O último olhar antes de o paciente ser sedado e intubado. É o momento que mais toca o coração do médico anestesista Diego Dalcamini, porque, nos casos mais graves, a pessoa pode não mais acordar. “Aquele pode ser o último olhar que ele vai dar para alguém, se a doença vencer. É o último momento de vida consciente, e é muito doloroso saber que ela pode dormir e não acordar. Isso fugiu completamente da rotina”, relata.
A intubação, explica Diego, é o processo necessário aos pacientes que precisam de um respirador, cujo uso tem sido mais frequente nesta pandemia. Embora seja realizado em situações emergenciais e na terapia intensiva também por outros médicos, é mais comum ser feito por anestesistas. São eles também que fazem a chamada extubação, que é a retirada do tubo que ajuda o paciente a respirar.
É neste momento da sedação em que o médico está mais próximo do paciente. “É um olhar marcante, forte. Mas ainda bem que são poucos casos. A maioria dos que são intubados estão conseguindo vencer a Covid-19 e se curar”, relata Diego, acrescentando que as mortes ocorrem com pessoas frágeis, debilitadas pela doença, e que por maior que seja o esforço dos profissionais, não se recuperam.
Atuando em três hospitais -Jayme Santos Neves e outros dois privados - na linha de frente do combate a Covid-19, ele decidiu dividir com outro médico anestesista um apartamento no Centro de Vitória. Foi a forma que encontraram de não colocar suas famílias em risco. “A exposição a que nos submetemos é muito grande. Mesmo com todo o cuidado, o momento de intubação é também o de maior exposição à carga viral. Você faz um contato direto com o pulmão do paciente”, relata.
Casado há quatro anos, ele está há 45 dias sem ver a esposa. “O dia da despedida foi difícil, mas depois a gente se acostuma. Como já participei de várias missões médicas, ela já se acostumou a ficar longe e compreendeu que era o mais seguro nos isolarmos. O difícil é não saber quando poderei voltar para casa”, relata.
Com a rotina de plantões em quase todos os finais de semana, além dos dias e noites, o contato com a esposa e familiares é feito por telefone. “Tem sido bem cansativo. O ambiente estressante no hospital e, quando chego em casa, sem apoio da família… Sinto falta do contato”, diz Diego.
O apoio tem vindo do médico anestesista Felipe Reuter, que também é seu padrinho de casamento. “É um grande amigo. Às vezes a gente nem se encontra, mas o importante é ter alguém por perto.”
Para Felipe, que atua em três hospitais particulares e um filantrópico, a rotina tem sido intensa e com muitas mudanças, principalmente na paramentação - uso de várias roupas de proteção - antes das cirurgias. “O processo para realizar uma cirurgia ficou bem complicado, com parte do hospital isolado, e tenho que estar muito paramentado. Quase não se faz cirurgias eletivas. Tinha hospital onde trabalhávamos com 16 anestesistas na escala, agora são apenas quatro, e sem cirurgias”, explica.
Conta que até para os profissionais está difícil trabalhar. “O equipamento é mais pesado. Temos que usar óculos, capote, capote impermeável, e não só em cirurgia, temos que estar o tempo inteiro de máscara, com frequente uso de álcool. É desgastante ainda estar o tempo inteiro se controlando para evitar uma contaminação”, desabafa.
Para piorar, estão lidando com uma doença que age de forma diferente em cada paciente. “Não sabemos como ela vai reagir em todos os pacientes. Às vezes nos deixa sem saber o que fazer. Mas é muito bom quando você vê um paciente que estava há um mês no CTI, brigando pela vida, se recuperar.”
Para aliviar o estresse fora do trabalho, os dois apostam em leituras, música, filmes. “Cada um com o seu segredo. Medito, leio, ouço música, vejo filme, suo a camisa para desestressar”, diz Diego. Já Felipe aposta também na espiritualização. “Tento não pensar só na doença.”
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