esta pessoa possa vir a ficar grave, já que o vírus age de modos diferentes nos organismos", explicou.
Segundo a enfermeira, uma importante variável ficou evidente a partir da análise da nova fase do inquérito, que foi a do uso de transportes públicos. "Já estávamos percebendo que havia um perfil socioeconômico mais baixo, de pessoas que se declaram pretas e pardas. Agora passamos a ver que o uso de transporte público se tornou estatisticamente significativo, de pessoas que usam ônibus no mínimo quatro vezes por semana, com mais de 30 minutos de deslocamento. Isso indica que este pode ser um importante local de transmissão", indicou.
Para Ethel Maciel, os riscos de relaxamento das medidas de distanciamento social são justamente de ter um colapso não antes visto no sistema de saúde, em especial pela pressão dos casos do novo coronavírus no interior do Estado. "Lá, às vezes, não tem onde internar. Se escolas e repartições públicas voltarem a funcionar, pode ser bastante preocupante. A Grande Vitória está com tendência de estabilização no alto, é preocupante. Ter mais gente circulando, com muitas que ainda podem se infectar, aumenta-se a chance de mais gente ter a doença em níveis graves", afirmou.
De acordo com ela, medidas mais restritivas como o lockdown poderiam ser uma alternativa viável, que viria a salvar vidas. "Principalmente uma restrição de mobilidade para reduzir a aceleração no interior. Temos a projeção, de acordo com pesquisadores da Ufes, de 2 mil mortes até o início de julho e 2,6 mil até o final, se as coisas permanecerem como estão. O ideal seria impor uma medida para interromper a escalada das mortes. Ida à praia deveria então ser proibida, assim como passeios no interior. Até as pessoas que estão agindo certo estão confusas sobre se devem continuar se isolando, já que veem tanta gente agindo como se tudo estivesse bem", pontuou.
O Espírito Santo passou de 1.540 mortes provocadas pela Covid-19 neste sábado (26), e apesar de uma tendência de estabilização na Grande Vitória, os indicadores apontam que a curva de casos e óbitos vai se manter em crescimento no Estado, pelo menos até o início de julho, pela intensa disseminação do coronavírus em municípios do interior.
Na mais recente projeção do Núcleo Interinstitucional de Estudos Epidemiológicos (NIEE), com base no comportamento da Covid em território capixaba, no dia 8 de julho o Espírito Santo pode passar de 2,6 mil mortes, caso a taxa de transmissão chegue a 1,5, indicador no limite superior da curva. Se ficar na velocidade média, em 1,33, serão 2 mil óbitos.
O professor Fabiano Petronetto do Carmo, do Departamento de Matemática da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e integrante do NIEE, destaca que na Grande Vitória o número de casos ativos (pessoas infectadas e que podem transmitir o vírus) mostra-se estável, sem muitas variações para cima e para baixo, e o mesmo padrão está no volume de mortes na região.
"Mas, no interior, observamos o contrário. Há um crescimento de casos ativos e de óbitos. E, quando fazemos a média, o Espírito Santo está em crescimento, não numa velocidade tão grande, mas ainda crescendo", pontua.
Fabiano ressalta que, embora haja a tendência de estabilidade, não significa que a população da região metropolitana possa relaxar nos protocolos de saúde, entre os quais a manutenção do distanciamento social, porque pode haver uma explosão de novos casos.
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