Sintomas repetitivos, diagnósticos incorretos e tratamentos ineficazes. Por mais de duas décadas, a rotina do operador de máquinas de impressão, Perrone Braga Ferreira, atualmente com 30 anos, não foi nada fácil. Até ser exposto ao sol provocava mal-estar intenso.
A confirmação da doença de Fabry, uma condição rara e hereditária, veio apenas na fase adulta e, há cerca de seis anos, ele aguarda por uma medicação que pode desacelerar o avanço da enfermidade, que causa, entre outros problemas, acúmulo de gordura nos vasos sanguíneos e pode levar à perda de funções vitais, como a do coração e também dos rins.
Trata-se de uma doença metabólica hereditária, causada por deficiência da enzima alfa-galactosidase A. Os sintomas costumam ter início ainda na infância, sendo que os homens tendem a ser afetados de forma mais intensa.
Natural de Cariacica, na Grande Vitória, Perrone conta que o diagnóstico foi fundamental para que tivesse algum ganho de qualidade de vida.
"Tinha muita dor também. Crises de não conseguir me mexer, tanto no frio quanto no calor. Não tinha para onde correr. Para mim, foi meio que um alívio descobrir o que tinha, senão, ia morrer sem saber. Mas descobri e descobri que tinha tratamento".
Atualmente, segundo a Secretaria da Saúde do Espírito Santo (Sesa), há 15 pessoas acometidas pela doença rara e sendo tratadas no Sistema Único de Saúde (SUS) no Estado, sendo a maioria homens.
No caso de Perrone, o diagnóstico não foi simples. Durante muitos anos, os sintomas, semelhantes aos que a própria mãe apresentava, foram tratados como se fossem decorrentes de uma febre reumática.
Foi uma consulta à dermatologista que mudou as perspectivas de dele, que, naquela época, investigava não apenas problemas de acne, típicos da juventude, como pequenas manchas espalhadas pelo corpo.
“Comecei a procurar o que podia ser e ela me encaminhou para um geneticista, que me repassou para outros médicos, até que, finalmente, fiz um exame que detectou que realmente era essa doença", explicou.
A partir daí, os sintomas começaram a ser tratados com mais precisão. As dores nas mãos e nos pés, por exemplo, reduziram após uma neurologista prescrever um medicamento utilizado até mesmo em casos de epilepsia.
Apesar de alguns avanços, outros problemas surgiram no decorrer dos anos. A doença, que pode acometer homens e mulheres, mas tende a se agravar mais nos homens, tem afetado os rins do impressor, que relata ter, atualmente, cerca de um quarto da função renal de uma pessoa comum.
O tratamento atual, explica, consiste em medicamentos para controle da pressão arterial, que pode comprometer os órgãos. Por conta da doença, o coração também é sobrecarregado, aumentando o risco de complicações.
A esperança, segundo Perrone, reside em um medicamento já incorporado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas que depende ainda de regulamentações adicionais para ser distribuído: o Agalsidase Alfa.
"O remédio me ajudaria não a reverter, mas a estabilizar o quadro, principalmente essa questão renal. Estou na Justiça há anos, tentando conseguir, mas eles sempre negam, alegam que falta uma coisa, outra. Onde peço, na Farmácia Cidadã, também dizem não, falam que falta um protocolo".
A exigência em questão, segundo a Sesa, são Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT-MS) estabelecendo os critérios de fornecimento e a respectiva aquisição e distribuição dos medicamentos para Terapia de Reposição Enzimática (TRE) aos Estados, para que os mesmos sejam dispensados aos pacientes.
As diretrizes dependem do Ministério da Saúde, que destaca que, embora o medicamento Agalsidase Alfa tenha sido incorporado ao SUS em 2023, após análise e aprovação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), o PCDT continua em fase final de análise para publicação.
“O SUS oferece atendimento integral aos pacientes com base nas Diretrizes Brasileiras para Diagnóstico e Tratamento da Doença de Fabry, estabelecidas pela Portaria Conjunta Nº 20, de 6 de dezembro de 2021. Essas diretrizes orientam sobre o diagnóstico, manejo dos sintomas conforme cada quadro clínico e a prevenção de complicações decorrentes da doença”, frisou a pasta da saúde.
O Ministério também foi questionado sobre o número de pacientes diagnosticados com a doença no país, entretanto, até a publicação desta reportagem, não houve confirmação. Dados do Registro Brasileiro de Fabry, realizado pelo Comitê de Doenças Raras (Comdora) da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), apontam que, atualmente, são acompanhados 114 casos da doença no país, entretanto, número pode ser muito maior, visto que nem todos os casos são catalogados.
O diagnóstico de Perrone levou toda a família a ser testada, em busca da ausência da enzina que caracteriza a doença de Fabry. A mãe Luci Sabino Braga de Andrade, hoje com 54 anos, foi a única a ter a confirmação do quadro.
“A vida toda a gente tratou como febre reumática. Eu fui tratada assim, ele foi tratado assim. E os sintomas eram muitos: dores nas mãos e nos pés, como se vivêssemos com eles em uma chapa de misto-quente, com muito calor, uma queimação horrível. Dor nas articulações também.”
Assim como no caso do filho, o diagnóstico de Luci trouxe algumas possibilidades de melhora, entretanto, a convivência com a doença não é fácil.
“Às vezes sinto muita fadiga. O calor é um veneno, e já tenho problemas no coração, também afeta meu estômago. Eu já entrei várias vezes em empresas para trabalhar, mas, depois de alguns dias, preciso sair, porque acabo prejudicando. Com isso, já adquiri depressão, ansiedade. Faz cinco anos que tomo remédio para dormir. E, mesmo com tudo isso, para a mulher, a doença é dez vezes menos agressiva do que para o homem.”
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