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Estudo que testa incidência da Covid-19 vira caso de polícia no ES

Estudo que testa incidência da Covid-19 vira caso de polícia no ES

Pesquisa nacional começou na quinta, mas ofício do Ministério da Saúde chegou ao ES na sexta. Pesquisadores do Ibope acabaram detidos em São Mateus, no Norte do Espírito Santo

Publicado em 18 de maio de 2020 às 10:37

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Testes coronavírus
Testes coronavírus . (Ministério da Saúde )

Um atraso na comunicação entre o Ministério da Saúde e municípios fez com que um grande estudo nacional sobre o novo coronavírus virasse caso de polícia. Na última quinta-feira (14), uma pesquisa da Universidade Federal de Pelotas começou a testar pessoas de 133 cidades do país. Segundo a universidade, a pesquisa, feita em parceria com o Ministério da Saúde, pretende estimar quantos brasileiros já tiveram a Covid-19.

A instituição de ensino informou que o Ministério da Saúde se responsabilizou por fazer contato com os municípios, por meio de ofício, para que a população fosse informada da realização do estudo. Já as entrevistas são feitas por meio de visitas domiciliares, conduzidas por equipes do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope).

A Reportagem de A Gazeta teve acesso a um ofício encaminhado pelo Ministério da Saúde aos Estados e Municípios. O documento comunica a realização da pesquisa, pedindo apoio das autoridades. Mas, pelo menos o ofício ao qual a reportagem teve acesso, só foi enviado na sexta-feira (15), mesmo o estudo tendo começado no dia anterior.

Ofício encaminhado pelo Ministério da Saúde aos estados e munícipios
Ofício encaminhado pelo Ministério da Saúde aos Estados e Munícipios. (Reprodução )

A Secretaria de Estado de Saúde (Sesa) confirmou que a comunicação do Ministério da Saúde só chegou ao Estado um dia após o início do estudo. Em nota, a Sesa classificou o episódio como: “atraso da comunicação do Ministério da Saúde com os municípios”.

No Espírito Santo, as cidades escolhidas para o estudo foram: Vitória, Cachoeiro de Itapemirim, Colatina e São Mateus. De acordo com o Ministério da Saúde, essas “cidades sentinelas” foram escolhidas por serem municípios sede de cada sub-região intermediária do país, de acordo com critérios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

SÃO MATEUS

Esse atraso na comunicação com os municípios fez o estudo virar caso de polícia. Em São Mateus, no Norte do Espírito Santo, na quinta-feira (14), equipes que trabalhavam na pesquisa foram encaminhadas para a delegacia. A situação aconteceu após a população suspeitar dos pesquisadores e denunciar a situação para a Secretaria de Saúde do município. 

Aspas de citação

Nós não recebemos nenhum tipo de comunicação oficial que essas equipes estariam aqui na quinta-feira. Então recebemos a denúncia de que pessoas estavam indo nas casas e fazendo coleta de material para fazer um teste de coronavírus. Um morador disse que não conhecia as pessoas como sendo do município. Então, eu solicitei que a PM fosse ao local e averiguasse a situação, e essas pessoas acabaram sendo encaminhadas para a delegacia

Henrique Luis Follador
Secretário de Saúde de São Mateus
Aspas de citação

O secretário afirmou ainda que só na tarde de sexta-feira (15) a prefeitura foi comunicada que a cidade de São Mateus tinha sido selecionada para participar do estudo.

“Nossa ação inicial foi preventiva, no sentido de tantos oportunistas que vivenciamos diariamente nesse cenário pandêmico, que investem, sistematicamente, nos serviços de saúde. A função nossa foi no sentido de proteger a nossa população, porque desconhecíamos a pesquisa”, finalizou Follador.

POLÍCIA CIVIL

A Polícia Civil informou que três pessoas foram conduzidas à Delegacia Regional de São Mateus, onde declararam que estavam na cidade a serviço de uma empresa de pesquisas. Os três assinaram um Termo Circunstanciado, com base no artigo 41 da Lei das Contravenções Penais: provocar alarma, anunciando desastre ou perigo inexistente, ou praticar qualquer ato capaz de produzir pânico ou tumulto. Os detidos foram liberados para responder em liberdade, após assumir o compromisso de comparecer em juízo.

POLÍCIA MILITAR

Também por meio de nota, a PM comentou o caso. "No final da tarde da última quinta-feira (14), policiais militares foram acionados, pois, segundo informações da Secretaria de Saúde do município de São Mateus, dois indivíduos estariam se identificando como funcionários da saúde, visitando residências e colhendo sangue para fazer o teste da Covid-19 no bairro Cohab.

No local, os militares encontraram dois indivíduos com vários materiais e lixo biológico. Eles relataram aos policiais que estavam fazendo uma pesquisa vinculada a uma empresa particular a cerca do coronavírus, em que eles estavam colhendo sangue, realizando teste da Covid-19 e informando o resultado. Foi mantido contato com o secretário de Saúde do município e o coordenador da Vigilância Sanitária, que informaram não ter conhecimento de nenhuma pesquisa ou teste em São Mateus.

As autoridades ainda disseram que para realizar os testes o encarregado deve ser formado na área de saúde com diploma ou formação médica. Posteriormente, compareceu ao local uma mulher se identificando como supervisora de campo informando que estava coordenando uma equipe de 17 pessoas em diversos bairros do município de São Mateus realizando testes da Covid-19 e nenhum deles tinha formação na área de Saúde, apenas um treinamento prático. Devido ao fato, os dois homens e a mulher foram levados para a Delegacia Regional do município", conclui a nota.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

Em nota, a Universidade Federal de Pelotas, afirmou que a situação não virou caso de polícia apenas no Espírito Santo. Segundo a UFPel, em quase 40 cidades, os pesquisadores estão de braços cruzados, esperando autorização dos gestores municipais.

“Nas situações mais graves, os entrevistadores do Ibope foram detidos, com uso de força policial, tendo sido tratados como criminosos. Trata-se de cerca de 2.000 brasileiros e brasileiras, que estão trabalhando para sustentar suas famílias, numa pesquisa que pode salvar milhares de vidas, e que mereciam proteção das forças de segurança e uma salva de aplausos por parte de toda a população. Ao contrário, as forças de segurança, que deveriam proteger os entrevistadores, foram responsáveis por cenas lamentáveis e ações truculentas, algumas delas felizmente registradas”, afirmou a instituição.

A coordenadora do estudo na UFPel, professora Mariangela Freitas da Silveira, lamentou que transtornos como esse tenham acontecido, mas reconheceu que a comunicação com os municípios apresentou falhas.

“A gente sabe que houve falhas enormes de comunicação, e estamos tentando solucionar isso. A prefeitura obviamente tem que saber que uma equipe está chegando ao município”, destacou a especialista, afirmando que a universidade pretende assumir um protagonismo nas ações de comunicação com os municípios que participam do estudo.

ESTUDO JÁ FEZ O TESTE EM 340 PESSOAS NO ES

Apesar do atraso na comunicação entre o Ministério da Saúde e os municípios participantes do estudo, 340 moradores do Espírito Santo já foram testados, segundo informações da  Universidade Federal de Pelotas. De acordo com os critérios do Ministério da Saúde, 250 testes devem ser realizados em cada uma das 133 cidades participantes da pesquisa. 

VITÓRIA

Segundo os dados da Universidade Federal de Pelotas, atualizados na noite deste domingo (17), em Vitória, os 250 testes previstos nessa fase da pesquisa já foram realizados. Apesar disso, a Secretaria Municipal de Saúde informou que não foi comunicada oficialmente sobre a pesquisa do Ministério da Saúde.

CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM

Outro município capixaba selecionado para a pesquisa, Cachoeiro de Itapemirim, no Sul do Estado, informou que não foi comunicado do estudo. Através de nota, o Executivo destacou também que não tem conhecimento que nenhum profissional envolvido com a pesquisa tenha sido detido ou agredido na cidade. No município já foram realizados 43 testes.

Dados da testagem nos municípios capixabas
Dados da testagem nos municípios capixabas . (Reprodução/ Universidade Federal de Pelotas )

COLATINA

A Prefeitura de Colatina, no Noroeste do Espírito Santo, confirmou que recebeu uma notificação oficial da pesquisa na sexta-feira (15). A prefeitura não relatou nenhum transtorno causado pelo estudo na cidade. Entre os colatinenses, 23 testes já foram aplicados.

SÃO MATEUS

Em São Mateus, antes de os pesquisadores serem encaminhados para a Delegacia, 24 testes foram aplicados.

A reportagem também procurou o Ministério da Saúde, mas o órgão não respondeu os questionamentos feitos. 

O QUE DIZ O IBOPE

Em nota, o Ibope informou que os entrevistadores não querem falar sobre esse assunto.

"Em São Mateus, a equipe toda teve que assinar um termo circunstanciado. Em Cachoeiro, não tenho informações sobre assinatura de termo.

Todos os entrevistadores que realizam essa pesquisa estão identificados por um crachá da empresa, têm em mãos frascos de álcool gel, sacos de lixo infectante e caixas de descarte de materiais hospitalares. Também têm um folheto que explica o que o entrevistado deve fazer em caso de resultado positivo.

Todos os entrevistadores que estão realizando as entrevistas foram testados e apenas aqueles que apresentaram resultado negativo irão às ruas para realização da coleta de dados e aplicação do teste sanguíneo. Esses profissionais foram devidamente treinados por um especialista da área de saúde e estarão utilizando os equipamentos de proteção individuais (EPIs), conforme orientação do Ministério da Saúde. São eles: máscaras descartáveis, toucas descartáveis, aventais descartáveis, sapatilhas descartáveis, óculos de proteção e luvas. Além disso, todos os entrevistadores terão em mãos frascos de álcool gel, sacos de lixo infectante e caixas de descarte de materiais hospitalares.

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Eles estão autorizados a realizar esse trabalho. O IBOPE Inteligência e a Universidade Federal de Pelotas consultaram a Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), que autorizou a utilização de entrevistadores e pessoas que não são formadas em enfermagem nesta pesquisa por entender se tratar de um procedimento simples. A equipe foi treinada por biomédicos e técnicos de enfermagem para as questões de biossegurança para a realização da coleta. A aplicação do teste rápido não exige a solicitação de um médico ou enfermeiro", finaliza a nota.

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