Pela primeira vez, o Espírito Santo elegeu uma mulher negra e travesti para atuar em um Conselho Tutelar. Maria Hellena Martins da Conceição recebeu 315 votos na eleição para conselheiros tutelares, realizada no último domingo (1º) em todo o país. Ela foi escolhida para atuar na município da Serra, na Grande Vitória.
Maria Hellena está entre as quatro mulheres trans ou travestis eleitas neste ano, de acordo com levantamento da ONG Rede Trans Brasil. As outras são Natasha Cardoso, no Rio Grande do Sul; Thara Wells, em São Paulo; e Maria Ísis Mafra, na Bahia.
Em entrevista ao site g1 ES, Maria Hellena contou um pouco sobre sua história com a assistência social e como ter nascido em um ambiente periférico fez com que ela quisesse mudar o destino de muitas crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social.
"Eu nasci em Central Carapina, um território que tinha muitas guerras do tráfico, conflitos policiais. Mas não me passava pela cabeça trabalhar na assistência. Isso aconteceu depois que eu entrei no Movimento Social da Juventude e em movimentos negros. Ali, entendo a luta do movimento, me entendo como uma pessoa negra, faço um rompimento com o conservadorismo e entro na universidade", contou Maria Hellena.
Antes de entrar no curso de Serviço Social, em 2018, Maria Hellena cursou Farmácia e Biologia e foi em uma conversa com amigos que percebeu que poderia ajudar jovens marginalizados a partir de movimentos sociais.
"Entrei no Serviço Social e decidi me candidatar ao conselho, sabendo também que esse espaço sempre foi muito conservador. Entendo que meu corpo é um corpo político e corpos de mulheres pretas, LGBTS, precisam ocupar esses espaços de mulheres no serviço público", enfatizou.
Antes mesmo da faculdade, Maria Hellena participava ativamente de grupos sociais, como o Levante Popular da Juventude, fazendo ações com jovens e levando debate para crianças, introduzindo filmes, inserindo música. "Eu sempre fui uma pessoa que trabalhou e esteve com movimento sociais, promovendo a luta e engajada politicamente nesse sentido."
A conselheira explicou que seu principal pensamento foi poder evitar situações em que crianças e adolescentes tenham seus direitos violados.
"São corpos marginalizados que, ali, a gente tenta, através do movimento social, explicar que eles têm direitos; eles precisam acessar todos esses direitos e saber onde acessar. E aí eu entro no serviço social e começo a ter um aprofundamento teórico e prático", pontuou Maria Hellena.
A ideia de Maria Hellena para o conselho é poder trazer uma visão mais humanizada nos processos de crianças vulneráveis.
"É entender a totalidade e não só um caso específico de uma criança ou adolescente. O trabalho do Conselho Tutelar é promover, efetivar as políticas públicas, encaminhar para os lugares certos. Sabendo o perfil das crianças que a gente vai atender, que a maioria dos casos é de crianças negras", disse.
Além disso, Maria Hellena acredita que o fortalecimento do Conselho Tutelar pode ajudar a apoiar as famílias mais vulneráveis.
A conselheira espera passar uma mensagem de incentivo para todas as pessoas LGBTQIAPN+
A deputada federal Erika Hilton (PSOL), primeira deputada federal negra e trans eleita na história do Brasil, comentou sobre as mulheres trans eleitas e parabenizou Maria Helena. "Meus parabéns também à Maria Helena e à população da Cidade de Serra!", postou Erika.
Os conselheiros tutelares devem proteger crianças e adolescentes que tiveram direitos violados. Os profissionais atuam no recebimento de denúncias e em ações de fiscalização. Também tem a missão de atender a crianças e adolescentes cujos pais faltem ou ofereçam risco à sua formação, além de fornecer proteção em situações de abuso.
A atuação acontece por meio de decisões em conjunto, já que nenhum conselheiro tem o poder de agir sozinho. Assim, é preciso haver votação entre os membros para decidir qual medida será tomada em cada caso. Por ser um órgão autônomo e permanente, o Conselho Tutelar também fiscaliza outros órgãos e instituições.
Os conselheiros tutelares não são considerados servidores públicos nem trabalham sob as regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Mas eles também não fazem trabalho voluntário e recebem salário para exercer suas funções.
A Lei federal nº 12.696 é que garante a remuneração e os direitos sociais dos membros do Conselho Tutelar desde 2012. No entanto, o valor que recebem varia de acordo com as definições de cada município.
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