Desde o início dos primeiros casos de contaminação pelo novo coronavírus, na China, no final de 2019, outros continentes tiveram contato com a doença antes dela chegar ao Brasil, em fevereiro de 2020. Algumas dessas regiões conseguiram reduzir o risco de contágio ao adotarem medidas contra a disseminação da Covid-19. Mas muitos países voltaram a ter números preocupantes meses depois e cientistas atribuem a ausência da máscara e a exposição à lugares fechados como alguns dos fatores para o retrocesso.
No dia 7 de julho a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceu que há uma tendência de transmissão da Covid-19 pelo ar, atendendo a uma pedido feito por mais de 200 cientistas de todo mundo em carta aberta à instituição.
O coronavírus é transmitido por meio de gotículas expelidas por pessoas infectadas - principalmente durante fala, tosse ou espirro. De acordo com cientistas, há indícios de que o vírus pode viajar uma distância maior do que 2 metros em determinados ambientes. Ou seja, apenas o distanciamento de 2 metros pode não ser suficiente para evitar a contaminação.
"Existe um potencial significativo para inalação por exposição a vírus em gotículas respiratórias microscópicas (micropartículas) a distâncias curtas a médias (até vários metros) e defendemos o uso de medidas preventivas para mitigar esta via de transmissão aérea. Estudos dos signatários e de outros cientistas demonstraram que os vírus são liberados durante a expiração, a fala e a tosse em micropartículas pequenas o suficiente para permanecer no ar e representar um risco de exposição a distâncias superiores a 1 a 2 metros de um indivíduo", explicaram os cientistas na carta aberta.
Além do potencial de transmissão da Covid-19 pelo ar, principalmente em lugares fechados - os cientistas reconhecem, ainda, que o vírus pode ser inalado até três horas depois por várias pessoa.
Na carta aberta, os cientistas citam um estudo baseado em um almoço em um restaurante, na China. No dia 23 de janeiro, a cidade de Huwan - onde a pandemia começou, foi isolada. No dia seguinte, na Cidade de Cantão, cerca de mil quilômetros de distância, um homem recém chegado de Huwan reuniu a família em um restaurante. Ele não tinha sintomas, mas estava infectado pelo novo coronavírus.
As autoridades epidemiológicas da China perceberam que dez pessoas de três famílias diferentes, que almoçaram no restaurante naquele dia, foram infectadas. Mas nem todos tiveram contato físico com o homem assintomático e nem tocaram nas mesmas superfícies.
Pelas imagens das câmeras de segurança foi possível perceber que todos os infectados estavam sentados nas três mesas (uma ao lado da outra) do fundo do terceiro andar do restaurante, na linha de ventilação de um único ar-condicionado. As mesas ao lado de onde estava o infectado estavam a um metro de distância uma da outra. Os pesquisadores reconstituíram a cena usando bonecos com a temperatura dos ser humano e soltaram no ar um gás marcador que se propaga no ar, como o coronavírus, para poder representar a respiração do infectado.
Eles concluíram que o fluxo do ar-condicionado no ambiente fechado infectou as outras pessoas. Quatro da família do primeiro infectado, representados na pesquisa como mesa A, testaram positivo nas semanas seguintes. Também foram infectados três dos quatro membros da mesa ao lado (mesa B) e dois dos sete da mesa do outro lado (mesa C).
Paralelo a isso, estudos da Universidade de Cambridge mostram que uma pessoa que usa máscara sempre que sai em público tem duas vezes mais chances de reduzir a reprodução do vírus do que aquelas que só usam máscara após apresentarem sintomas. Além disso, as pesquisas mostram que, se ao menos metade da população usar as máscaras de forma rotineira, o risco de contágio (Rt) é reduzido para menos de 1 (para uma pandemia ser contida, o Rt deve ser menor que 1).
Outro estudo sobre o tema é o da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, que mostrou evidências de que o uso da máscara pode ser um dos fatores determinantes para evitar as infecções.
Para a pesquisa, apenas o isolamento social não é suficiente para impedir a aceleração e futuras ondas de contágio se paralelamente a isso não houver o uso correto e massivo de máscaras pela população. Richard Stutt, coautor do estudo e pesquisador de epidemiologia, afirmou em comunicado público que a combinação de distanciamento e uso de máscaras é a maneira mais eficaz de flexibilizar a quarentena de forma segura.
Para a epidemiologista Ethel Maciel, essa nova possibilidade de contaminação pelo ar levanta outras preocupações. A primeira delas é referente aos olhos - que não são protegidos pelas máscaras cirúrgicas e podem ser afetados pelo vírus. Ethel afirma que caso esses estudos sejam considerados pela OMS, pessoas que ficam mais exposta ao vírus - como trabalhadores de hospitais e motoristas de ônibus, por exemplo - precisarão usar proteções faciais que cubram todo o rosto. Já as pessoas que possuem menos contato (e um período menor) com o vírus, devem continuar usando as máscaras cirúrgicas ou também as proteções faciais.
Uma segunda preocupação com base na carta aberta, são os lugares fechados, onde a circulação de ar é menor. A epidemiologista afirma que esses estudos podem fazer com que as pessoas precisem fazer escolhas importantes quando for necessário sair de casa. Alguns exemplos são: entre visitar um amigo na casa dele ou vê-lo na rua, a segunda opção é mais segura. Da mesma forma que caminhar na rua é mais seguro que ir a uma academia - sempre com o uso de máscaras e sem aglomerações.
"Essa carta aberta sugere que é melhor pecar por excesso, mas ainda há muitas perguntas a serem respondidas. A contaminação pelo ar depende do tempo da exposição, da intensidade da exposição, ainda não se sabe quantas gotículas a pessoa precisa inalar para ser infectada, se todas as gotículas podem infectar alguém, o tempo exato dessas gotículas no ar... São muitas perguntas sem respostas. Mas o fato é: as máscaras são muito importantes e, agora, a preocupação de evitar ambientes fechados passa a ser ainda maior", disse Ethel.
Esses estudos podem ser, inclusive, um indicador importante para a alta contaminação dos profissionais de saúde, segundo Maciel. Com os novos indícios, a Covid-19 aproxima-se mais da tuberculose na forma de transmissão. Se as pesquisas forem consideradas pela OMS, será necessário mudar até mesmo o modelo de quartos de isolamento, que a epidemiologista explica não estarem preparados, atualmente, para evitar a contaminação pelo ar.
A carta aberta dos cientistas recomenda, ainda, que:
O comando da Organização Mundial de Saúde (OMS) foi questionado sobre o pedido dos cientistas para que entidade enfatize que existe o risco de transmissão por gotículas no ar da Covid-19. A coordenadora da unidade global de prevenção de infecções da OMS, Benedetta Allegranzi, afirmou durante coletiva de imprensa, no dia 7 de julho, que a questão é alvo de investigações em andamento.
Allegranzi afirmou, porém, que a OMS tem insistido na importância de medidas como o distanciamento físico e que se evitem aglomerações, especialmente em locais fechados - que devem ser ventilados sempre que possível. Além disso, ela afirmou que existe um debate sobre a transmissão pelo ar, mas ainda não com evidências sólidas para garantir que isso aconteça.
Embora no início da pandemia a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendasse o uso de máscara apenas a profissionais da saúde e pessoas doentes, essa orientação mudou em abril, quando a entidade passou a defendê-lo como parte de uma estratégia abrangente para ajudar a barrar o contágio pelo novo coronavírus.
No mesmo mês, o Ministério da Saúde também passou a recomendar o uso de máscaras caseiras à população. Há três meses, no Espírito Santo, a utilização passou a ser uma exigência para clientes e funcionários do comércio. Já em maio, o uso tornou-se obrigatório para comércio, indústria, serviço e passageiros do Transcol.
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