Vitória
A cada dez homicídios registrados no Espírito Santo, apenas quatro são esclarecidos pelos órgãos de investigação. De acordo com dados divulgados pelo Instituto Sou da Paz, no estudo "Onde Mora a Impunidade?", em 2021, o Estado chegou à marca de 42% de resolução de homicídios dolosos — a segunda melhor registrada na série histórica, contabilizada desde 2015.
O melhor indicador corresponde aos anos de 2018 e 2019, quando 49% das mortes foram esclarecidas. Já em 2020, o índice de resolutividade foi de 39%.
Na edição divulgada ao fim de 2023, o estudo mostrou que, de acordo com dados divulgados pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES), em 2021, o Estado registrou 1.005 homicídios, dos quais 427 foram solucionados. Desse número, 27% dos crimes foram esclarecidos no ano da morte, 15% foram no ano seguinte e 58% não haviam sido denunciados ao MP até o último dia de dezembro de 2022.
A metodologia considera esclarecido aquele assassinato que tenha resultado em ação penal até o fim do ano seguinte, ou seja, quando a investigação identificou um ou mais suspeitos levados à Justiça.
Com o índice atingido, o Espírito Santo ficou entre os Estados classificados com média eficácia na resolução dos crimes, ocupando a sexta colocação na tabela nacional, atrás de Minas Gerais (76%), Paraná (76%), Rondônia (65%), Mato Grosso (61%) e São Paulo (47%).
Apesar disso, os números ainda não são ideais, como explica Beatriz Graeff, coordenadora da pesquisa. “O ideal é o mais alto possível. O Espírito Santo tem observações importantes e apresenta melhora ano a ano. Na última edição, o Estado teve uma redução, mas acompanhou a tendência nacional”, pontua.
Ela acrescenta que, de modo geral, a melhoria no esclarecimento de homicídios depende de ações integradas entre todos os atores mobilizados para investigar crimes. "Isso passa até mesmo pela Polícia Militar, que preserva o local e mantém uma comunicação constante com a Polícia Civil, que vai coletar vestígios e depoimentos para entender melhor a dinâmica dos casos”, frisa.
A pesquisadora diz ainda que tal integração deve estar no horizonte dos órgãos de segurança, para que os homicídios registrados recebam a atenção devida e, consequentemente, haja prevenção de novos casos.
O estudo aponta ainda que o Estado não enviou dados sobre o perfil de vítimas, mas, no Espírito Santo, de acordo com dados divulgados recentemente pela Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp), os mais atingidos são homens, pretos e moradores de bairros em regiões de vulnerabilidade social.
De acordo com o levantamento, que também contou com dados divulgados pela Lei de Acesso à Informação (LAI), em 2021, mais de 40 mil pessoas foram vítimas de homicídio doloso no Brasil, e apenas 1 a cada 3 homicídios foi esclarecido no país.
Andreia Coutinho, doméstica de 40 anos, conta que sofre com a falta do filho Ryan Silva, 19, morto em 2021 durante uma incursão da Polícia Militar no bairro Gurigica, em Vitória. A mãe afirma que, até hoje, diante do caso não solucionado, o sentimento é de dor, impunidade e revolta, tudo isso em meio à saudade.
"Ninguém nunca foi responsabilizado. Minha maior ajuda veio da associação de famílias que passaram por situações como eu. Tem vídeo, tem testemunha e todo mundo viu que meu filho não entrou em confronto com a polícia. Mas atiraram nele de longe, e depois nas costas, à queima-roupa", conta a mãe.
"O sentimento que fica é o de impunidade. A gente não espera isso do Estado, a gente espera proteção. Independente de qualquer coisa, acredito que ninguém tem o direito de tirar a vida de ninguém, e eles tiraram meu chão, tiraram meu filho de mim. Cuidei dele com muito amor e carinho e outro ser humano decidiu tirar a vida do meu filho", pontua Andreia.
De acordo com a mãe, o caso nunca teve avanço nas investigações. "Até hoje, nunca acharam o telefone dele, nem a arma que falaram que estava com ele. Nada foi feito. E a gente que mora no morro tem medo de bater de frente com a polícia, todo mundo carrega isso", complementa Andreia. "Por morar no morro, a gente é humilhado a todo momento, de todas as formas."
Maria das Graças Nacourt, da Associação de Mães e Familiares Vítimas da Violência no Espírito Santo (AMAFAVV-ES), clama por ajuda para que os homicídios não esclarecidos no Estado tenham avanço.
"O Estado está sendo omisso e tem muita gente sofrendo, temos que colocar nas mãos de Deus e esperar, porque tem muita coisa parada por aí. Nossa esperança é que esse cenário mude", diz Maria.
Questionado pela reportagem de A Gazeta sobre os 58% dos homícidios não solucionados referentes ao ano de 2021, o então secretário estadual da Segurança Pública, coronel Alexandre Ramalho, afirmou que a Sesp, em atuação com as principais forças de segurança do Estado, quer mudar o cenário de crimes não esclarecidos no Espírito Santo.
“A criação das Delegacias de Homicídios é um ponto muito importante, onde os delegados se debruçam muito sobre esse tema em identificar os autores dos homicídios. Está dentro do programa Estado Presente atingirmos a meta de 60% dos homicídios esclarecidos cometidos nos últimos três anos, identificando os autores e já processando os trâmites necessários para a Justiça”, ressaltou Ramalho.
Em relação aos crimes que ainda não foram solucionados no Estado, o titular da Sesp destaca o trabalho dos profissionais de segurança para a resolução dos casos, mas também pede que a sociedade denuncie.
“Por mais que o crime, às vezes, apresente alguma dificuldade no apontamento da sua autoria, eles (profissionais de segurança pública) vão perseguir isso por um longo período. Pedimos também para que a população faça o uso do 181 (canal de denúncia anônima) e colabore com as investigações do Estado”, finalizou Ramalho.
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