O Espírito Santo alcança mais um triste registro ao ultrapassar, na tarde deste domingo (12), a marca de mais de 2 mil mortes por Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus. De acordo com informações do Painel Covid-19, ferramenta da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), o Estado registrou 2.010 mortos pela doença.
A virada ocorre um mês após o Estado alcançar o registro de mil óbitos decorrentes da contaminação pela doença, que ocorreu no último dia 13 de junho. Os dados revelam ainda outro triste marcador: a doença tem alcançado com mais voracidade a população negra, que responde por cerca de 42% dos óbitos, segundo dados divulgados até a última sexta-feira (10).
Uma camada da população, que segundo a definição do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do entendimento do Movimento Negro, é formada pela junção dos pretos e pardos.
Um número que pode ser ainda maior se levar em consideração que no levantamento realizado pela Sesa há uma parcela expressiva da população que não declarou a sua raça. Eles aparecem no quesito raça como ignorado, registrando um total de 17,38% das mortes.
Confira as mortes por raça até a última sexta-feira (10), quando foram registrados 1967 óbitos:
Uma boa parte destas mortes ocorreu nos bairros de periferia da Região Metropolitana de Vitória. É o caso de Planalto Serrano, Feu Rosa, Novo Horizonte e Vila Nova de Colares, na Serra; Itararé, Maria Ortiz Santa Martha, Nova Palestina, em Vitória. Locais de grandes aglomerados urbanos, como observou a professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Maria Helena Elpídio, membro da Unidade Negra Capixaba (UNC).
Outro dado que confirma como a população negra vem sendo afetada pelo novo coronavírus é a Quarta Etapa do Inquérito Sorológico da Covid-19, realizado pela Sesa, que visa conhecer o impacto da doença na sociedade. O resultado revela que mais de 70% dos entrevistados testaram positivo para a doença.
O que vem acontecendo com a população negra durante a pandemia é uma tragédia, observa a professora. Há uma banalização quando a morte chega às periferias, onde fica o silêncio, onde não se tem acesso a políticas públicas, onde não é ouvida a voz destas pessoas, que enfrentam dificuldade para fazer isolamento, para obter o auxílio emergencial porque não contam com internet para fazer a solicitação, com transporte público lotado, destaca.
A forma como vêm sendo conduzidas as políticas públicas de combate à pandemia, com destaque para o tratamento direcionado à população negra, levou a Unidade Capixaba Negra (UNC) a se retirar e não participar dos grupos de trabalho, os chamados GTs do governo estadual, destinados ao combate à doença.
Segundo a professora Maria Helena, os índices de óbitos pela Covid-19 mostram a desigualdade existente entre as pessoas brancas e negras, sendo as últimas as mais afetadas pela doença. Quando a doença chega nas periferias a letalidade é maior, assim como a transmissão. Decidimos participar das discussões para agilizar um conjunto de proposições para resguardar vidas, com atenção especial para a população negra, relata.
Mas as discussões não avançaram, revela a professora, ao ser constatado que a participação da UNC seria apenas consultiva, não teriam direito a deliberar por ações mais efetivas. Reivindicamos que a nossa participação fosse de decisão e gestão porque a cada dia mais pessoas estão morrendo e a burocratização implica em vidas perdidas. Fizemos um comunicado ao governo que a condição era do grupo ser deliberativo e que por isto a UNC, lamentavelmente, avalia e chega a conclusão de que os movimentos sociais que representam boa parte da população não tem espaço para serem ouvidos, assinala Maria Helena.
A UNC, que reúne dezenas de instituições que representam o movimento negro no Estado, entregou ao governo estadual um documento Reivindicações e Propostas da Unidade Negra Capixaba para o Enfrentamento aos Impactos da Covid-19 na População Negra do ES, que apresenta um conjunto de proposições objetivando a proteção e a preservação de vidas e que podem ser postas em prática em várias secretarias.
De acordo com o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), no primeiro trimestre de 2019, a população capixaba era de 4.003.175 habitantes. Desse total, 51,7% são pardos, 35,9% são brancos, 11,6% são pretos, 0.4% são indígenas e outros 0.4% são amarelos (de origem oriental). Ao todo, 634 não apresentaram declaração de cor.
A partir da definição do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do entendimento do Movimento Negro, negro é a junção dos pretos e pardos, portanto representa 63,3% da população capixaba.
No item intitulado Deficiência das Condições de Moradia, a Síntese dos Indicadores Sociais do Espírito Santo 2018, elaborada pelo IJSN, apontou que 13,4% das pessoas autodeclaradas pretas, 11,1% das pessoas pardas e 6,3% dos brancos residentes no Estado vivem em moradias inadequadas.
Por nota, a Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDH) informa que as reivindicações da Unidade Negra Capixaba (UNC) para o enfrentamento aos impactos da Covid-19 na população negra do Estado foram recebidas em reunião que contou com a participação de representantes do grupo e da vice-governadora Jaqueline Moraes.
Explica que adiante as solicitações do movimento e diversos diálogos, o governo criou três Grupos de Trabalho (GTs) ligados às áreas de Educação, Assistência Social e Saúde, e que outros grupos serão criados para discutir as propostas encaminhadas, diz o texto da nota.
A Secretaria informou ainda que os grupos de trabalho não têm caráter deliberativo, mas que os trabalhos continuarão sendo realizados e ressalta que não tem medido esforços para fazer as articulações necessárias no sentido de garantir a execução de políticas públicas específicas para a população negra.
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