A expectativa pelo surgimento de uma vacina contra o novo coronavírus reacendeu uma antiga discussão sobre a obrigatoriedade ou não da aplicação do imunizante na população. A polêmica, que virou uma disputa política entre governadores e o Ministério da Saúde, pode parar ainda no Supremo Tribunal Federal (STF).
Em São Paulo, o governador João Doria já adiantou que a CoronaVac, vacina que está sendo desenvolvida no Instituto Butantan, em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac, será obrigatória em todo o estado, e que medidas legais serão adotadas em casos de contrariedade. Por outro lado, no mesmo dia, o presidente Jair Bolsonaro disse que a vacina será oferecida pelo Ministério da Saúde, mas "sem impor ou tornar a vacina obrigatória".
Acirrando ainda mais uma disputa política, na manhã desta quarta-feira (21), o presidente desautorizou o Ministério da Saúde a comprar 46 milhões de doses do Coronavac, alegando que os brasileiros não serão feitos de cobaia.
Na esfera jurídica, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve decidir, ainda este ano, sobre a obrigatoriedade da vacina em uma ação em que os pais de uma criança de São Paulo contestam tratamentos médicos invasivos, baseados em sua filosofia de vida. A decisão dos ministros pode abrir precedentes para que outras pessoas que se recusem a se submeter à vacinação recorram ao judiciário.
Especialistas jurídicos entendem que o impasse sobre a vacina não é uma novidade. A doutora em bioética, pós-doutora em saúde coletiva e coordenadora do doutorado em Direito da FDV, Elda Bussinguer, relembra o caso da Revolta da Vacina, ocorrido em 1904, como uma questão juridicamente resolvida.
O Ministério da Saúde tem o poder de definir quais vacinas serão obrigatórias no país, respaldado pelo Programa Nacional de Imunizações, que é uma lei, afirma. Há que se cuidar para que o direito brasileiro não seja desautorizado a todo momento para não colocar a sociedade em uma situação de instabilidade, pondera Bussinguer.
O advogado e professor de direito constitucional, Caleb Salomão, concorda que essa discussão sobre vacina não é de agora. Existem comunidades em nosso país que, há muito tempo, se revoltam contra a exigência legal de submeter seus filhos aos protocolos de biossegurança, por isso, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Ecriad) trouxe essa previsão de obrigatoriedade de vacinação, explica.
Salomão entende que envolver o STF para tais casos não é positivo para o país, já que, segundo ele, existe uma legislação consolidada sobre o assunto, e, ainda, uma obrigação recentemente reforçada pelo atual presidente sobre a possibilidade da vacina compulsória como medida de combate à pandemia, da Lei 13.979, assinada em fevereiro desde ano. Os tribunais brasileiros reconhecem o direito coletivo, e, mesmo com toda essa discussão, acredito que a saúde coletiva será priorizada, pontua.
Apesar de ter amparo legal, ninguém será obrigado a ser vacinado à força. Há soluções, que deverão ser pensadas, para sancionar o cidadão que não cumpriu com sua obrigação prevista em lei de imunizar a si mesmo e a sua família, como a exemplo de outros países: não ter acesso à crédito ou financiamento público, à matrícula em instituição de ensino pública, entre outras possibilidades, conclui o professor.
Indagada sobre um possível crescimento da discussão da obrigatoriedade da vacina na esfera judicial, Elda Bussinguer acrescenta: Com essa polarização surgindo, podemos até ter um aumento de ações no STF nesse sentido. Mas, ainda que eu não possa afirmar, acredito que o tribunal irá manter a supremacia do interesse público e coletivo, pois é uma obrigação dele e, assim sendo, não pode ir contra a saúde pública, pondera.
O médico infectologista Lauro Ferreira Pinto Neto alertou que estamos em meio a um período de aumento dos casos entre jovens que se cansaram do confinamento e resolveram não seguir mais os protocolos de segurança, além dos casos confirmados de reinfecção. Precisamos da vacina porque ainda tem gente morrendo. Temos que melhorar a imunização das pessoas para que elas parem de adoecer, aponta o médico.
Segundo o especialista, a vacinação contribui para a saúde pública por ser uma ferramenta de bloqueio da disseminação da Covid-19 entre a população. Vacinar é um ato de proteção individual, mas, sobretudo, é um ato solidário. Ao tomar a vacina, protegemos o outro e o vírus tem mais dificuldade de circular, gerando o efeito que chamamos de imunidade de rebanho, pontua.
O médico acrescenta que quanto mais pessoas imunizadas com a vacina, menor será o gasto dos cofres públicos. Um estudo do banco mundial diz que a vacina é um grande investimento, pois gera economia para o país. É um custo-efetivo, já que, prevenindo a doença, evita-se o gasto com internação, tratamento médico, medicação e, ainda, evita a queda de produtividade da empresa pela falta de um funcionário doente, conclui.
Na opinião do médico infectologista Carlos Urbano, o melhor caminho é conscientizar a população da importância da vacina. É fundamental que este seja o único discurso: que o risco da vacina é mínimo comparado ao risco da doença. Não discuto a origem de vacina. Se ela for boa, segura e aprovada pela Organização Mundial da Saúde e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), recomendo que toda a população tome. Eu serei o primeiro da fila, defende.
(*) Karolyne Bertodo é aluna do 23° Curso de Residência em Jornalismo da Rede Gazeta, sob supervisão das editoras Joyce Meriguetti e Érica Vaz.
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