Episódios de chuva intensa alagaram municípios da Grande Vitória rapidamente no dia 23 de dezembro de 2024 e na última terça-feira (7). Mesmo sendo comuns temporais nesta época do ano, a velocidade com que a água subiu e deixou as cidades intransitáveis, surpreendeu. Mas por que isso tem acontecido com tanta frequência? Especialistas ouvidos por A Gazeta avaliam que a maré alta e a falta de drenagem são fatores que influenciam no ritmo do escoamento de áreas de alagamento.
Entre o fim do ano e março, o Espírito Santo é sempre atingido por grandes volumes de chuva. É o período em que a Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) entra em atuação e traz grandes precipitações ao Estado. Por essa razão, é comum ver enchentes e deslizamentos de norte a sul do Estado.
O que tem chamado a atenção dos capixabas, no entanto, principalmente de quem mora na Grande Vitória, é a velocidade com que a água tem subido e, em poucos minutos, alagado ruas e avenidas e parado o trânsito, como ocorreu nesta semana. Em Vitória, Vila Velha, Cariacica e Serra, a água tomou conta das vias e impediu o fluxo de veículos e pedestres.
O engenheiro ambiental André Rocha destaca que fenômenos meteorológicos, como a zona de convergência, resultam, de fato, em grandes acumulados de chuva em poucas horas, mas não são os únicos responsáveis pelos alagamentos nas cidades. Ele cita, por exemplo, que o impacto pode ser maior dependendo do nível da maré.
“É claro que esses grandes volumes de chuva quando caem nas cidades possuem um maior potencial de dano, sejam alagamentos, sejam deslizamentos de terra. Isso se dá porque a água precisa escoar e, nessas regiões, o escoamento se dá principalmente por córregos que normalmente são canalizados ou por drenagens artificiais criadas para direcionar a água para o mar. Pude visualizar na tábua de marés que as chuvas aconteceram num momento pouco propício ao escoamento. A maré estava aumentando enquanto a chuva estava caindo e acumulando na cidade. Isso certamente contribuiu para o alagamento”, destaca.
Na mesma linha, o doutor e mestre em Ciência Florestal e Ambiental Luiz Fernando Schettino ressalta a necessidade de os estudos sobre o nível das marés começarem a ser incluídos nos prognósticos climáticos.
“A gente observa que investe, investe, investe e a coisa não muda. Quando se anuncia que vai ter chuva, tem que ter um alerta sobre a questão do nível da maré. Quando chove em um período em que a maré está mais alta, há uma dificuldade de escoamento. Precisa ter uma orientação à população sobre como vai estar a maré quando está prevista chuva forte. Nem todas as águas são bombeadas, há uma dificuldade maior para as águas abaixarem das ruas."
Os especialistas avaliam, ainda, que a falta de drenagem adequada tem sido determinante para os alagamentos ocorridos na Região Metropolitana.
“O entupimento dos bueiros dos canais de escoamento é sim um contribuinte também para alagar. A gente tem que destacar sempre o nosso papel como população, de não jogar lixo na rua, sempre utilizar lixeiras, colocar o lixo à disposição da coleta pública momentos antes da coleta passar. Todas essas ações contribuem para evitar que a chuva carregue esse lixo para os bueiros, causando a ineficiência da sua função de drenagem”, pondera André Rocha.
“Quando você chega em Viana, por exemplo, estão aterrando áreas úmidas no entorno do município, áreas que chamamos de recargas hídricas. Quando tem chuva ali, ficariam milhares de litros de água, mas, quando você aterra, essa água vai para outro lugar e alaga. Esse entorno da BR 101 e da BR 262 não pode continuar sendo aterrado como está ocorrendo. Você tira o local das águas permanecerem, essas cisternas naturais”, adverte Schettino.
André e Schettino entendem ser necessário que o poder público estude maneiras de não comprometer a impermeabilização do solo, como forma de mitigar os alagamentos.
“Tenho batido na tecla, no caso de Vitória, para a questão das áreas mais íngremes, os morros. A quantidade de água que desce é enorme. Em alguns lugares desses, tem que fazer uma cisterna, um projeto para captar essa água e não deixar ela ir toda para a rua. As chuvas não irão diminuir”, sustenta Schettino.
“As áreas impermeabilizadas intensificam o escoamento superficial, sobrecarregando os canais de drenagem e causando mais enchentes. Quando a gente possui áreas verdes, o escoamento superficial diminui, porque a gente tem infiltração de água no solo e diminui também a velocidade do escoamento superficial e isso faz com que o sistema de drenagem seja menos sobrecarregado. Isso, automaticamente, diminui a intensidade dos alagamentos”, afirma André Rocha.
Na avaliação de André Rocha, ainda é difícil relacionar esses alagamentos às mudanças climáticas. No entanto, estudos científicos têm mostrado que eventos climáticos extremos estão cada vez mais comuns. “A gente precisa se acostumar com esses eventos, nos preparar e passar a reagir às informações que a gente recebe”, orienta.
“Recebi, mesmo viajando, uma comunicação por SMS da Defesa Civil dizendo da possibilidade de ter chuvas intensas. A gente precisa se preparar e se conscientizar dos potenciais danos que essas chuvas podem causar. A gente já possui um planejamento da Defesa Civil de vários municípios quanto a preparação e resposta a esses eventos. Então, a gente precisa dar mais atenção a eles e às comunicações, às previsões meteorológicas que recebemos”.
Após os alagamentos intensos, diversos moradores da Capital associaram o problema ao programa de recapeamento asfáltico iniciado pela Prefeitura de Vitória, que, em alguns casos, acabou encobrindo bueiros.
Na avaliação de André Rocha, é difícil relacionar os alagamentos às novas camadas de asfalto em Vitória. “O asfalto já existia, o trabalho realizado foi de recapeamento, então não teve área nova impermeabilizada."
Luiz Fernando Schettino, por sua vez, concorda que colocar asfalto onde já havia não aumenta o alagamento, mas ressalta que a prefeitura precisa ter atenção e não prejudicar a drenagem das ruas.
“Existem técnicas para deixar locais de drenagem no meio-fio, com manilhas por baixo. Às vezes, um erro num bueiro pode contribuir muito e juntar água. Essa chuva foi volumosa, mas tem jeito de canalizar, como na região do Shopping Vitória. Há maneiras de fazer. É necessário pensar nas coisas de forma ampla e não simplesmente jogar um asfalto. É necessário a prefeitura rever esse asfaltamento e ver se algum ponto não foi comprometido."
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