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Entenda os motivos dos constantes alagamentos em Vila Velha

Entenda os motivos dos constantes alagamentos em Vila Velha

Especialistas explicam motivos  que contribuem para o histórico de alagamento no município e apontam as possíveis soluções para o problema

Publicado em 9 de março de 2021 às 02:00- Atualizado há 4 anos

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 Alagamento na Avenida Francelina Setúbal, em Itapoã
Alagamento na Avenida Francelina Setúbal, em Itapuã . (Fernando Madeira)

Sempre que chove, os moradores de Vila Velha têm uma certeza: vai alagar. Muitos deles já têm os acessórios e as estratégias definidas para enfrentar os dias chuvosos, como o uso da capa de chuva, a bota impermeável para passar pelas ruas, além de levantar móveis e eletrodomésticos em casa para não correr o risco de perdê-los. Outros, como o autônomo Geraldo Horta Silva, de 60 anos, morador do bairro Pontal das Garças, só conseguiram escapar dos transtornos das chuvas quando construíram uma casa no segundo andar. 

“Moro aqui há 18 anos e perdi todos os meus móveis e eletrodomésticos quatro vezes, em 2005, 2008, 2010 e 2011. Quando começava a chover eu sempre suspendia tudo, mas a única solução que tivemos foi construir no andar de cima para morar. O andar de baixo, onde morávamos, não fica nada, é um local feito para a água da chuva”, comenta.

Já a coordenadora administrativa Romana Alaine, moradora de Cobilândia, não quer mais morar no município justamente devido às enchentes. “Quando começa a chover, eu tenho medo. Não gosto mais do barulho de chuva, que todo mundo diz ser bom para dormir. Já teve vezes de acordar à noite com a água em casa, e é uma angústia que não desejo a ninguém… Já perdi tudo várias vezes, e desisti. Coloquei o imóvel à venda e quero sair daqui”, lamenta. 

NOVO TEMPORAL

No último domingo (07),  os moradores de Vila Velha  voltaram a ser surpreendidos com uma forte chuva que deixou vários bairros alagados. De acordo com Defesa Civil estadual choveu um total de 115,93 milímetros em 24 horas, praticamente o que estava previsto para o mês de março.

O volume de água nas ruas era tanto que até carros caíram em valões, com motoristas não conseguindo distinguir os limites das pistas. Em um deles estava um casal de idosos que teve o carro completamente submerso. Dois shoppings da cidade foram afetados pelo temporal, em um deles, parte do teto de gesso desabou.

Mas a situação também ficou complicada em locais como Itapuã, Boa Vista, Itaparica, onde as ruas ainda estavam alagadas na manhã desta segunda-feira (08). Moradores em diversos bairros passaram boa parte do dia limpando suas casas e eliminando móveis destruídos pelo temporal.

Um carro com dois idosos caiu em um valão que corta a Avenida Francelina Setubal, em Itapoã
Um carro com dois idosos caiu em um valão que corta a Avenida Francelina Setubal, em Itapoã. (Fernando Madeira)

QUAL MOTIVO PARA TANTO ALAGAMENTO?

Diante deste cenário, fica a pergunta: por que Vila Velha sempre alaga? Quem nos ajuda a entender é a doutora em Planejamento Urbano e Regional,  professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e pesquisadora do Laboratório de Planejamento e Projetos (LPP/UFES), Daniella Bonatto.

Segundo ela os motivos dos alagamentos não se limitam ao fato de algumas regiões da cidade estarem abaixo do nível do mar. “A ocupação desordenada da cidade, o avanço do perímetro urbano, a impermeabilização do solo, a canalização dos rios, o assoreamento de cursos d’água, dentre outros fatores são responsáveis pelo histórico de alagamento que se estende há décadas”, salienta a professora.

Daniella explica ainda que outras cidades no Brasil e ao redor do mundo também apresentam áreas em cota abaixo do nível do mar, como Santos, em São Paulo, e Amsterdã, na Holanda. “Por mais que esse fator contribua para os alagamentos, não é ele o grande vilão. Quando uma cidade é ocupada, é necessário estar atento ao seu relevo e às suas bacias hidrográficas, que vão dizer para onde a água vai. Em Vila Velha, isso não aconteceu e não acontece ainda. Enquanto não houver um olhar sistêmico para o planejamento urbano e ambiental dos municípios, os alagamentos farão parte da realidade dos moradores”, destaca.

Quem também explica os alagamentos é o professor de Drenagem Urbana do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) e especialista em Infraestrutura, Daniel  Pereira Silva. “A maioria das cidades litorâneas do Espírito Santo têm essa característica de estar ao nível do mar ou abaixo por causa da presença da restinga, uma vegetação típica do Estado. Vitória é um exemplo de município que está ao nível do mar, mas por meio de obras de engenharias, não têm alagamentos sempre que chove. A topografia plana conciliada com a maré alta é um dos fatores, mas não o principal dos alagamentos”, justifica.

E QUAIS AS SOLUÇÕES?

A solução para os alagamentos de Vila Velha, de acordo com especialistas, vai além dos investimentos em macrodrenagens, mas do empenho do poder público e sociedade civil em aumentar a capacidade do município de captar, armazenar e escoar a água da chuva, além de medidas que contenham o avanço desordenado do perímetro urbano e, consequentemente, alteração nas características bioclimáticas da cidade.

Cada região do município vai demandar estudos para entender as características e soluções diferentes, mas a primeira coisa é respeitar as dinâmicas naturais da cidade, considerando o seu relevo, as suas baías, vegetação, córregos e rios. As obras de engenharia tratam apenas o efeito das chuvas e não a causa do problema. É importante, sim, obras que facilitem o escoamento da água e minimizem os efeitos do alagamento, mas também é preciso criar legislação para conter o avanço do perímetro urbano, que cada vez mais elimina a área verde da cidade, impermeabilizando o solo e trazendo diversas consequências, assim como é preciso incluir soluções de infraestrutura verde para ajudar na microdrenagem, como, por exemplo, aumento da arborização urbana, parques lineares ao longo de cursos d'água, jardins de chuvas, biovaletas, hortas urbanas, etc..." explica a professora Daniella Bonatto.

Quando o assunto é corresponsabilidade da sociedade civil, Daniella destaca que não se limita a não jogar lixo em locais inadequados para evitar os entupimentos na rede de esgoto. “Por mais que demande recursos, a população precisa ser incentivada a criar em sua casa formas de armazenar a água da chuva para ser descartada depois, evitando o colapso da rede hídrica da cidade, ou até mesmo fazendo o reuso. São medidas pequenas que vão melhorar a cidade de todos. O empenho tem que ser de todos.”, salienta.

Já o professor Daniel Pereira destaca que as obras de engenharia não resolverão os problemas de alagamentos em Vila Velha em sua totalidade, mas vão mitigar os seus efeitos, impedindo que os transtornos cheguem à população. “Criação de reservatórios, canais assoreados, investimentos em macro e micro drenagens, alternativas sustentáveis para o escoamento da água em espaços públicos e privados, jardins pluviais e uma cidade mais verde são os caminhos para evitar as enchentes”, finaliza. 

Estragos causados pela chuva que atingiu a cidade no domingo, 07/03
Alagamento na Avenida Jair de Andrade em Itapuã, Vila Velha. (Fernando Madeira)

O QUE DIZ A PREFEITURA

Procurada, a Prefeitura de Vila Velha informou que o sistema de microdrenagem coleta água das redes de manilha das vias e dos ramais da caixa ralo para conduzir a água pluvial até o sistema de macrodrenagem. Estão em andamento obras de drenagem nos bairros Ponta da Fruta, Balneário Ponta da Fruta, Cidade da Barra, Praia dos Recifes, Barra do Jucu, Praia de Itaparica, Barramares e Ulisses Guimarães. 

Desde o início da gestão, as equipes das regionais de manutenção têm trabalhado para desobstruir o sistema, limpá-lo e substituir manilhas. Após o período de chuvas, as equipes estão percorrendo toda cidade para identificar os pontos de alagamento e elaborar um plano de redimensionamento da rede para evitar que esses pontos voltem a alagar.

A Prefeitura disse ainda que, em parceria com o Governo do Estado, estão em andamento as obras de Macrodrenagem dos Canais do Congo e da Costa. Também pelo Governo do Estado está em fase de licitação as obras de Estação de Bombeamento em Cobilândia, e já foi dada ordem de serviço para Estação de Bombeamento do Canal da Costa.

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