A internet está presente em atividades muito básicas do cotidiano da maioria das pessoas, como a comunicação, pagamentos ou acesso a documentos. E, justamente por ser necessária para situações cada vez mais rotineiras, se mostra mais excludente, já que não são todos que têm acesso à internet, nem mesmo a um equipamento pelo qual possa acessá-la. De acordo com dados do Censo Escolar 2023, na maioria dos municípios do Espírito Santo — 50 dos 78 —, mais da metade das escolas não tem internet para os alunos.
Vale ressaltar que esse número trata especificamente da internet para estudantes, ou seja, é possível que a escola tenha conexão com a rede para áreas administrativas, como secretaria e almoxarifado, já que esses setores dispõem de sistemas que precisam estar integrados. O indicador, neste caso, está relacionado ao uso pedagógico da internet. De todas as cidades do Estado, São José do Calçado, no Sul capixaba, é a que tem o menor percentual.
Para a coordenadora de políticas educacionais do Todos Pela Educação, Daniela Mendes, os alunos acabam sendo impactados de forma negativa, pois ficam à margem de avanços tecnológicos. Ela reforça a importância do uso pedagógico da conexão. "Com a internet, eles conseguem se aprofundar mais nos assuntos. Eles conseguem ter outras formas de estudo que, inclusive, os engajem mais no aprendizado e contribuam para que tenham mais facilidade no conhecimento passado em sala de aula."
A especialista aponta que a falta de acesso à internet representa atraso para os alunos.
Ela observa que a falta de uso pedagógico da internet prejudica ainda mais pessoas em situação de pobreza. "Existem alunos em situações de maior vulnerabilidade social que, além de não terem internet em casa, também não têm na escola, que seria o equipamento público ideal para que existisse a conectividade. Nós estamos na era da informação e isso é uma barreira informacional muito grande", aponta a coordenadora do Todos pela Educação.
Como muitos alunos não têm acesso à internet de casa, sendo na escola o único local em que poderiam usar o recurso, a gerente de avaliação e prospecção do Itaú Social, Fernanda Seidel, ressalta o impacto durante o período de isolamento. "Acho que uma reflexão que fica, no caso desses municípios, é como esses alunos podem ter sido prejudicados na pandemia. Acho que isso é o que mais me preocupa: como eles passaram por esse momento em que o meio digital era o único possível?", questiona.
Seidel lembra que a própria Base Nacional Comum Curricular (BNCC) orienta que as escolas adotem métodos que incentivem o uso de tecnologias digitais de informação no cotidiano escolar. "É uma competência, uma habilidade, que as crianças precisam desenvolver para o século XXI", reforça.
Para a coordenadora do Todos pela Educação, Daniela Mendes, ter conexão e equipamentos é apenas o primeiro passo. É fundamental ter um projeto pedagógico que inclua essa tecnologia em um contexto de aprendizagem. "O Brasil ainda precisa avançar nisso."
Fernanda Seidel, gerente do Itaú Social, reforça esse posicionamento. "Não dá para pensar que ter a internet vai resolver todas as questões de aprendizagem dos alunos. O importante é como o professor consegue ter um planejamento para utilizá-la para aprendizagem. Ele pode ensinar os alunos muito bem com ou sem internet. O importante é que eles tenham esse planejamento. É aí que a internet tem um impacto maior, pensando, principalmente, nas competências para o mundo do trabalho", sustenta.
Não somente novas competências podem ser aprendidas na rede. O uso de ferramentas digitais também deixa conteúdos tradicionais, como português e matemática, mais atrativos aos alunos. Isso reflete no desempenho dos estudantes, como explica Fernanda. Para exemplificar, ela usa dados do Programme for International Student Assessment (Pisa), chamado no Brasil de Programa Internacional de Avaliação de Estudantes.
"Dados do Pisa 2022 mostram que alunos que têm pelo menos uma hora por dia usando dispositivo digital para a atividade de aprendizado têm uma pontuação média em matemática 24 pontos acima dos que não têm acesso a esses aparelhos", disse. Por outro lado, se não houver direcionamento, o efeito é contrário.
"O mesmo Pisa 2022 mostrou que o uso sem intencionalidade pedagógica, o uso livre, afeta negativamente. No caso do Brasil, 45% dos estudantes brasileiros afirmaram que eles se distraem. A internet contribui, mas sem essa intencionalidade pedagógica e uso em atividades específicas pode gerar distração e até ansiedade", explica Fernanda.
Na maioria das cidades do Espírito Santo, menos da metade das escolas oferece internet para os alunos. São 50 dos 78 municípios. São José do Calçado, no Sul do Estado, é a cidade que aparece com menor percentual. O secretário de Educação do município, Ciro Passalini, atribuiu o número a um erro técnico. Segundo ele, todas as escolas do município — com exceção de uma creche em reforma — tem acesso à internet.
"A gente fica até surpreso quando surgem números assim, porque, na realidade, o questionário do Censo Escolar é respondido pelas escolas. Aqui, só uma creche não tem acesso à internet, o resto todas as escolas têm internet. É falta de informação do técnico que informou esse número. Infelizmente, foi um erro técnico, porque nossas escolas todas têm acesso à internet", afirmou o secretário.
Por mensagem, o titular da pasta da Educação de São José do Calçado foi lembrado que o número do Censo Escolar em questão trata de internet para os alunos e que não engloba, por exemplo, as áreas administrativas das escolas. Ele, então, respondeu apenas que quem informa o Censo são os profissionais das escolas, mas não esclareceu se, de fato, há uso pedagógico da internet nas unidades de ensino do município.
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