Dados do Observatório da Segurança Pública do Espírito Santo, divulgados pelo governo do Estado, apontam que o número de feminicídios registrados de janeiro a julho deste ano corresponde a 80,7% dos casos contabilizados durante os 12 meses de 2020.
Feminicídio é o assassinato de uma mulher cometido em razão do gênero. Com base nesta característica, nos sete primeiros meses de 2021, a Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) classificou 21 ocorrências.
No mesmo período do ano passado, foram 16. No entanto, entre janeiro e dezembro de 2020, 26 mulheres foram vítimas a partir dessa tipificação de crime. Por isso, os dados deste ano representam 80,7% dos últimos 12 meses.
A técnica em enfermagem Leidiane Erqui Tonetti Andreão, de 36 anos, está nesta lista da violência. Ela foi assassinada a tiros na frente da filha, em Aracuí, interior de Castelo, no Sul do Estado, em maio deste ano. O marido dela, o empresário Wellington Denadai Andreão, de 41 anos, foi preso por suspeita do crime.
No mês anterior, quem teve os sonhos interrompidos foi Raissa da Silva Souza, de 15 anos. A adolescente foi assassinada dentro de casa com um tiro na cabeça no bairro Flexal, em Cariacica, no último dia 24 de abril. Um ex-namorado é o principal suspeito.
Na última quarta-feira (15), Charlene de Lemes Gonçalves, de 40 anos, e a filha dela, Ysaquiely Junia Gonçalves de Araújo, de 11 anos, foram mortas a facadas no bairro Filemon Tenório, em Marataízes, litoral Sul do Espírito Santo.
O ex-companheiro de Charlene, Michael Prates Garcia, de 31 anos, foi preso em flagrante por suspeita de ter praticado o crime. O crime é um dos atos violentos contra as mulheres que devem ser registrados como feminicídio pela Polícia Civil.
Quando comparados os homicídios dolosos contra as mulheres, os indicadores mostram que 75 capixabas tiveram a vida interrompida no Estado. De janeiro a julho deste ano foram registrados 38 assassinatos. No mesmo período do ano passado, 42.
Na avaliação da professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), Celina Lima, os casos de feminicídio aumentaram no Brasil em função da vulnerabilidade das mulheres e da impunidade. Ela atua no Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da instituição.
"O feminicídio é um crime que ocorre no contexto familiar. Apesar da Lei Maria da Penha, as mulheres são assassinadas e os homens não são punidos com rigor, não são punidos na hora."
Para proteger as mulheres, Lima defende a criação ou fortalecimento de políticas públicas eficazes. "Falta a formação de uma rede de apoio consistente para que a mulher saiba onde poderá recorrer para buscar assistência, seja ela qual for", ressalta.
Analisando os dados do Observatório, Henrique Herkenhoff, professor do Mestrado de Segurança Pública da UVV, somou os dados gerais disponibilizados. Contando os homicídios dolosos e feminicídios, foram 58 em 2020 contra 59 em 2021.
"O total de homicídios tendo a mulher como vítima permaneceu estável, indicando que não houve crescimento da violência doméstica, mas um entendimento mais 'feminista' por parte da Polícia Civil, que passou a categorizar como feminicídio crimes que antes seriam relatados como homicídio comum", destaca Herkenhoff.
A Sesp foi questionada sobre quais fatores contribuíram para o aumento de casos de feminicídio neste mesmo intervalo de sete meses, de um ano para outro. A delegada Michelle Meira, coordenadora da Gerência de Proteção à Mulher (GPM) da secretaria, explicou que esse tipo de crime acontece devido a situações ligadas diretamente ao comportamento da sociedade, principalmente, dos homens.
"É uma pergunta bem complicada de se responder porque o feminicídio é um crime de extrema proximidade. Infelizmente, acontece devido a algumas situações que estão ligadas diretamente ao comportamento da nossa sociedade e, principalmente, dos homens como a cultura do machismo e o sentimento de posse em relação às mulheres", avalia.
A delegada ressalta que o Estado dispõe de serviços em que a mulher pode buscar apoio, em casos de violência. A Divisão Especializada da Mulher abarca todas as vias de atendimento de forma integrada às Delegacias de Atendimento à Mulher (Deams).
Na Grande Vitória, há ainda o Plantão Especializado da Mulher (PEM) e a Delegacia de Homicídios e Proteção à Mulher (DHPM), responsável pela apuração dos homicídios e feminicídios.
No Estado, há 14 delegacias especializadas para atender mulheres vítimas de violência. Na delegacia, a mulher pode solicitar a medida protetiva para afastamento do agressor.
A decisão, no entanto, cabe à Justiça, mas é a partir desse registro junto à Polícia Civil que são feitos os encaminhamentos. O pedido de proteção pode incluir a Patrulha Maria da Penha, serviço oferecido pela Polícia Militar.
Michelle conta que os policiais militares da Patrulha realizam as chamadas visitas tranquilizadoras, que não têm frequência, nem quantidade preestabelecida; o atendimento varia conforme cada caso.
"Esses conflitos acontecem dentro do seio familiar e devido ao comportamento do homem não aceitar, muitas vezes, o fim do relacionamento, em ter a mulher como sua propriedade. Infelizmente, enquanto a gente não conseguir virar a chave e mudar esse tipo de postura na sociedade, esses atos vão continuar acontecendo", destaca.
Não é qualquer assassinato de mulher que se enquadra como feminicídio. Se ela for morta em um assalto, por exemplo, o crime será o de latrocínio. Mas se ela morreu pelas mãos do ex-parceiro ou por causa do rompimento da relação, por exemplo, esse crime pode ser considerado feminicídio.
O Código Penal estabelece pena de reclusão de 12 a 30 anos para o homicídio contra a mulher por razões da condição de sexo feminino (feminicídio). A punição se equipara à aplicada em caso de homicídio qualificado.
Conheça as principais situações que levam a polícia a enquadrar uma ocorrência como feminicídio:
Algumas mulheres vítimas de violência doméstica acabam assassinadas dentro de casa pelos maridos, companheiros ou outros familiares durante os episódios de agressão. A motivação, em geral, é o machismo.
Algumas mulheres, após terminar namoros ou casamentos, acabam sendo ameaçadas até que são mortas pelos ex-parceiros. Geralmente esse tipo de crime ocorre porque o autor tem o sentimento de propriedade (se considera 'dono' da vítima), quer se vingar após uma rejeição ou por ciúmes. É um assassinato motivado pelo ódio contra essa mulher.
Há também o assassinato pela discriminação de gênero e misoginia. Isso ocorre quando o assassino tem aversão às mulheres. Esse sentimento alimenta o desejo de ser cruel com o sexo feminino. Em alguns casos envolve também violência sexual. São cometidos, algumas vezes, por desconhecidos ou por pessoas que a vítima até tem contato, mas apenas como amigo, na vizinhança ou por causa de uma relação profissional.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta