Somente no ano passado, 922 crianças foram vítimas de algum tipo de crime violento no Espírito Santo. Com base em dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022 e da Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp), esse número equivale a 2,5 registros por dia de maus-tratos, lesões corporais e assassinatos, como o que teria acontecido com Jorge Teixeira da Silva, de 2 anos, cuja morte, segundo apuração inicial da polícia, foi causada por estupro e tortura.
A suspeita é que o menino tenha sido morto pelos pais, nesta terça-feira (5). A defesa da mãe nega a participação dela em qualquer lesão contra a criança. Já a do pai não foi encontrada.
Pelo menos 12 crianças de zero a 11 anos perderam a vida de forma violenta (homicídio, lesão corporal seguida de morte etc.) em 2021, conforme dados do anuário. Em 2020, foram registrados quatro casos. Em relação a adolescentes de 12 a 17 anos, 97 foram vítimas de morte intencional em 2021.
Um crescimento também foi observado nos registros de maus-tratos, segundo aponta o levantamento. Ainda em 2021, 195 crianças de zero a 14 anos sofreram diferentes agressões. Na comparação com o ano anterior, quando houve 169 casos do tipo, houve um aumento de 15,3%. Entre aqueles com 15 a 17 anos, os números diminuíram, saindo de 27 em 2020 para 14 em 2021.
A pesquisa mostrou ainda que os dados de lesão corporal dolosa dentro de casa são preocupantes. Em 2021, houve 32 registros criminais dessa natureza no Estado, envolvendo crianças e adolescentes de zero a 14 anos.
Outro número que chama a atenção é o do abandono de incapaz: 52 vítimas dessa mesma faixa etária passaram por uma situação de negligência dos pais ou responsáveis, também no ano passado.
Além disso, 631 registros de estupro e estupro de vulnerável contra menores de 12 anos foram feitos no Espírito Santo em 2021. De acordo com a Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp), até maio deste ano, esse crime já somava 282 casos.
Titular da Delegacia Especializada de Proteção à Criança, ao Adolescente e ao Idoso (DPCAI) de Linhares, a delegada Silvana Paula Castro afirma que há, no Espírito Santo e no Brasil, um quadro de subnotificação muito grande.
"Existe um pacto de silêncio entre as pessoas, que não divulgam a agressão. Às vezes, elas também não querem acreditar ou resolvem dar uma segunda chance ao agressor. Em vez de proteger a criança, protegem o agressor. Essa subnotificação foi ainda maior durante a pandemia. A escola é o nosso grande denunciador de violência contra a criança", ressaltou.
A delegada indica ainda que a recorrência dessas violências pode estar pior devido a uma maior instabilidade emocional das pessoas. "Nós estamos pegando uma sociedade doente, e muitos pais agora tentam resolver os problemas com agressão. Essas crianças crescem com problemas de identidade, de confiança e com o lado emocional abalado", salientou.
O conselheiro tutelar Paulo Francisco Soares destaca que é preciso haver uma maior divulgação dos canais de denúncia para que a população se conscientize. Ele também alerta para os perigos dentro de casa, já que muitos dos agressores são membros da própria família, como pais, tios, primos, entre outros.
"Há casos em que a pessoa é realmente brutal, é má, mas também existe muito a questão da reprodução. Criou-se uma cultura da reprodução. A maioria dos pais que espanca os filhos, por exemplo, também foi espancada no passado", avalia.
O laudo de Jorge Teixeira da Silva indicou que ele foi espancado, torturado e estuprado, conforme apontaram médicos legistas que examinaram o corpo do menino no Departamento Médico Legal (DML) de Vitória.
Segundo a Polícia Civil, Jorge chegou ao hospital com a barriga inchada, cheia de líquido. Ele estava com uma infecção causada por perfuração intestinal. O garoto passou por uma cirurgia de emergência, mas não resistiu.
"Os achados no exame físico, as lesões por queimadura, indicam que houve tortura; as lesões encontradas no abdômen, tanto internas quanto externamente, indicam que houve espancamento. A lesão no reto indica que houve introdução de um objeto no ânus da criança", afirmou o médico legista Josias Rodrigues Westphal, em entrevista coletiva nesta quarta-feira (6).
A defesa da mãe de Jorge Teixeira da Silva se pronunciou nesta quinta-feira (7) sobre a morte do menino, afirmando que Jeorgia Teixeira da Silva não tem envolvimento no crime. Em nota, os advogados apontaram que houve erro na investigação, que teria sido conduzida de forma "irresponsável" pela Polícia Civil.
"Ao contrário do que foi noticiado e informado pela autoridade policial, Jeorgia não tem nenhum envolvimento com a morte de seu filho", diz o texto, assinado por Carlos Bermudes e Lucas Kaiser Costa. Em contato com a reportagem de A Gazeta, a defesa afirmou que Jeorgia é uma parte interessada em saber o que aconteceu com a criança.
De acordo com o advogado Lucas Kaiser, a criança estava passando mal há uma semana e teria sido levada diversas vezes ao hospital pela mãe, que conseguiu um atestado médico para não comparecer ao trabalho. O estado de saúde do menino teria ficado pior entre domingo (3) e segunda (4), quando Jorge Teixeira da Silva foi levado ao pronto-socorro privado, antes de passar pelo PA da Glória e ser encaminhado ao Hospital Estadual Infantil e Maternidade Alzir Bernardino Alves (Himaba), em Vila Velha.
"Existe evidente erro na conclusão das investigações, que foram conduzidas de forma açodada e irresponsável. A Sra. Jeorgia não pode ser julgada e muito menos condenada, antes que todo o processo seja concluído. Os equívocos encontrados serão esclarecidos e temos plena convicção de que iremos provar a inocência quanto a morte da criança", afirmaram os advogados.
Ainda segundo Lucas Kaiser, o erro estaria em responsabilizar a mãe como praticante do abuso. Ele afirma que Jeorgia não tem relação com o crime.
A reportagem de A Gazeta não localizou a defesa de Maycon Milagre da Cruz, mas reforça que o espaço está aberto para manifestação da parte.
Com informações de Júlia Afonso e Alberto Borém
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