O Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo (CRMES) informou que abrirá uma sindicância para investigar o caso da morte de um bebê ocorrida em 28 de dezembro no Hospital São Camilo, em Aracruz, no Norte do Espírito Santo. O caso também está sendo investigado pela Polícia Civil, já que a causa preliminar da morte apontada pelo Instituto Médico Legal (IML) de Vitória foi hemorragia intracerebral e traumatismo craniano. A família acusa do hospital de negligência. A unidade nega.
O Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo (CRMES) informou que não chegou denúncia formal ao órgão sobre o caso, "mas, na medida em que ele se tornou público, o CRM-ES, por dever de ofício, vai instaurar sindicância para apurar o caso", comunicou. Acrescentou dizendo que "após a sindicância, se houver indício de falta ética, será aberto processo ético-profissional".
Procurada por A Gazeta, a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) informou que "o setor de auditoria irá solicitar esclarecimentos sobre o atendimento prestado pela unidade".
A Polícia Civil informou que Israel de França de Jesus, de 21 anos, pai do bebê morto, registrou o caso e a corporação "aguarda o resultado dos exames realizados pela Polícia Científica para dar prosseguimento às investigações e esclarecer os fatos", informou a corporação.
O bebê Heitor Rossi de França morreu cerca de uma hora após o nascimento, segundo os pais, Isabelly Rossi Nascimento, de 18 anos, e Israel de França de Jesus, de 21, que trabalha como repositor de supermercado. Eles relatam que a gestante deu entrada no Hospital São Camilo, em Aracruz, na noite do dia 27 de dezembro de 2024.
Segundo os pais, a equipe médica insistiu no parto normal, mesmo com o pedido para a realização de uma cesariana. A decisão foi embasada nas orientações do médico que acompanhou o pré-natal, que havia alertado que a gestante possivelmente não teria condições anatômicas para realizar um parto normal.
A certidão de óbito, emitida com base no Atestado de Óbito do Instituto Médico Legal (IML) de Vitória e obtida por A Gazeta, indica que a causa da morte da criança foi por hemorragia intracerebral e traumatismo craniano.
Os pais do bebê afirmam que, durante o que chamaram de "insistente tentativa de realizar o parto normal", a médica responsável pelo atendimento utilizou um fórceps obstétrico, uma espécie de extrator a vácuo, para tentar concluir o parto normal. Segundo os pais, o uso do instrumento teria causado ferimentos tanto na gestante quanto na cabeça do bebê, que, embora estivesse posicionado na posição correta, não conseguiu devido à falta de dilatação.
“Nós chegamos por volta das 21h40 do dia 27 de dezembro. Fomos ao hospital porque ela estava com contrações, mas a equipe médica a liberou para voltar para casa. Quando chegamos em casa, ela jantou, tomou um banho quente e começou a sentir dores muito fortes. Foi quando ela me disse: ‘Amor, acho que estou em trabalho de parto’. Então, levei ela novamente para o hospital. Lá, tivemos que esperar bastante tempo, mais de duas horas, porque, segundo nos informaram, havia outra grávida em trabalho de parto. Quando finalmente a levaram para a sala de parto, já eram cerca de 2h ou 3h da manhã (do dia 28 de dezembro)”, conta Israel de França de Jesus, de 21 anos, pai do bebê Heitor.
“Levaram minha esposa para a sala de parto humanizado, e eu fiquei ao lado dela o tempo todo. Lá, a médica orientou que ela ficasse debaixo do chuveiro quente, enquanto minha esposa implorava por socorro, pedindo para que realizassem uma cesariana. No entanto, a médica insistia: ‘Não, mãe, você vai ter um parto normal'. Só que não dava para ter um parto normal, os médicos que atenderam ela durante a gestação diziam que ela não tinha passagem", detalhou Israel.
"E aí deixaram ela nessa sala. Quando foi por volta das 10h (do dia 28 de dezembro), ela já estava com 10 cm de dilatação completa, mas não tinha passagem. Mesmo assim, continuaram insistindo. Então, a médica perguntou se ela queria receber ocitocina na veia para aumentar as contrações. Minha esposa perguntou quais eram os efeitos desse medicamento, e a médica respondeu que ele só aumentaria as contrações, facilitando o nascimento do bebê. Com base nessa explicação, minha esposa autorizou", complementou.
"O tempo foi passando, e a médica disse que a ocitocina não estava fazendo efeito. Foi quando ela buscou um aparelho de sucção a vácuo. Perguntamos o que era aquilo, e ela explicou que era apenas para abrir a passagem da mãe, dizendo que o aparelho não encostaria na criança, não a machucaria nem a prejudicaria. No entanto, mesmo com a cabeça da criança já posicionada, não havia passagem suficiente. A médica insistia para que o bebê passasse, mas não tinha como, não havia passagem", detalhou Israel.
"Fazia um barulho durante esse procedimento, parecido com o estouro de uma champanhe, e saía muito sangue, muito sangue mesmo. Eu falei para a médica: ‘Moça, vai machucar minha esposa e meu filho’. Então, ela respondeu: ‘Não, pai, isso aqui é um procedimento padrão’", contou Israel de França de Jesus, pai do bebê morto.
"Quando ela (a médica) viu que o parto normal não seria possível, foi levada para a sala de parto cesariano. O menino nasceu, chorou, abriu os olhos. Após cortarem o cordão umbilical, a médica ficou preocupada, começou a chamar ajuda para que chamassem todos os médicos do hospital, e me pediram para sair da sala”, relatou.
Segundo o pai, os ultrassons e exames realizados durante a gestação não indicaram nenhuma alteração. “Estava tudo certo com a minha esposa e meu filho. E nós vamos acionar a Justiça. A gente quer justiça pelo meu filho”, disse o pai emocionado.
O corpo do menino foi encaminhado ao Serviço de Verificação de Óbito (SVO), em Vitória, vinculado à Secretaria de Estado da Saúde (Sesa). No entanto, a equipe do SVO avaliou que o envio ao local não era adequado, pois a criança apresentava lesões na cabeça. Por esse motivo, o corpo foi transferido para o Instituto Médico Legal (IML) de Vitória, onde foram identificados traumatismo craniano e hemorragia intracerebral como causas da morte do bebê.
No documento, consta que a mãe do bebê não apresentou intercorrências durante o pré-natal — que é o acompanhamento médico da gestante desde a confirmação da gravidez até o parto. A médica que assina descreve que o bebê faleceu com 40 minutos de vida. O documento também menciona que a mãe foi internada em trabalho de parto, "indicando cesariana devido à exaustão materna e parada de descida". Não há menção à tentativa duradora de parto normal.
O documento relata que, durante a realização da cesariana, o bebê "nasceu rapidamente", em menos de 10 minutos, apresentando-se "hipotônico" (com flacidez muscular), "cianótico" (com coloração azulada ou arroxeada) e com choro fraco. Foi informado que houve a realização de estímulos — sem detalhar quais —, mas não houve resposta. Em seguida, foi realizado o clampeamento do cordão umbilical, um procedimento simples que consiste em pinçar o cordão umbilical do recém-nascido para permitir que parte do sangue contido no cordão e na placenta retorne ao bebê.
A médica relata no documento que o bebê nasceu com 3.770g. Ela informa que, após o nascimento, o recém-nascido foi colocado em um "berço aquecido" e recebeu VPP (Ventilação com Pressão Positiva), mas não houve melhora. Segundo o relato, o bebê apresentou "bradicardia" — condição em que o coração bate mais lentamente do que o normal —, "apneia" — distúrbio respiratório caracterizado por paradas na respiração — e "cianose". Diante disso, foram iniciadas tentativas de ressuscitação, descritas como "sem intercorrências, sem respostas", conforme escreveu a médica.
Por fim, o documento menciona que foram administradas 10 doses de adrenalina, substância que geralmente promove o aumento do ritmo cardíaco, do metabolismo e da pressão arterial, na tentativa de ressuscitar o paciente. No campo destinado à hipótese diagnóstica, a médica incluiu a pergunta “cardiopatia congênita??”, referindo-se a uma condição caracterizada por anormalidades na função ou estrutura do coração presentes desde o nascimento do bebê.
A Polícia Científica informou que o serviço de transporte de cadáver foi acionado na tarde de domingo (29 de dezembro), por volta das 16h, para recolher um corpo no Serviço de Verificação de Óbito (SVO) da Secretaria da Saúde (Sesa), no bairro Bento Ferreira, em Vitória. O corpo da vítima, um bebê recém-nascido, foi encaminhado para o Instituto Médico Legal (IML) em Vitória, para a realização do exame cadavérico.
"Segundo informações do acionamento, o pai da criança registrou ocorrência na Delegacia, apontando possível negligência médica, com a alegação de que o parto teria ocorrido além do prazo ideal. A causa da morte só poderá ser confirmada após a conclusão dos exames", informou a Polícia Científica.
Em nota, o Hospital São Camilo, de Aracruz, disse que lamenta a morte do bebê e que a equipe seguiu protocolos clínicos baseados no que chamou de "melhores práticas da literatura médica, para garantir a segurança da mãe e do bebê". O hospital disse que o caso está sendo analisando internamente e que está à disposição para prestar os esclarecimentos necessários. A unidade divulgou duas notas à imprensa.
Em nome do Hospital São Camilo, manifestamos nossa mais profunda solidariedade e respeito à família do bebê Heitor, que veio a óbito em nosso hospital, no dia 28 de dezembro de 2024.
Reiteramos nosso compromisso com a transparência e a ética no cuidado prestado a nossos pacientes. A mãe do bebê foi admitida em trabalho de parto e, durante todo o processo, nossa equipe seguiu protocolos clínicos baseados nas melhores práticas da literatura médica, com o objetivo de garantir a segurança da mãe e do bebê.
Após algumas horas de evolução no trabalho de parto, utilizando todos os recursos necessários e prerrogativas para o parto normal, a equipe observou a necessidade de intervenção e decidiu realizar uma cesariana. Infelizmente, apesar de todos os esforços realizados, o desfecho foi o que todos não desejavam: o falecimento do bebê.
Entendemos o impacto emocional e a dor enfrentados pela família e nos colocamos à disposição para prestar os esclarecimentos necessários sobre os procedimentos realizados. O caso está sendo analisado com a devida seriedade, e estamos aqui para garantir que todos os aspectos sejam avaliados com transparência.
Mais uma vez, lamentamos profundamente o ocorrido e reafirmamos nosso compromisso com a segurança, o acolhimento e o respeito em todas as etapas do cuidado prestado.
Com respeito e solidariedade,
Hospital São Camilo
O Hospital São Camilo lamenta profundamente o ocorrido com o bebê Heitor Rossi de França e reitera sua solidariedade aos pais e familiares neste momento de extrema dor. Gostaríamos de esclarecer as suas perguntas e pontos importantes, com base no atendimento realizado e nas normas médicas indicadas para o caso:
1. Sobre o atendimento à paciente e ao recém-nascido: A paciente foi admitida no hospital em trabalho de parto, encaminhada pelo posto de saúde do município para avaliação na maternidade. Não há registro de que a paciente tenha sido encaminhada para a realização de cesariana. Durante a admissão e acompanhamento, foram seguidos protocolos de segurança e melhores práticas estabelecidos pelo Ministério da Saúde. A paciente esteve sob monitoramento contínuo e recebeu todos os cuidados necessários. Durante o trabalho de parto, que durou menos de 12 horas, foi constatada a impossibilidade de realizar o parto natural, momento em que foi realizada a cesariana.
2. Sobre a utilização de instrumentos durante o trabalho de parto: O uso do extrator a vácuo é uma técnica prevista na literatura médica e permitida pelo Ministério da Saúde e pelo Conselho Federal de Medicina, sendo empregada em situações específicas e sob critérios técnicos rigorosos. No caso em questão, a aplicação do instrumento foi conduzida de acordo com os protocolos médicos. Ainda assim, reforçamos que todos os óbitos ocorridos no hospital são investigados pela nossa Comissão de Óbitos, conforme protocolo interno, e este caso já está sendo analisado detalhadamente.
3. Sobre as alegações dos pais e a causa do óbito: O hospital segue aguardando o laudo completo do Departamento Médico Legal do estado para avaliar de forma precisa as causas do óbito e quaisquer eventuais implicações no manejo clínico. A informação preliminar sobre hemorragia intracraniana e traumatismo craniano por si só não conduz a interpretação ou a conclusão de existência de erro médico, de maneira que se faz necessária a análise de todas as circunstâncias do caso, seja pela Comissão de Óbitos do Hospital São Camilo, seja pelas instâncias cabíveis.
4. Sobre o tempo de espera pela cesariana: durante o acompanhamento, que registra-se novamente durou menos de 12 horas, a equipe técnica avaliou continuamente as condições da mãe e do bebê. A decisão de prosseguir com o trabalho de parto natural e, posteriormente, realizar a cesariana foi baseada nos parâmetros clínicos apresentados, com o objetivo de garantir a segurança de ambos.
5. Sobre medidas relacionadas à médica responsável: O Hospital São Camilo já iniciou a apuração interna do caso e reforça que a médica responsável pelo atendimento está colaborando plenamente com as investigações. Reiteramos que todas as ações do corpo clínico são embasadas nas melhores práticas e orientações técnicas. Por fim, destacamos que o Hospital São Camilo preza pela transparência e se coloca à disposição dos pais, da família, da imprensa e das autoridades competentes para quaisquer esclarecimentos adicionais. Nossa prioridade é assegurar um atendimento ético, humanizado e de excelência.
Atenciosamente,
Diretoria Técnico-Clínica do Hospital São Camilo
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