A QMC Telecom, empresa que perfurou um duto de gás durante a instalação de rede de telefonia 5G em Vitória, no último dia 7, deixando quatro bairros sem abastecimento, tinha autorização para realizar perfurações de até 2,8 metros de profundidade na Avenida Dante Michelini, em Camburi. A tubulação fica a 1,2 metro de profundidade na região, de acordo com a ES Gás, concessionária responsável pela distribuição do gás natural canalizado no Espírito Santo. No entanto, especialista ouvido por A Gazeta e a agência que regula o setor apontam que a empresa deveria ter mapeado o local antes da obra.
A informação sobre a autorização para intervenção até 2,8 metros foi confirmada pela Prefeitura de Vitória, que foi quem deu permissão à QMC para a perfuração. A administração da cidade afirma, contudo, que alertou a empresa de telefonia sobre a presença de gasodutos sob a via. Após o rompimento, 13 mil pessoas ficaram sem gás nos bairros Jardim da Penha, Mata da Praia, Bairro República e Goiabeiras, e o serviço só foi totalmente normalizado na noite da quarta-feira (10).
Apesar da autorização dada pela prefeitura, a intervenção deveria acontecer apenas após estudo prévio. De acordo com a Agência de Regulação de Serviços Públicos (ARSP), que fiscaliza os serviços prestados pela ES Gás, entre as medidas de segurança para evitar a perfuração de dutos, está a manutenção de cadastro atualizado e georreferenciado (com localização precisa) das infraestruturas existentes no local onde se encontram os gasodutos.
A necessidade de levantamento anterior à obra é reforçada por Igor Dadalto, assessor do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-ES) e engenheiro mecânico e de Segurança do Trabalho. "Pelo que ocorreu, a empresa que executou esse serviço provavelmente não se atentou, não verificou por onde passa a tubulação. O colaborador que estava fazendo o trabalho pode ter dado sorte. Se fosse uma fiação elétrica, ele poderia ter tomado um choque", aponta
A QMC foi autorizada pela prefeitura a realizar um serviço de telefonia, em Camburi, por meio do chamado Método Não Destrutivo (MND). De acordo com Igor, esse procedimento se refere a técnicas que podem ser aplicadas em diversos tipos de obra e reduzem a necessidade de escavações maiores.
Ele explica, no entanto, que o método, apesar de ter "não destrutivo" no nome, não assegura que nada seja quebrado durante sua aplicação. "Não podemos levar ao pé da letra. Normalmente, nesse tipo de trabalho para passar tubulações de telefone, se faz uma perfuração direcional horizontal, que é a abertura de uma vala. Não é que ele não destrói. Só que não vai fazendo rasgos. Você planeja antes", esclarece o engenheiro.
De acordo com a prefeitura, por meio desse método, as escavações são feitas de 1 metro a 2,8 metros de profundidade, mas ressalta que a responsabilidade é da empresa. A administração municipal destaca que, na autorização prévia, constava o aviso de "atenção para redes de gás e esgoto".
Isso porque a técnica autorizada para aplicação pela empresa de telefonia permite uma perfuração mais profunda do que aquela em que estão localizados os dutos de gás na Dante Michelini, que estão a uma profundidade de 1,2 metro, segundo a ES Gás.
A profundidade em que passam os dutos de gás na Capital atendem à Norma Brasileira (NBR) 12712 de 2002, que exige que os canos estejam enterrados a, pelo menos, 90 centímetros.
Igor aponta que um diferencial da utilização do Métido Não Destrutivo é o mapeamento prévio do que passa pela região, como tubos de gás, esgoto, energia e telefonia. O procedimento é amplamente utilizado em outros países, justamente por reduzir a necessidade de intervenções maiores.
"Primeiramente, deve ser feita uma análise do local, justamente por questões de cuidados. É feito um check-list de acordo com a NBR (normas brasileiras para execução de intervenções). São feitos cálculos para ver onde o material, no caso a fibra ótica, vai percorrer", explica o engenheiro.
Além de verificar com empresas responsáveis se há, no local, a passagem de canos de água, esgoto, energia, gás, entre outros serviços, outra etapa do processo é fazer uma marcação na via — usando tinta, por exemplo — exatamente onde esses dutos passam, antes de realizar perfurações. Outro ponto importante, de acordo com o engenheiro, é que todo o plano de furo passa pela autorização de um engenheiro responsável.
O mapeamento da rede de gás em Vitória pode ser obtido junto à ES Gás. Veja na imagem abaixo.
A Arsp acrescenta, na nota à reportagem, que cabe ao ente que autoriza a realização da obra, no caso a Prefeitura de Vitória, verificar o cumprimento das exigências por parte da empresa que vai executar a intervenção. E que, diante da grande quantidade de serviços que compartilham as vias, é importante a existência de um ente responsável pela gestão dessas informações, como projeto de execução de obras, telefones de contatos e emergências e com capacidade de autorizar ou não as atividades.
A agência informa ainda que a ES Gás pode ser acionada para acompanhar a execução. "Entende-se como primordial, quando for executada alguma obra na localidade que possua gasoduto do serviço de distribuição, que ocorra a devida comunicação e a solicitação do serviço de acompanhamento de obras ofertado pela concessionária de gás", diz a Arsp.
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) foi contatada para dar mais detalhes sobre a instalação de redes 5G. Em resposta, a agência alegou não ser responsável pela instalação de infraestrutura, mas sim as prestadoras.
Na quarta-feira (10), o Procon de Vitória notificou a ES Gás e pediu dar detalhes sobre a perfuração, dando um prazo de 10 dias para a manifestação.
O Ministério Público do Espírito Santo (MPES) já iniciou uma apuração sobre o caso e pode propor uma ação civil pública em favor dos consumidores afetados pela suspensão no abastecimento de gás, segundo afirma o advogado Marcelo Pacheco Machado. Ele acrescenta que moradores e comerciantes prejudicados também podem, individualmente, recorrer à Justiça, solicitando indenização, tanto por dano moral quanto material.
A Arsp também está investigando a responsabilidade da concessionária no incidente.
De acordo com a Unidade de Fiscalização do Crea-ES, a QMC Telecom não tem registro no conselho estadual e, por isso, já tem um auto de infração lavrado pelo órgão.
A QMC Telecom foi procurada pela reportagem de A Gazeta, por diversos canais de contato, desde quarta-feira (10), mas não houve retorno.
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