Chegou ao fim o segundo dia do julgamento das seis pessoas apontadas como as responsáveis pelo assassinato da médica Milena Gottardi. Entre elas está o ex-marido da vítima e ex-policial civil Hilário Antonio Fiorot Frasson, acusado de ser o mandante do crime. Ao longo desta terça-feira (24) foram ouvidas quatro testemunhas de acusação, dentre elas, a amiga da médica que presenciou o crime.
A previsão inicial do Tribunal de Justiça era de que o julgamento prosseguisse até a próxima sexta-feira (27), mas, por conta de atrasos no início do júri na segunda (23) e da longa duração dos depoimentos, agora a análise do caso pode ser concluída somente no domingo (29) ou até mesmo na segunda-feira (30).
O destino dos réus será decidido por sete jurados, sendo quatro mulheres e três homens. Quem conduz o julgamento é o juiz Marcos Pereira Sanches. Os depoimentos começaram por volta das 9h15 e terminaram aproximadamente às 19h50. Houve breves intervalos nesse período.
O segundo dia do júri foi marcado pelo depoimento da amiga da médica que estava com ela no momento do assassinato. Ela contou como tudo aconteceu e que Milena pressentiu o perigo pouco antes de ser baleada. O investigador que conduziu as interceptações telefônicas do caso também contou como as conversas apontaram a ligação entre os réus.
O promotor de Justiça Leonardo Augusto de Andrade César dos Santos, um dos três que atua no caso, avaliou que as testemunhas que depuseram no segundo dia foram unânimes em confirmar a tese do Ministério Público Estadual (MPES).
Os trabalhos serão retomados nesta quarta-feira (25), às 9h, também no Fórum Criminal José Mathias de Almeida Netto, no Centro de Vitória. Faltam depor, pela acusação, Douglas Gottardi, irmão de Milena, e o delegado Janderson Lube, que conduziu as investigações. Os depoimentos deles devem abrir a sessão desta quarta.
Pouco antes das 9h, Zilca Gottardi (mãe) chegou ao Fórum para acompanhar o julgamento das seis pessoas apontadas como as responsáveis pelo assassinato da médica Milena Gottardi.
Foi realizada uma mudança na estrutura física do júri. Nesta terça (24), as testemunhas ficaram de frente para os jurados na hora de prestar depoimento. Da forma que estava antes, as testemunhas ficavam no meio do salão, de frente para o juiz e de costas para os jurados. Com a mudança, as testemunhas ficaram de frente para os dois, tanto juiz quanto jurados.
A médica que estava com Milena na hora do crime, Maria Isabel Lima dos Santos, foi a primeira testemunha a depor nesta terça. Ela relatou como foi o momento em que Milena foi assassinada. Ela relatou que eram 19h e elas saiam do trabalho. Maria Isabel perguntou onde Milena tinha deixado o carro estacionado e se ofereceu para ir junto, acompanhando, porque era um local escuro.
"No estacionamento mais amplo, Milena viu o rapaz na ponta, a uma certa distância, em pé, e perguntou: 'não acha estranho aquele rapaz em pé?'. Eu não estranhei, mas disse que se ela achava estranho, nós íamos observar. Fiquei com ela andando, na esquina, andando, e ficamos paradas. Observei o rapaz olhando o celular e aparentemente não tinha nada que demonstrasse medo (ameaça)", relatou.
Maria Isabel disse que ficou cerca de 15 minutos observando e falou para Milena que não tinha perigo, que poderia ser um funcionário do Hucam ou namorado de alguém. As duas foram para o carro, mas segundo a testemunha, em vez de fazer um caminho reto, fizeram uma curva. Milena abriu o porta-malas, colocou a bolsa dentro e, quando fechou, Dionathas chegou por trás.
"Ele falou: é um assalto! Nós viramos para trás e ele falou: passa o celular e a chave do carro". A testemunha disse que não tinha celular, mas Milena esticou a mão e entregou o celular e a chave do carro. "Milena, na hora, ficou olhando para mim, e a sensação era de que ela estava com medo e de que sabia que aconteceria alguma coisa."
Maria Isabel conta que ouviu três disparos e então Dionathas — executor confesso — subiu na moto, acelerou, passou do lado dela e desceu a ladeira para o portão.
"Olhei para o meu pé, ela estava esticada nos meus pés, no inicio pensei que ela estivesse deitada para se proteger. Eu sacudi o braço dela dizendo: Milena, pode se levantar, mas ela não se mexeu. Comecei a gritar pedindo ajuda, não apareceu ninguém. Fui para a rua e comecei a gritar por socorro na frente do Hucam."
O investigador Igor de Oliveira Carneiro foi a segunda testemunha de acusação a prestar depoimento nesta terça-feira. Ele participou das investigações, principalmente das interceptações telefônicas dos réus. As interceptações telefônicas foram feitas de janeiro a setembro de 2017 e por meio delas conseguiram constatar os contatos e vínculos entre os acusados.
O investigador relatou que o ex-policial civil e ex-marido de Milena, Hilário Frasson, ligou para a médica antes do crime. Ele fez uma ligação para Milena e, na sequência, para o pai, Espiridião Frasson. Em seguida, Espiridião ligou para Valcir da Silva Dias, apontado como intermediador do crime, que já estava no Hucam. Na sequência, Milena foi assassinada. Foi essa interceptação que deu início à investigação e norteou a participação dos réus no crime.
O crime aconteceu no dia 14 de setembro, uma quinta-feira, e Milena teve a morte declarada no dia 15, sexta. A testemunha relatou também que no sábado, dia 16, Hilário faz vários acessos a sites pornográficos e se encontrou com uma garota de programa.
"Nos surpreendeu que Hilário faz acesso a pornografia e se encontra com uma garota de programa. Nos passou a ideia de uma falta de sentimento em relação à morte da médica", pontuou o investigador.
A advogada Ana Paula Protzner Morbeck, que atuava no divórcio de Milena, foi a terceira testemunha de acusação do dia. Ela relatou que quando foi procurada pela médica, Milena chorava muito, com medo de perder a guarda das filhas. “Nós acalmamos Milena e marcamos um horário no dia seguinte."
A advogada relatou que Milena tinha medo de Hilário, que a ameaçava, dizia que ela não teria o divórcio, e que ele se recusava a sair de casa. "Nós falamos que poderíamos conseguir uma decisão judicial com liminar para ela poder sair de casa. Milena concordou". E acrescentou: "Ela disse que faria um documento em cartório para caso acontecesse algo com ela, para que a família ficasse com as filhas."
Ana Paula relatou que o processo de divórcio entre o casal foi marcado por tensão, e que Milena ficou muito triste de saber que teria que dividir a herança do pai com Hilário, que é meeiro de todo o patrimônio dela. Ela achava que a comunhão de bens tinha sido só para comprar o apartamento do casal na Praia do Canto, em Vitória, e não imaginava que isso fosse atingir seu patrimônio. Com a morte de Milena, Hilário passou a ter metade de tudo o que ela tinha e não perde nada nem se for condenado.
A advogada conto que Hilário propôs um acordo e foi marcada uma reunião, em que insistiu para que Milena não se divorciasse. A média teria respondido que daria tempo para que ele se acostumasse com a ideia, mas não para que a reconquistasse, e disse que o relacionamento estava acabado. "Ele estava muito nervoso, mas a Milena estava calma, como sempre. Saí de lá (reunião) com este acordo para protocolar. A gente pedia por 90 dias para concretizar o divórcio."
No dia 14 de setembro de 2017, véspera da data em que os papeis de separação seriam assinados, a advogada recebeu a notícia de que Milena havia sido baleada.
No dia seguinte ao crime, Shintia Gottardi, prima de Milena, entrou em contato com Ana Paula. A advogada explicou que havia um documento deixado pela médica, e, após procura, a carta foi encontrada.
"Marcamos às 7h em meu escritório. Eles (familiares) me pediram para ler, porque não tinham lido ainda, e todo mundo chorou junto. Aquele momento foi de muita emoção, ela dizer que temia pela vida dela, que queria que as filhas ficassem com o irmão... A carta tinha mais informações sobre a relação dos dois do que ela conseguiu verbalizar em meu escritório. Entendi que ela se sentia ameaçada."
A advogada apontou, entretanto, que Milena havia verbalizado anteriormente que sentia medo e que havia um histórico de violência na família de Hilário, e que uma cunhada que queria se divorciar foi morta. "Ela temia que o mesmo acontecesse com ela. Disse que o pai do Hilário e um tio que teriam matado a cunhada. Milena contava que toda vez que fazia algo que ele não concordava, ele regia com agressividade". O mesmo comportamento já estaria sendo adotado com a filha mais velha do casal, que, na época, tinha nove anos.
A prima de Milena, Shintia Gottardi, foi a quarta testemunha a depor. Entre outras declarações, ela contou que um grupo em um aplicativo de mensagens foi criado pelo ex-policial civil Hilário Frasson. O objetivo era reconquistar a médica, que já havia pedido o divórcio. O ex-policial deu ao grupo o nome de “Em nome do amor” e adicionou vários amigos dele e de Milena, além de alguns familiares.
“No grupo ele pediu para os participantes o ajudarem a reconquistar a Milena. Informava que já tinha enviado flores para Milena. Ele também mandava mensagens dizendo que queria a esposa de volta”, contou Shintia, explicando ainda que muitos amigos saíram do grupo e outros falavam para Hilário esquecer Milena e aceitar a separação.
Ainda segundo a testemunha, Hilário fez uma mudança no sobrenome, acrescentando o Fiorot. Assim, ele passou a assinar Hilário Antonio Fiorot Frasson. "Todo mundo achou estranho”, contou Shintia, relatando que Milena já teve um namorado, antes de Hilário, cujo sobrenome era Fiorot.
A médica oncologista pediátrica Milena Gottardi foi baleada no estacionamento do Hospital das Clínicas (Hucam), em Vitória, na noite de 14 de setembro de 2017, em uma suposta tentativa de assalto. Milena foi socorrida em estado gravíssimo e, após passar quase um dia internada, teve a morte cerebral confirmada às 16h50 de 15 de setembro.
As investigações da Polícia Civil descartaram, já nos primeiros dias, o que aparentava ser um assalto seguido de morte da médica (latrocínio). Naquele momento as suspeitas já eram de um homicídio, com participação de familiares.
Ao liberar o corpo de Milena no Departamento Médico Legal (DML) de Vitória, Hilário teve a arma e o celular apreendidos pela polícia. Ele não foi ao velório e enterro, que aconteceram em Fundão, onde Milena nasceu.
Os dois primeiros suspeitos foram presos, no dia 16 de setembro de 2017: Dionathas Alves Vieira, que confessou ter atirado contra a médica para receber R$ 2 mil; e Bruno Rodrigues Broeto, acusado de roubar a moto usada no crime. O veículo foi apreendido em um sítio, onde foram queimadas as roupas do executor.
Em 21 de setembro de 2017, o sogro de Milena, Esperidião Carlos Frasson, foi preso, suspeito de ser o mandante do crime. Também foi detido o lavrador Valcir da Silva Dias, suspeito de ser o intermediário. Na mesma data, o ex-marido Hilário Frasson foi preso.
O último a ser detido foi Hermenegildo Palauro Filho, o Judinho, em 25 de setembro de 2017, apontado como intermediário. Ele tinha fugido para o interior de Aimorés, em Minas Gerais.
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