As cirurgias cardíacas realizadas em hospitais filantrópicos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) foram paralisadas no Espírito Santo em 16 de agosto. A medida foi adotada pela Medcardio. A empresa é conveniada com cinco entidades capixabas e alega rompimento de contrato por parte delas no fim de 2021. O Estado, por sua vez, entrou na Justiça, pedindo o retorno das operações.
No Espírito Santo, as cirurgias cardíacas ocorrem em cinco hospitais filantrópicos com contrato com a Medcardio. A empresa tem, em seu quadro societário, a maioria dos médicos cirurgiões cardiovasculares registrados no Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo (CRM-ES).
Hospitais filantrópicos onde ocorrem cirurgias cardíacas:
A Medcardio alega que houve redução no número de procedimentos cardíacos, falta de recomposição dos honorários médicos e atrasos no pagamento dos débitos dos hospitais filantrópicos. O advogado da empresa, Paulo Henrique Cunha, afirma que a interrupção ocorreu após as entidades descumprirem os contratos firmados.
“Houve uma quebra do contrato por parte dos hospitais, em outubro de 2021, levando a uma redução de 40% de pacientes. Essa redução ocorreu com a anuência da Sesa (Secretaria de Estado da Saúde). Em determinado momento, chegou a quase R$ 6 milhões a dívida com a Medcardio. Em razão disso, as propostas apresentadas foram inviáveis, e os hospitais diziam que o novo modelo financeiro não era viável”, contextualiza.
Sem acordo com a Sesa e a Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Estado do Espírito Santo (Fehofes), a Medcardio comunicou à pasta, no dia 12 de agosto, a suspensão total dos serviços a partir do dia 16 do mesmo mês, com a justificativa de que haveria “absoluta distorção do equilíbrio econômico-financeiro”.
O Ministério Público do Espírito Santo (MPES) se manifestou, notificando os hospitais filantrópicos a adotarem providências para garantir a continuidade das cirurgias cardiovasculares contratadas com a Sesa, para resguardar a vida e a saúde dos usuários do SUS.
A Sesa, por sua vez, expediu notificação às entidades contratualizadas com o Estado. Os hospitais responderam à pasta, informando que estavam adotando medidas junto à Medcardio para negociar os eventuais débitos existentes e buscando outros prestadores de serviço para substituição aos da empresa, além do ingresso de uma ação judicial para evitar a paralisação da prestação dos serviços de cardiologia.
No dia 17 de agosto, houve uma reunião na sede da Promotoria de Justiça Cível de Vitória. Os hospitais se comprometeram a cumprir o contrato em vigor e a manter os pagamentos, de acordo com o que já vinha sendo praticado. Uma nova reunião seria agendada para outubro de 2022, para que as propostas de recomposição fossem apresentadas e discutidas dentro de uma nova espécie de contrato, mas não há confirmação se ainda ocorrerá.
A reunião de agosto não resultou no retorno das atividades dos cirurgiões da Medcardio. Em entrevista à reportagem de A Gazeta no sábado (10), o secretário de Estado da Saúde, Nésio Fernandes, informou que mais de 40 pacientes chegaram a ficar na fila à espera de procedimentos cirúrgicos.
Uma fonte ouvida pela reportagem informou que um homem chegou a ficar 15 dias em estado grave, em um hospital da Grande Vitória, à espera uma operação, sendo necessário o uso de coagulantes. Após duas semanas aguardando, ele conseguiu realizar a cirurgia e já foi extubado.
O MPES e a Procuradoria Geral do Estado do Espírito Santo (PGE-ES) ajuizaram uma tutela antecipada visando a evitar a desassistência da população capixaba, “diante da possibilidade de morte de inúmeras pessoas que aguardam pelo atendimento médico”.
A juíza Sayonara Couto Bittencourt acatou a tutela no dia 30 de agosto, determinando que os serviços fossem retomados em 24 horas, sob multa de R$ 100 mil por dia por hospital.
Como a decisão não foi cumprida pela empresa, o Hospital Evangélico de Vila Velha (HEVV) e o Hospital Santa Casa de Misericórdia de Vitória romperam contrato com a Medcardio e contrataram profissionais de outros Estados. Esses novos contratos reduziram a fila e, no fim de semana, também de acordo com o secretário, havia apenas duas pessoas na espera.
“A preocupação do Estado está relacionada à garantia do acesso ao paciente do SUS e nós acreditamos que, ao longo dos próximos dias, esse assunto encontre um ponto de acordo entre todas as partes”, afirma Nésio Fernandes.
A Medcardio estava sob a presidência de Fabrício Otávio Gaburro Teixeira, também presidente do CRM-ES. Nesta segunda-feira (12), o órgão informou que Teixeira está licenciado das atividades na empresa. Em seu quadro societário, quase 73% de todos os profissionais médicos com especialidade em cirurgia cardiovascular são registrados no CRM-ES. E, dos 37 cirurgiões dessa especialidade com registro no órgão, 27 são sócios da empresa.
A Procuradoria Geral do Espírito Santo (PGE-ES) entende que essa situação coloca o Poder Público refém dos interesses da empresa. Na avaliação do procurador-chefe da Procuradoria da Saúde, Ricardo Cesar Oliveira Occhi, a decisão da Medcardio praticamente encerrou a realização de cirurgias cardiovasculares no Estado.
“Ela praticamente domina o mercado, no que se refere à cirurgia cardiovascular no Espírito Santo. Praticamente tornou a cirurgia cardíaca inviável no Estado. Nós entendemos que a empresa, no formato em que ela está, tem fortes evidências de que pratica uma atividade anticoncorrencial. Praticamente monopoliza esse tipo de serviço médico”, afirma.
“A Medcardio usou esse expediente como forma de pressionar, de praticamente colocar de joelhos as entidades filantrópicas, fazendo com que a população se volte contra as entidades e a Sesa, porque não há profissional para prestar serviço. Se entende que há uma conduta ilegítima por parte da empresa”, destaca o procurador-chefe.
Sobre a Medcardio ter sido presidida pelo presidente do CRM, o entendimento é de que não há ilícito, desde que não haja conflito de interesses. “Pode haver médicos que queiram prestar serviços para o Estado e não concordem com a decisão da empresa”, explica Ricardo Cesar.
1. A Medcardio voltou a atuar ou está descumprindo a decisão judicial?
De acordo as informações prestadas pelos Hospitais Filantrópicos à Secretaria da Saúde (Sesa), não houve retorno na prestação de serviços nos termos da decisão judicial.
2. Como está a fila de pacientes? Ela foi zerada ou há pessoas esperando por cirurgias ainda?
Segundo os hospitais, todos os pacientes que estavam internados aguardando implante de marca-passo foram atendidos no Hospital Santa Casa de Vitória e Hospital Evangélico de Vila Velha pelas novas equipes contratadas. Já as cirurgias cardíacas estão sendo priorizadas por gravidade, e a previsão é estabilizar os casos nos próximos dias. É importante destacar que os casos de emergência estão sendo atendidos nos hospitais.
3. Como é a questão dos valores pagos nas cirurgias?
Os hospitais filantrópicos são responsáveis por definir, com cada prestador, suas metodologias próprias de pagamento. A Sesa não intermedia negociação entre atores privados.
4. Há a tabela do SUS, mas o Espírito Santo entende que ela está defasada e dá mais recursos. De quanto é esse valor? Tem a tabela do SUS para nos enviar?
A Tabela SUS não é mais utilizada como padrão de remuneração de pagamento pelos serviços hospitalares faturados na rede SUS do Espírito Santo. Desde junho, a Sesa implementou um novo modelo de contratualização com a rede filantrópica baseada em pagamento por desempenho com precificação por orçamentação global mais o pagamento variável por produção da alta complexidade financiada pelo FAEC.
"A Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Espírito Santo (FEHOFES) vem a público informar que não tem medido esforços para garantir o atendimento de cirurgias cardíacas à população capixaba. A FEHOFES, entidade que representa as instituições responsáveis por 90% das cirurgias cardíacas feitas pelo SUS, durante meses tentou negociar com a empresa prestadora de serviços médicos aos hospitais, inclusive em reuniões mediadas pelo Ministério Público Estadual.
Mesmo assim, a empresa se manteve irredutível, tendo sido esgotadas todas as possibilidades de acordo.
Diante do encerramento dos contratos por parte da empresa prestadora de serviços médicos e do consequente aumento do número de pacientes internados aguardando cirurgia com agravamento dos casos, não restou outra alternativa, qual seja, a contratação de equipes cirúrgicas de outros estados.
Por fim, a FEHOFES esclarece que as novas equipes foram contratadas com a mesma remuneração rejeitada pela empresa anterior. Esses profissionais se sensibilizaram com a situação crítica dos pacientes e iniciaram os serviços, garantindo a assistência à população capixaba com o propósito de salvar vidas."
O embate reside no respeito e no exercício pleno para atendimento dos pacientes. Com a ciência da Sesa, os hospitais reduziram abruptamente, há 11 meses, o número de cirurgias em aproximadamente 40%. Aliado ao fato de terem uma inadimplência conjunta de quase R$ 6 milhões ao longo de meses. Isso foi sistematicamente alertado e notificado aos órgãos competentes, dando prazo para resolução.
Após mais de 75 dias sem qualquer resolução, o serviço foi suspenso, contudo, mesmo sem receber nada, os casos de emergência foram realizados ao longo desse período. A fila existente foi em decorrência dessa redução promovida pelos hospitais com a conivência da Sesa e alertada pela Medcardio há mais de 11 meses.
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