Redução de engarrafamentos, diminuição da poluição, cidade para as pessoas. Esses são alguns objetivos que podem ser alcançados se houver menos veículos nas ruas, e que é o centro da discussão e reflexão no Dia Mundial sem Carro, celebrado neste 22 de setembro em vários países. Mas conter o avanço da frota motorizada não tem se mostrado tarefa simples e, na avaliação de especialistas, o Espírito Santo precisa evoluir muito em mobilidade para que as pessoas deixem seu automóvel ou moto em casa e optem por outros meios de transporte, como ônibus e bicicleta.
O Estado já ultrapassou a marca de 2 milhões de veículos 77% divididos entre carros, motos e similares , quase metade concentrada na Grande Vitória. E é na região metropolitana que são observados os maiores impactos do uso excessivo de automóveis e da falta ou do baixo investimento em modais alternativos ao carro.
Para o especialista em Trânsito Ronaldo Gaudio, é indispensável a aplicação de recursos na melhoria do transporte público de passageiros, não apenas ampliando o número de veículos para controlar a superlotação nos veículos o que provoca o afastamento de usuários e até impede a adesão de novos mas também em outros aspectos que contribuem para a qualidade do serviço. Pontualidade, limpeza e segurança são primordiais para que o ônibus se torne atrativo.
"Do contrário, vamos continuar registrando muita gente fugindo do transporte coletivo porque, quem pode, opta pelo transporte individual", atesta Ronaldo Gaudio.
Professor da Faesa e da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), o especialista em Transportes Manoel Rodrigues observa que a bicicleta poderia ser uma alternativa ao automóvel, se houvesse investimento nas áreas adequadas.
"Usar bicicleta no lugar do carro não depende só de uma escolha pessoal. É importante que a política pública incentive essa mudança, construindo novas ciclovias, ciclofaixas, melhorando as existentes, criando bicicletários públicos. E também é necessário criar um viés de segurança. A violência urbana, a criminalidade, afasta as pessoas das ruas, e elas se trancam, neste caso, em carros. Que família ficaria tranquila se um filho fosse para a faculdade à noite de bicicleta, sem saber se vai voltar?", pondera.
Manoel Rodrigues destaca que o Dia Mundial sem Carro foi criado com a proposta de promover a reflexão sobre o uso nocivo do automóvel que, se de um lado pode oferecer certo conforto, de outro contribui para a piora da qualidade de vida, pelo estresse no trânsito em longos congestionamentos e o aumento da poluição. O contexto poderia melhorar um pouco caso a prática da carona solidária fosse incorporada à rotina da população. Hoje, segundo ele, a taxa de ocupação no Estado é de 1,4 pessoa por carro, quer dizer, a maioria usa sozinha o automóvel.
O especialista acrescenta que, em alguns países, mais do que investir na qualidade da oferta de meios alternativos de transporte, os gestores estão direcionando a sua atenção também para a criação de espaços verdes, com áreas para atividade física, vestiário e local para alimentação, no meio de grandes concentrações urbanas, o que estimula as pessoas a andarem de bicicleta ou mesmo a pé até esses pontos.
Outra diferença marcante: enquanto países mais desenvolvidos apostam na redução da velocidade das vias, ampliação de calçadas e ciclovias, e priorização das pessoas ao tratar da mobilidade, o Brasil se movimenta em largos passos para o outro sentido. E, na avaliação do educador físico e cicloativista Fernando Braga, essa é uma conduta do poder público, mas também é cultural.
Ele lembra do conflito para implantação de ciclovia na Praia do Canto, em Vitória, onde moradores contestaram o projeto da prefeitura porque eliminava 90 vagas de estacionamento. "Isso mostra bem a cabeça da nossa sociedade. A prefeitura com dinheiro na conta para fazer uma ligação extramente importante, e não conseguiu." Para Fernando, dos municípios da Grande Vitória, a Capital é a que melhor tem se dedicado a aprimorar a infraestrutura de ciclovias.
No transporte público, Fernando Braga se ressente da falta de outros modais, já que a região metropolitana tem apenas o modelo rodoviário. "Que alternativas as pessoas têm para fazer uma escolha. São quase 20 anos com uma única opção desde o fim do aquaviário", ressalta.
O governo do Estado garante que, desta vez, o projeto do aquaviário vai sair do papel. Os projetos para a construção dos píeres estão em fase de finalização e está sendo elaborado o edital para a execução das obras.
O secretário estadual de Mobilidade e Infraestrutura, Fábio Damasceno, aponta que se tratam apenas de procedimentos burocráticos e que, até o início de 2021, estarão concluídos para que, no final do ano, o aquaviário volte a operar, começando por ligações entre Vila Velha, Vitória e Cariacica. O novo modal deverá ser integrado ao sistema Transcol, oferecendo mais uma possibilidade de deslocamento dos usuários de transporte coletivo.
Outro projeto que está sendo retomado é o de integração do Transcol às linhas municipais de Vitória e Vila Velha, cujo processo ficou suspenso nos últimos meses devido à pandemia da Covid-19. Foi feita parte da integração, mas a possibilidade de pagar tarifa única na troca de ônibus fora dos terminais ainda não tem data para ocorrer. A expectativa do secretário é que possa ser concluída também até o final de 2021.
A pandemia, a propósito, retirou muitos usuários dos ônibus, uma vez que o distanciamento social é imprescindível para controlar a doença. Fábio Damasceno diz que, atualmente, os veículos do sistema Transcol estão circulando com cerca de 55% da capacidade de passageiros, o que, de algum modo, acaba levando mais pessoas a usar transporte individual.
"Mas o que observamos da pandemia, principalmente, é que, para dar mais espaçamento às pessoas dentro dos veículos, não necessariamente faremos isso com mais ônibus. O que se precisa é de mais viagens e, priorizando o transporte público, com menos carros nas ruas, é possível aumentá-las em até 30%. Se colocar mais ônibus, ao contrário, aumentam os congestionamentos. O que precisa é de corredor exclusivo", sustenta.
Fábio Damasceno revela que esse é um investimento que cabe aos municípios e que, se quiserem realizá-lo, a secretaria poderá oferecer suporte. Contudo, para as obras de grandes corredores, interligando a Grande Vitória, também é necessária a conclusão de projetos como o do Portal do Príncipe, que começou a ser executado no mês passado.
Um projeto que está no plano de governo de Renato Casagrande, porém ainda não ganhou forma, é o Last Mile - expressão em inglês que significa última milha. Essa proposta prevê a integração de bicicletas, táxis e transporte por aplicativo nos terminais do sistema Transcol.
Fábio Damasceno explica que a pandemia atrasou a implementação de alguns projetos, que têm prioridade sobre o Last Mile, mas que não saiu do radar da secretaria, nem foi descartado. "Os passos da mobilidade vêm, agora, com as obras do Portal do Príncipe, Terceira Ponte, terminais, faixas exclusivas, bicicletas compartilhadas e, então, o Last Mile", relaciona.
O município tem mais de 50 quilômetros de trajetos implantados para os ciclistas, entre os quais as ciclorrotas espaços compartilhados com veículos em baixa velocidade que saem de dentro dos bairros para ligação com as ciclovias das principais avenidas. O serviço de compartilhamento de bicicletas foi renovado e poderá ser ampliado. Além disso, há previsão de implantação de novos trechos da linha verde faixa exclusiva para transporte de passageiros cujos estudos estiveram suspensos devido à pandemia porque é necessário avaliar o fluxo normal de veículos, com o período escolar, para a sua conclusão.
Recentemente foi finalizado o Plano Municipal de Mobilidade e Acessibilidade (Planmob), que aponta entre outras intervenções o traçado de futuras ciclovias. Atualmente, o município possui 46,2 km de ciclovias, sendo 1,7 km de ciclofaixa. A Prefeitura tem um planejamento preliminar de curto a longo prazo para implantação de 48 km de novos trajetos, bem como para resolução dos problemas de sinalização e acesso das ciclovias existentes. A cidade realizou nova licitação para o serviço de bicicleta compartilhada, com 200 unidades distribuídas em 10 estações, e que poderá ser ampliado.
O município tem mais de 60 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas entre as principais vias da cidade, como as Avenidas Eudes Scherrer de Souza, Talma Rodrigues Ribeiro, Lagoa Juara, Meridional, Nossa Senhora dos Navegantes e Audifax Barcelos Neves. Nessa extensão, quase metade está interligada e compõe uma superciclovia conectando vários bairros. Além disso, possui, ainda, um plano cicloviário que prevê, ao todo, mais de 100 quilômetros de trajeto voltado para os ciclistas. O município também implantou, no ano passado, o serviço de compartilhamento de bicicletas, com estações próximas à rede cicloviária, em bairros como Laranjeiras, Vila Nova de Colares e Feu Rosa.
O município tem hoje 21 km de ciclovias localizados ao longo das Rodovias José Sette, Leste Oeste, BR 101, BR 262 (faixa compartilhada com pedestres), Avenida Alice Coutinho e Avenida Vale do Rio Doce (Orla de Cariacica) e, no Plano de Mobilidade, que espera aprovação da Câmara há quase um ano, tem a proposta de construção de mais oito quilômetros de ciclovias em seis anos s e outros 31 km de ciclofaixas, nos próximos 3 anos. Os novos trechos irão integrar a região de Porto de Santana, Itacibá, Jardim América e Campo Grande. Estão ainda previstos trechos conectando a região Oeste do município (Novo Brasil, Vale dos Reis, Mucuri, Nova Brasília e Itanguá) à Sudeste (de Jardim Botânico a Jardim América) e à Grande Flexal, prevendo a integração com o aquaviário em Porto de Santana. O município desenvolve ainda o Projeto Rede Parques, que será entregue até o final do ano, indicando a construção de novas ciclovias e ciclofaixas na cidade e tem como objetivo valorizar o uso dos parques da cidade estabelecendo uma rede de conexão entre eles. Esta rede será construída visando, prioritariamente, os deslocamentos a pé e por bicicletas. O Plano de Mobilidade prevê ainda uma série de medidas para estimular o uso de transportes não motorizados, além de projetos voltados para o transporte alternativo, aquaviário e ferroviário.
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