Um grupo formado em grande parte por estudantes realizou na noite desta segunda-feira (21) um ato de apoio à professora Rafaella Machado, da Escola Estadual Renato Pacheco, em Jardim Camburi, Vitória. Aos gritos de "Rafaella Machado, estamos com você", o grupo seguiu da praça Nilze Mendes até o portão do colégio, no bairro.
O vereador de Vitória Gilvan da Federal (Patriota) encaminhou à mãe de uma estudante da Escola Estadual Renato Pacheco um áudio em que afirmou que ia "aguardar na saída", nesta segunda-feira (21), a professora, que ministrou uma tarefa escolar sobre os significados do termo LGBTQIA+ e o Mês do Orgulho LGBTQIA+ , para deixá-la "acuada".
"Estamos na manifestação, pois não temos tolerância com racista, preconceituoso e com quem não tem respeito. Estamos representando a Rafaella Machado porque o vereador quis ameaçá-la, estamos aqui com ela e não vamos tolerar o preconceito. Homofobia não é opinião, é crime", pontuou a estudante Júlia de Almeida Salsa, 18 anos.
A consultora de vendas Mell Nascimento, 34, participou do ato de apoio e fez questão de levar a filha Helena, de 9 anos.
"Eu trouxe minha filha para ela entender como é uma manifestação. Estou aqui para ensiná-la e para apoiar a Rafaella. Esse é o mês de orgulho LGBTQIA+ e é triste ver esse preconceito e essa limitação na educação. Estamos em defesa da liberdade de expressão também", afirma.
Na frente da escola, a professora Rafaella se juntou ao grupo ao terminar o horário do expediente. Ela foi recebida com flores e aplausos.
"Eu sempre dei esse tema no mês de junho. Nunca houve uma reação adversa tão violenta quanto essa. Isso é antidemocrático, isso vai contra os princípios de uma nação que preza por educação. Eu tenho muito orgulho de ser professora. Essa manifestação e o apoio que estou recebendo mostram o quanto a ação do vereador é homofóbica, antidemocrática e truculenta", disse a professora, enquanto exibia uma bandeira com as cores do arco-íris, símbolo do Movimento LGBTQIA+ .
Durante o ato, algumas pessoas acenderam velas e colaram cartazes com frases "Força, Rafaella. Apoiamos você".
Já acompanhados da professora Rafaella, o grupo caminhou novamente até a praça Nilze Mendes, em Jardim Camburi, onde a profissional discursou para os apoiadores.
"Eu sou muito grata a todos que estão aqui me apoiando. Não sou uma professora que se acua facilmente, é estranho e assustador um sistema permitir que esse tipo de situação siga acontecendo com professores. O vereador nos tentou acuar, em especial porque estava eu, a pedagoga e a coordenadora, pois somos todas mulheres. Esses alunos são adolescentes, são seres críticos e em processo de formação. Não são influenciáveis como o vereador disse", destacou a professora.
O caso ocorreu após a mãe reclamar com o parlamentar sobre a atitude da docente na aula on-line, alegando que o tema não deveria ser abordado na escola. A mensagem, enviada por Gilvan para a mãe, foi compartilhada pela mulher em um grupo de responsáveis pelos estudantes no WhatsApp.
A atividade da disciplina de Inglês, para alunos do 1º ano do ensino médio, fornecia um texto, retirado da Livraria do Congresso Americano (Library of Congress – LOC, na sigla em inglês), sobre os significados do termo LGBTQIA+ e o Mês do Orgulho LGBT, celebrado em junho.
Após ser acionado pela mãe da aluna, Gilvan enviou um áudio, em que informou quais atitudes tomaria sobre o caso, inclusive externou que pretendia "deixar a professora acuada". "Amanhã, eu vou conversar com a diretora e dizer que, se isso não resolver, eu vou representar a professora no Ministério Público e, na segunda-feira, vou olhar olho no olho com essa professora, vou aguardar ela na saída e nós vamos bater boca, vamos discutir, mas eu vou filmar tudo. Eu quero deixar ela acuada".
Na sexta-feira (18), Gilvan esteve na escola para conversar com a professora Rafaella Machado, 35 anos, responsável pela disciplina. Funcionários da unidade disseram que ele entrou em uma área restrita e disse à docente que a atividade era um "absurdo" e que "tomaria as medidas cabíveis". Ele confirma o encontro, mas nega ter invadido uma área restrita.
Rafaella informou que não poderia conversar com o vereador, porque ministraria uma aula naquele horário. O parlamentar, então, foi recebido pela coordenadora da escola.
O caso foi levado à Polícia Civil. A professora registrou um boletim de ocorrência contra Gilvan por ameaça e intimidação. Ela cita a tentativa de acuá-la e intimidá-la durante o trabalho.
O secretário estadual de Educação, Vitor de Angelo Amorim, escreveu uma mensagem nesta segunda-feira (21) no Twitter em apoio à professora. "Manifestamos nossa solidariedade à professora da rede estadual intimidada no exercício do seu trabalho e repudiamos qualquer atitude dessa natureza. Acionamos o Ministério Público para apurar as ameaças atribuídas ao vereador Gilvan da Federal contra a nossa servidora", publicou.
A Secretaria Estadual de Educação (Sedu), responsável pela escola, disse que está acompanhando o caso e que vai representar contra Gilvan no Ministério Público do Espírito Santo (MPES) por "possível ameaça" contra a professora. "A Sedu informa que acompanha o caso e que tomará as medidas cabíveis junto ao Ministério Público diante da possível configuração de ameaça contra a professora", diz a nota.
O texto fornecido aos alunos para a atividade aborda o significado de cada letra da sigla LGBTQIA+ e conta a história da origem do movimento nos Estados Unidos. O objetivo da tarefa era interpretar o conteúdo em inglês e responder a perguntas objetivas em português. De acordo com a professora, Rafaella Machado, a atividade foi elaborada seguindo as diretrizes curriculares e acompanhada pela equipe pedagógica da escola.
As questões que os alunos deveriam responder referem-se a informações tratadas ao longo do texto, como qual é o mês do orgulho LGBTQIA+, onde surgiu a primeira passeata do movimento e qual o objetivo de celebrar a data. Em um outro trecho, o conteúdo também narra dificuldades de um professor para lidar com a homofobia em sala de aula.
A docente explica que todos os anos, no mês de junho, que marca a data de combate à homofobia, leva para a sala de aula textos sobre o cotidiano, que, de alguma forma, inserem o tema em sala de aula. Segundo ela, essa metodologia, que é prevista na base curricular nacional, também é utilizada no mês de março, em que se debate o empoderamento feminino, e no mês de novembro, em que se aborda o combate ao preconceito racial.
A professora relata que a forma como o vereador tentou abordá-la, dentro das dependências da escola, foi agressiva. Como teria que ministrar uma aula, ela pediu para que ele procurasse a pedagoga e a coordenadora da unidade. "O vereador ultrapassou o portão da escola e veio atrás de mim, disse que queria falar sobre a atividade que dei e que iria tomar providências contra mim. Fez isso de uma forma agressiva, tanto em relação a mim como a outras mulheres que estavam lá na hora", afirma.
O vereador Gilvan da Federal disse que vai representar contra a escola no Ministério Público por conta da atividade escolar sobre o tema LGBT. Negou, porém, ter ameaçado a professora. Ele alega que sua ação foi motivada por um pedido da mãe da aluna.
A mãe da aluna que se queixou da atividade foi procurada pela reportagem de A Gazeta, mas não foi localizada.
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