A violência doméstica faz vítimas diariamente no Espírito Santo, e "todo dia" não se trata apenas de força de expressão. Em um ano, mais de 11 mil mulheres pediram medidas protetivas contra agressores no Estado. É o que aponta o Anuário de Segurança Pública 2021 que, em números, revela ainda casos de mortes, abusos e outras agressões sofridas por elas em território capixaba.
Os indicadores foram apresentados nesta quinta-feira (15) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e referem-se a 2020. Ao todo, no ano passado, houve solicitação de 11.311 medidas de proteção, das quais 7.857 foram concedidas pela Justiça.
Para algumas mulheres, entretanto, o pedido não foi acolhido em tempo, como no caso da balconista Shirley Simões, 31 anos, assassinada em janeiro de 2020. Três dias após apresentar o requerimento da medida protetiva, ela foi morta e o principal suspeito era o ex-marido. No ano passado, 26 mulheres foram vítimas de feminicídio - crime motivado por violência doméstica ou por discriminação de gênero.
O feminicídio é um extremo de violência, mas raramente manifesta-se como o primeiro ato violento. Antes, a mulher já foi agredida verbalmente, psicologicamente e também fisicamente. O Anuário constata, por exemplo, que foram 2.480 ocorrências de lesão corporal por violência doméstica e outros 4.545 registros de ameaça.
O estudo mostra, ainda, que casos de assédio e importunação sexual também fizeram parte da realidade de 412 mulheres que, no ano passado, denunciaram os abusos.
Em um comparativo com 2019, apenas os casos de lesão corporal registraram aumento. Mas, apesar da sinalização de queda nos demais indicadores, não é algo a se comemorar. Além dos números ainda muito elevados de violência doméstica, a advogada Renata Bravo avalia com cuidado o resultado.
Para ela, que é mestra em Direitos e Garantias Fundamentais e idealizadora do coletivo Juntas e Seguras, a pandemia da Covid-19 pode ter provocado subnotificações de agressões, especialmente nos momentos em que a circulação das pessoas ficou mais restrita.
"Estávamos vendo, desde o ano passado, que as violências aumentaram no nosso dia a dia, mas os registros acabaram reduzindo. Um grande problema, principalmente logo no início de 2020 quando havia mais controle, maior vigilância devido à pandemia. Sempre orientamos que o primeiro lugar ideal a procurar, em caso de violência, era a delegacia, mas como fazer isso se a pessoa não podia sair de casa?"
As subnotificações, ressalta Renata, comprometem a implementação de políticas públicas porque os gestores não têm a real dimensão da violência. Outro complicador evidenciado pela pandemia é a desigualdade, cujo peso maior recai sobre as mulheres de mais vulnerabilidade social. Não significa que as agressões não atinjam as classes mais altas, porém, a falta de acesso à internet, por exemplo, impediu essa parcela do público feminino de notificar atos violentos - não podia sair e também não havia outro canal de comunicação.
"É preciso mais investimento, mas só se consegue fazer isso com políticas públicas. Como são escassas, é o terceiro setor, são as ONGs e os coletivos que estão agindo como poder público para garantir a segurança das pessoas, para ser rede de apoio. O enorme surgimento de coletivos logo no início da pandemia demonstra isso", pontua.
Renata Bravo critica o fato de o governo federal não ter aplicado parte do recurso disponível do Ministério da Mulher em ações de apoio para esse público, mas, por outro lado, valoriza iniciativas como a do Estado que lançou, em março, o aplicativo SOS Marias para acionamento em casos de violência.
A advogada lembra que as vítimas de violência também necessitam de uma rede de apoio pessoal, de acolhimento sem julgamento. Familiares, amigos, colegas de trabalho precisam estar atentos aos sinais dos abusos porque, em muitas situações, as mulheres não percebem as agressões.
Na opinião de Renata, as redes sociais também podem ser um espaço de ajuda para mulheres, seja para desabafar e encontrar suporte, como no caso da influencer Pâmella Holanda, seja para reconhecer-se numa condição de violência ao ouvir relatos semelhantes aos seus.
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