Na sessão da Câmara Municipal de Vitória da última terça-feira (9), a vereadora Karla Coser (PT) afirmou, durante a discussão de um projeto de lei, que "homens trans também engravidam". A afirmação gerou deboche entre os colegas de parlamento, que classificaram a situação como uma "aberração".
O vídeo de Karla chegou até o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL), que, em um post nas redes sociais, ironizou a fala da vereadora: "Homem que engravida?", perguntou o filho "03" do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
De fato, homens transexuais engravidam e isso tem se tornado cada vez mais comum, segundo médicos. Em abril deste ano, o paulista Rodrigo Brayan deu à luz uma menina, em Montes Claros, Minas Gerais. O caso ficou nacionalmente conhecido e Rodrigo registrou toda a gestação em uma conta no Instagram (@fofuxostrans), onde ele e a mulher esclareceram dúvidas sobre o processo.
O primeiro caso de um homem transexual grávido aconteceu nos Estados Unidos, em 2008. O americano Thomas Beatie resolveu engravidar após descobrir que a esposa era estéril. Ele recorreu a um banco de sêmen e gerou o próprio filho.
Os homens transexuais são pessoas que nasceram com a genitália (vagina) e órgãos reprodutores femininos, mas que, ao longo do tempo, durante o desenvolvimento, não se consideravam mulheres.
Por não se reconhecer no próprio corpo, uma pessoa transexual pode passar por uma cirurgia de redesignação sexual. No caso de um homem trans, isso pode ser feito por meio da retirada das mamas e de órgãos reprodutores, como ovário e útero.
A cirurgia, contudo, não é uma regra, e vai depender de como cada pessoa se sente em relação aos órgãos com os quais nasceu.
"O grau de conforto da pessoa com o próprio corpo e o quanto isso a incomoda é muito individual. Uma pessoa não é menos transexual porque decidiu não fazer uma cirurgia. A transexualidade é sobre como a pessoa se vê e não sobre o órgão genital que ela carrega", explica o integrante do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades no Espírito Santo (Intra-ES), Miguel Perin.
Uma vez que os órgãos reprodutores femininos são mantidos, o homem trans tem a possibilidade de engravidar e gerar um filho, assim como acontece com uma mulher.
Segundo o médico ginecologista Emmanuel Nasser, o processo da gestação é o mesmo, assim como o parto. A única diferença é que, no caso de homens trans que usam testosterona, a medicação precisa ser interrompida.
"É uma gestação como outra qualquer, não é de alto risco, não tem que ter cuidado especial nem ser tratada como um bicho de sete cabeças. Qualquer obstetra pode fazer o acompanhamento, não precisa de um especialista para pré-natal. Para uma pessoa engravidar, ela só precisa de um útero. E se o homem trans preservou esse órgão, ele consegue", explicou.
Nasser pontua que assim como podem gerar um bebê, homens trans também podem amamentar. Para isso, é necessário que eles tenham mantido as mamas.
"Se o homem trans ainda possui as mamas, quando engravidar ele vai produzir leite e pode amamentar, se quiser. Há casos de homens que não querem, ou que já retiraram o órgão e, por isso, não podem. E aí a gente busca outras formas para a amamentação, assim como acontece com as mulheres", destacou.
Atualmente, Nasser faz o pré-natal de um casal que tanto o homem quanto a mulher são trans. Na avaliação dele, as redes sociais têm trazido mais visibilidade para essas pessoas e, consequentemente, mais informação.
"Hoje em dia temos Tammy Gretchen, a deputada Erika Malunguinho e tantas outras pessoas que dão visibilidade à causa e que antes não eram vistas. Isso permite que se discuta mais sobre isso", afirmou.
Na opinião da médica ginecologista Neide Boldrini, a falta de conhecimento das pessoas sobre o que é uma pessoa transgênero acaba gerando desinformação e dificuldade para entender por que um homem trans pode engravidar, por exemplo.
"Às vezes as pessoas confundem a parte afetiva com a sexual. Eu nasci mulher e me reconheço enquanto mulher, mas eu posso ser heterossexual ou lésbica. Um homem trans pode se relacionar com uma mulher ou com outro homem, e uma coisa não depende da outra", destacou.
Ser ou não transexual tem a ver com a identidade de gênero, ou seja, a forma como a pessoa se reconhece. Se uma pessoa nasceu biologicamente com o sexo feminino e se enxerga como mulher, ela é uma mulher cisgênero, mas se ela se enxerga como um homem, é um homem transexual.
Já ser homossexual, heterossexual ou bissexual diz respeito à orientação sexual de uma pessoa, com quem ela se relaciona. Se uma pessoa têm relacionamentos com outras do sexo oposto, ela é heterossexual, se é do mesmo sexo, homossexual, e quando se relaciona com os dois sexos, bissexual.
Por isso é que uma pessoa trans pode ser heterossexual, homossexual ou bissexual.
"Vejo que o grande problema hoje está na aceitação das pessoas, no acolhimento. O homem trans quer ser respeitado pela forma como ele se reconhece, e ele não pode ser tratado como uma mulher, porque ele não se enxerga assim. Um homem trans que engravida não é uma mulher, ele é um homem trans", finalizou Boldrini.
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