Desde o ensino fundamental, Gustavo Sily Belloni, 19 anos, e seu avô Chicre Sily Neto, 74 anos, têm uma parceria nos estudos. Ambos conversam sobre o desempenho, relacionamentos dentro da instituição e até participação de projetos. E quando Gustavo entrou na Fucape para cursar Economia, a parceria não mudou muito. Chicre continuou a acolher os papos sobre as atividades, passou a ir aos eventos e ações coletivas na faculdade, mas sempre respeitando os limites do neto.
Gustavo explica que essa relação é uma atitude bacana e o ajuda a mostrar para o familiar os resultados positivos alcançados na instituição de ensino. É uma forma de corresponder o investimento feito pelo avô.
O jovem conta que, na Fucape, onde estuda, existe um programa para conectar estudantes, familiares e professores. "A universidade é uma excelente oportunidade para troca de ideias. E um caminho para o crescimento do diálogo entre mim, meu neto e os outros alunos. Acredito que, nesses eventos, consigo ter uma troca de opiniões sobre os mais diversos aspectos da vida acadêmica e da vida em si. Somos de gerações diferentes e também temos experiências diferentes que precisam ser compartilhadas", aponta Chicre.
Assim como Gustavo e o avô Chicre, a universitária Jéssica Fernanda Glicério Borges, 20 anos, quando entrou na faculdade, teve o apoio e parceria de sua mãe, a autônoma Maria Santa Glicério, 44 anos. Elas conversam sobre as histórias do dia a dia, como funciona o curso, as matérias e os próximos passos no ensino superior.
"Conversei com minha mãe sobre meu desejo de fazer Relações Internacionais e depois Arqueologia no exterior. Ela me apoia e pesquisa para entender ambas as áreas. Não me sinto estranha nem vergonha de tê-la me acompanhando na vida acadêmica", destaca a universitária.
Apesar dessa participação, ambas também deixam claro que o apoio não pode ultrapassar as linhas da independência de Jéssica.
“Quando ela entrou na faculdade, foi o dia mais feliz da minha vida, então, só fui uma vez lá (na faculdade), quando fomos fazer a matrícula. Jéssica é desenvolvida e desenrolada, pois, desde que ela era pequena, eu a ensinei a ser independente, a fazer compras, ir ao mercado e andar na rua. Aqui em casa, ela é responsável pela organização das contas de casa”, explicou Maria.
Maria Santa Glicério e Chicre Sily Neto fazem parte dos familiares que acompanham os filhos na vida escolar, mas não os submetem a uma superproteção. Entretanto há pais que ultrapassam a linha e vão às faculdades para, além de conhecer, resolver problemas sobre notas, matérias e reprovações, interferindo em todos os aspectos da vida do estudante.
Segundo instituições no Estado, os pais da nova geração universitária querem acompanhar mais de perto o desempenho dos filhos Por isso, devido às demandas, alguns centros de ensino estão criando ações para facilitar esse diálogo.
A coordenadora de Psicologia da Estácio, Satina Pimenta, é uma das responsáveis pelo atendimento dos alunos que vão individualmente e acompanhados pelos pais ao Núcleo de Apoio e Atendimento Psicopedagógico (NAAP).
De acordo com ela, na maioria das vezes, a procura na instituição ocorre antes de os estudantes entrarem na faculdade. Quando é assim, os profissionais acompanham a família e tiram as dúvidas. Mas há situações em que os pais querem intervir nos problemas do filho na faculdade.
“Já tive um aluno que reprovou ao não conseguir apresentar o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de forma adequada. Os pais foram até NAAP (Núcleo de Acessibilidade e Apoio Psicopedagógico) para tentar passar o aluno. Precisamos sentar e conversar com a família para explicar que era necessário fazer o TCC novamente”, contou.
A pedagoga do Núcleo de Acolhimento Pedagógico e Desenvolvimento Docente e Discente (Naped) da Emescam, Melayne Benício Azevedo, conta que o maior motivo de os pais entrarem em contato com a faculdade não são as notas ou reprovações, mas a preocupação com a saúde mental dos estudantes.
“Quando os pais vêm até mim ou outros profissionais com esse pedido, explicamos para eles que temos toda a intenção de ajudar o aluno, contudo, é preciso que ele esteja junto se for maior de idade.”
A Fucape também tem se adaptado a esse novo momento. Pelo Programa Desenvolvimento Humano Integral (DHI), composto por uma equipe de psicólogos, coordenação da graduação e corpo docente, a faculdade dá apoio aos estudantes e recebe a família sob a autorização quando os estudantes são maiores de idade.
Com ações coletivas, integração e workshop, a faculdade atende, em média, de 20 a 30 familiares por semestre. Em atendimentos individuais, são recebidas aproximadamente 10 famílias.
A Faesa também conta com núcleos e coordenações com profissionais preparados para receber tanto alunos quantos os pais que os acompanham.
“Quando demandam algo à instituição, as famílias são acolhidas de forma personalizada pela coordenação do curso. Entendemos que isso é uma importante parceira no processo de desenvolvimento pessoal e profissional durante a jornada acadêmica dos alunos”, ressalta a Faesa.
Segundo os profissionais ouvidos pela reportagem de A Gazeta, a interferência de familiares na vida estudantil de filhos na faculdade pode trazer problemas no futuro, mas há casos que esse acompanhamento de perto é relevante.
Para a pedagoga Melayne, se o aluno passa por dificuldades, a participação da família pode ser importante para esse jovem se encontrar. Mas ela fala que a cobrança quando o estudante está aproveitando o período no curso superior pode ser sufocante. E por isso é importante trabalhar para alertar esses pais superprotetores.
“Lidamos muito com essa questão de o pai estar do lado do aluno para o crescimento dele, mas esse jovem tem toda condição de crescer, de ganhar maturidade e evoluir sozinho na sua trajetória acadêmica.”
Após a formação na faculdade, vem a fase de entrada no mercado de trabalho. Os alunos que tiveram os pais ou familiares superprotetores na graduação podem sofrer nessa busca pelo emprego ou mesmo ter dificuldades no trabalho.
Essa é a avaliação da psicóloga Gisélia Freitas, especialista em Pessoas e Carreiras. A profissional explica que os pais que criam filhos muito dependentes estão formando profissionais hipersensíveis que acabam não desenvolvendo certas habilidades como inteligência emocional e social.
Gisélia ressalta que a superproteção pode render crises de ansiedade e outros problemas emocionais quando essa pessoa tiver frustrações no mercado de trabalho. É importante, com isso, dar mais autonomia, já pensando no futuro.
“Primeiramente, os pais precisam estar próximos para apoiar, mostrar opções e não influenciar na decisão. Um exemplo é a escolha da roupa para sair. É a criança e o adolescente que devem decidir como querem se vestir. Se a família sempre escolhe, contribui para que esse filho seja acostumado a ter alguém tomando as decisões por ele.”
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