Depois que o Hospital Universitário Cassiano Antonio de Moraes (Hucam) se recusou a realizar o aborto da menina de 10 anos, grávida após ter sido estuprada em São Mateus, no Norte do Espírito Santo, uma discussão em torno do assunto foi levantada: em quais casos os médicos podem deixar de realizar o procedimento?
A interrupção da gestação foi autorizada pela Justiça estadual, por meio da Vara da Infância e Juventude de São Mateus, na sexta-feira (14). O juiz Antônio Moreira Fernandes atendeu ao pedido feito pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES).
Na tarde desta segunda-feira (17), o secretário de Estado da Saúde, Nésio Fernandes, e a superintendente do Hucam, Rita Checon, fizeram um pronunciamento sobre o assunto. Rita explicou que a paciente chegou ao hospital na sexta-feira (14) e foi acompanhada por uma equipe do Programa de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual (Pavivis).
Afirmando ter seguido os protocolos de atendimento do Pavivis, a equipe tomou a decisão de não realizar o aborto, tendo também como base a nota técnica do Ministério da Saúde para o abortamento humanizado. Segundo Rita, o documento de 2005 atesta que a interferência é considerada quando a gravidez está no limite de 20 a 22 semanas e um peso de até 500 gramas.
A criança não estava em risco iminente de vida, apesar de ter diabetes gestacional. A equipe do programa e do hospital, em conjunto, tomou a decisão de não realizar o abortamento legal. Essa menor tinha critérios para o abortamento legal, porém, não tinha critérios baseados no protocolo do Ministério da Saúde que estabelece esses limites. Baseado nisso, houve a negativa por não termos capacidade técnica de conduzir uma antecipação de parto de 22 semanas. A interrupção da gravidez nesse caso teria que seguir outro protocolo que o Hucam não está capacitado para a realização. Essa negativa foi absolutamente técnica, não houve viés ideológico ou religioso, ou interferência externa", garantiu Rita Checon.
Por causa da negativa da equipe médica capixaba, a criança foi levada na manhã deste domingo (16) para o Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), da Universidade de Pernambuco. No local, a interrupção da gestação foi concluída.
Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Espírito Santo, José Carlos Rizk Filho, o estupro é o principal crime que envolve este caso. De acordo com a Polícia Civil, o tio da menina é o suspeito e está considerado foragido desde o dia 12 de agosto. A prisão dele pode acontecer a qualquer momento.
O presidente da OAB-ES destacou que a lei não determina um limite temporal indicando o período em que uma gravidez possa ser interrompida nos casos de estupro, naqueles que oferecem risco à vida da mãe e nem nas gestações quando o bebê é diagnosticado com anencefalia.
Nós entendemos que o médico tem como se julgar apto ou não. Seja no ato técnico, seja do modo ético. Os médicos que realizaram essa interrupção e aqueles que se negaram a fazer isso, eu não entendo como criminosos nem de um lado, nem de outro. Existe sim uma liberdade médica, salvo se houvesse risco imediato. Certamente os médicos entenderam que essa criança poderia esperar pela viagem. Seriam omissos se houvesse risco de vida imediato. Mas não causou prejuízo, declarou.
O presidente do Conselho Regional de Medicina (CRM-ES), Celso Murad, explicou que os médicos têm autonomia para decidir executar ou não qualquer procedimento quando não há risco de morte para o paciente. Ele garantiu que os médicos do Hospital Universitário Antonio Cassiano de Moraes (Hucam) não sofrerão nenhuma investigação ou sanção ou parte do CRM.
Murad destaca que até mesmo em casos de aborto com fetos diagnosticados anencefalia, previsto em uma resolução do Conselho Federal de Medicina, o médico também tem o direito de não realizar o procedimento por motivos pessoais.
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