Invadir a intimidade de uma pessoa, aplicar golpes, furtar dados. Essas práticas criminosas são frequentes também no mundo virtual e, agora, a punição aumentou, com mais tempo de prisão e multa. Em algumas situações, a pena de reclusão pode ser até maior que em casos de homicídio.
A lei 14.155/2021 entrou em vigor no dia 28 de maio, trazendo alterações para o Código Penal e pode aumentar em quatro vezes a pena para quem invade celulares e computadores a fim de "obter, adulterar ou destruir dados e informações sem autorização do dono do dispositivo, ou de instalar vulnerabilidades para obter vantagem."
Antes da mudança, a pena prevista era de um mês a um ano de reclusão mais multa. Agora, saltou para 1 a quatro anos, e ainda tem agravante no caso do crime resultar em prejuízo financeiro. Nesta circunstância, a prisão varia de 2 a 5 anos.
O advogado criminalista Raphael Câmara avalia que, além de aumentar o tempo de prisão, outra mudança significativa foi a simplificação da conduta criminosa, facilitando a aplicação da lei. Ele diz que, anteriormente, para caracterizar o crime de invasão era necessário comprovar a quebra de um código (senha) ou sistema anti-invasão.
"A legislação, agora, não exige mais que quebre código algum. Basta a pessoa acessar o dispositivo sem a autorização do proprietário para configurar o crime. Isto é, não é preciso mais hackear ou quebrar senhas. Mesmo o acesso em um dispositivo que esteja aberto, sem senha, se não tiver a autorização do proprietário, pode resultar em pena de um a 4 anos de prisão", pontua.
O criminalista cita como exemplo um namorado ciumento que acesse a rede social da companheira para, ao ver mensagens particulares, obter, alterar ou destruir informações. "Até nas relações familiares, se pensar bem, um acesso a dispositivo não autorizado pode configurar crime."
Outra alteração que Raphael Câmara considera importante é o chamado "phishing" - uma espécie de pesca de dados. A estratégia dos criminosos, em geral, é mandar e-mail no qual está contido um programa malicioso e, ao clicar no local indicado na mensagem eletrônica, todas as informações do dispositivo são capturadas.
Os furtos praticados por meio de phishing nem mesmo estavam previstos na legislação, segundo conta o criminalista. Agora, têm pena que varia de 4 a 8 anos de prisão. Se praticados contra idosos ou pessoas consideradas vulneráveis, como as que apresentam limitação intelectual, a punição pode dobrar e chegar a 16 anos.
Com a mesma penalidade podem ser condenados os bandidos que cometem fraude eletrônica, uma tipificação incluída no crime de estelionato. A prática é frequente em aplicativos de mensagem, com pedidos de transferência de dinheiro para o Pix, por exemplo, que induzem a vítima a cair em golpes.
Com punição prevista de até 16 anos de reclusão, crimes eletrônicos podem resultar em tempo de prisão maior do que em casos de homicídio simples, cuja pena mínima é de 6 anos.
Questionado se, em situações como essa, não estaria havendo uma distorção na legislação, embora seja importante punir com rigor os crimes virtuais, Raphael Câmara pondera que, muitas vezes, o legislador atua em causa própria.
"As pessoas que legislam estão mais sujeitas aos crimes virtuais do que aos crimes contra a vida. Então, elas tendem a legislar em causa própria. Não raramente as legislações daquele nicho social são mais graves que as penas para os crimes a que está sujeita a população comum", compara o criminalista.
Sobre pontos que não foram abordados com a nova legislação, o advogado defende que seria importante também responsabilizar empresas como Facebook, Instagram, WhatsApp, e outras do segmento, por não conter a prática de crimes em seus ambientes. Mesmo que não seja uma responsabilização criminal, mas alguma sanção que as pressione a adotar mais medidas de proteção.
"Assim como uma montadora de carro pode ser responsabilizada se um freio falha, uma empresa de tecnologia também deveria ser pelas falhas que comete", conclui.
Confira o que mudou:
Antes, para configurar o crime de invasão, era preciso quebrar senhas e sistemas anti-invasão. A pena variava de um mês a um ano de reclusão, mais multa. Agora, não há mais necessidade de quebra de senhas. Se o acesso não foi autorizado pelo proprietário do dispositivo e a invasão resultar em coleta, adulteração e destruição de dados e informações, o crime já está caracterizado. A pena pode variar de 1 a 4 anos e, com agravante, de 2 a 5 anos.
Não havia tipificação penal para a prática de phishing, uma espécie de pesca de dados. O criminoso encaminha mensagem eletrônica, com informações falsas, e solicita que o destinatário clique em um local indicado. Assim, o criminoso consegue acesso e captura todos os dados do computador ou celular utilizado. A pena é de 4 a 8 anos, podendo chegar a 16 anos se praticada contra idosos e pessoas vulneráveis (limitação intelectual, criança).
Incluída no crime de estelionato, a fraude eletrônica nada mais é que golpe na versão digital. Assim como havia a história do falso bilhete de loteria premiado, os golpistas sofisticaram a atuação e fazem abordagem por aplicativos de mensagem pedindo, por exemplo, transferência de dinheiro pelo Pix. A pena é de 4 a 8 anos, e também pode dobrar se praticada contra idosos e vulneráveis.
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