A Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, fez o diretor clínico do Hospital Estadual Roberto Arnizaut Silvares, Ronaldo José Thomazini, de 48 anos, sentir como é estar dos dois lados: ser médico e paciente. Desde que o primeiro caso foi registrado no Espírito Santo, há mais de três meses, ele ajudou a salvar muitas vidas e viu seus próprios colegas o ajudando ao precisar ir para a UTI quando a doença se agravou.
Assim como ele, vários profissionais da saúde têm sido infectados pelo novo vírus no Espírito Santo. Segundo dados do painel Covid-19, da Secretaria de Saúde (Sesa), mais de 4,5 mil trabalhadores dessa área testaram positivo para coronavírus, até a primeira quinzena de junho.
Após ficar internado na UTI, Ronaldo conseguiu se curar e voltou a trabalhar no dia 26 de maio. Somente naquele dia havia chegado ao hospital seis novos casos, sendo que um precisou de internação. Na avaliação dele, a situação no Espírito Santo deve piorar nos próximos dias.
O Estado está fazendo a parte dele e abriu mais leitos de UTI, enfermaria, fez parceria com hospitais particulares. O Roberto Silvares está lotado e está ficando difícil administrar. Hoje me perguntei: 'Meu Deus, aonde vamos chegar?'", desabafou.
Os sintomas iniciais foram uma dor de cabeça muito forte, coriza, tosse e muita indisposição - o corpo pede para ficar somente deitado. Dá também um pouco de enjoo, mal-estar, perdi o gosto dos alimentos. Eu mesmo, pelo barulho da respiração, percebi que estava tendo um quadro de pneumonia. Tive uma crise intensa de falta de ar e precisei de ser hospitalizado, conduzido para UTI, e acabei tomando todos os remédios do protocolo.
A sensação de ter recebido o teste positivo me deixou muito surpreso e agoniado, mas o pior não é receber a notícia e, sim, ter as complicações. Os sintomas são muito pesados, tive muita falta de ar. A sensação é horrível, a sensação é de morte, a sensação é de que você está se afogando.
O que me deixava mais desesperado era a falta de ar. Por causa dela, a qualquer momento eu poderia ser entubado, isso é o que eu tinha mais medo. Toda vez que um colega ia me examinar na UTI, eu pensava: 'Meu Deus, será que é agora?' A sensação é horrível para qualquer ser humano, para os profissionais de saúde acredito ser pior porque a gente lida com isso e sabe o que está acontecendo.
A pandemia veio para mudar a saúde no Brasil e do Mundo, os hospitais passaram a ter dois fluxos de trabalho: o normal que atende a pacientes com outras doenças, como AVC, trombose, infarte. E o outro fluxo que atende pessoas com Covid-19 ou casos suspeitos. É uma doença que veio para agravar mais o Sistema Único de Saúde e, enquanto nós não tivermos uma vacina ou um medicamento com eficácia comprovada, não teremos segurança.
O que mais tem chocado é ver as pessoas da funerária carregando o caixão e a família tendo que dar adeus de longe. Existe todo um preparo do corpo no necrotério do hospital: ele é coberto por sacos de lona, plástico e um lençol antes de ser colocado na urna. A funerária leva diretamente para o cemitério. Sou eu quem dou o boletim do paciente aos familiares e já anunciei muitas mortes para as famílias. É de descer lágrimas, é horrível ter que falar para parentes que um ente querido, que até outro dia vivia a vida normal, morreu.
Mesmo com falta de ar, estava louco para poder trabalhar, eu estava louco para que um paciente sentasse do outro lado da mesa para atendê-lo e ouvi-lo. Acredito que tenha me contaminado porque atendi muitos funcionários e pacientes com Covid-19. Já foram atendidos mais de 50 funcionários somente neste hospital, todos eles estão curados.
Todos que foram contaminados e se curaram retornaram ao trabalho e estão cuidando dos que estão necessitando. Nesta semana e na outra acredito haver um aumento exacerbado de novos paciente e os leitos não suprirão a necessidade.
Somente hoje (26 de maio) seis novos casos deram entrada no hospital, sendo que um precisou de internação. O Estado está fazendo a parte dele e abriu mais leitos de UTI, enfermaria, fez parceria com hospitais particulares. O Roberto Silvares está lotado e está ficando difícil administrar. Hoje me perguntei: 'Meu Deus, aonde vamos chegar?'
Todo mundo fica muito apreensivo, o clima do hospital não é o mesmo, a alegria não é mais a mesma, as pessoas estão com medo. Mas deixamos tudo de lado para cumprir a missão como médico e ser humano.
Estamos chegando numa fase grave da doença e o povo não se conscientizou da gravidade. As pessoas insistem em sair. Em São Mateus, as ruas estão como um formigueiro. Cada um que pensa assim está complicando a vida e de quem está na linha de frente: motorista de ambulância, enfermeiro, médico, fisioterapeuta. Dessa forma, pagaremos um preço caro, serão as nossas vidas ou de pessoas que amamos que está em jogo.
Eu peço para que a população faça a parte dela porque, muitos de nós, estamos adoecendo, falecendo. Antes de ir para rua, pense que você pode ser responsável por ajudar a tirar uma vida.
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