Uma família de Vitória trava uma batalha na Justiça para que o plano de saúde custeie o tratamento de João Victor Ennes, de 26 anos, diagnosticado com Linfoma de Hodgkin (um tipo de câncer). Os familiares alegam que, desde 2016, a Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil (Cassi) tem se recusado a pagar os exames e, agora, se nega a realizar o tratamento "Cart-T Cell Therapy", de custo milionário e apontado como a uma única esperança de curar o jovem.
Em conversa com a reportagem de A Gazeta, a advogada Lilian Patrocínio Brandão Bastos, que representa a família, afirma que João Victor vem sofrendo com a reincidência da doença. Devido a esses episódios de retorno, o linfoma teria se transformado em Linfoma não-Hodgkin.
Essa mudança é um dos argumentos levantados pelo plano de saúde para não custear a "Cart-T Cell Therapy", orçada em R$ 2,7 milhões – a mesma pela qual passará o influenciador Jayme Reisen, pai dos quíntuplos capixabas, que recentemente fez uma "vaquinha" para custear o tratamento.
"É um procedimento muito novo, acabou de ser regulamentado e é caro. A Cassi negou veementemente, fala que o João Victor não estaria abarcado porque foi diagnosticado com Linfoma de Hodgkin e, agora, está com Linfoma não-Hodgkin, mas é câncer", declara a advogada. "Não significa que foi um câncer novo, mas que está no estágio mais avançado", continua.
O advogado Ricardo Garcia Ennes, de 58 anos, que é pai do jovem, afirmou que essa é a última esperança da família em relação à cura do filho. "Chegou a um ponto que só existe um tratamento que ele possa fazer com eficácia superior a 50% de chance de salvar a vida dele. Ele já começou a fazer alguns exames nesse tratamento”, afirma.
A reportagem de A Gazeta procurou a defesa da Cassi citada no processo. Por telefone, o escritório de José Francisco de Oliveira Santos afirmou que o advogado não pode se manifestar pela empresa e sugeriu que assessoria da empresa fosse procurada diretamente.
Em nota, a Cassi alega que "atenta à missão de prestar atenção integral à saúde de seus participantes, a Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil pauta as ações na responsabilidade e respeito aos contextos específicos, sem deixar de observar as legislações específicas e gerais que regem o setor, além dos contratos firmados com o público e determinações emanadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e pelo Poder Judiciário".
No entanto, o texto afirma que "primando pelo sigilo e confidencialidade da relação com seus participantes, a Cassi não divulga dados ou informações sobre serviços e coberturas prestados, especialmente quando se encontram sob tutela judicial".
A batalha da família contra a Cassi se arrasta desde 2016, ano em que o jovem recebeu o diagnóstico de Linfoma de Hodgkin. Na época, a família do paciente entrou com um pedido para que o plano de saúde realizasse o exame Pet-Scan e a terapia medicamentosa para esse tipo de câncer.
Como o plano de saúde se recusou, a família de João Victor entrou com uma ação na Justiça estadual em abril daquele ano, alegando que se encontrava em dia com as mensalidades e que entendia como abusiva a conduta da empresa.
"A gente teve que buscar a tutela judicial porque o plano se recusava a fazer o Pet-Scan e começou a ter uma postura de demorar para autorizar os procedimentos, até quimioterapias", declarou a advogada Lilian Patrocínio Brandão Bastos.
Na primeira decisão, que saiu dias depois, a juíza Rozenea Martins de Oliveira afirmou haver provas de que as prestações estavam em dia. Em um pedido de tutela antecipada de urgência, quando um juiz adianta os efeitos do julgamento de mérito, a magistrada determinou que o plano de saúde arcasse com os custos de tratamento e despesas hospitalares, sob pena de multa diária de R$ 1 mil.
“Sendo assim, havendo necessidade de tratamento específico na área de oncologia, como é o caso em questão, e primando-se pela tutela à vida e saúde da pessoa humana, havendo confirmação de se tratar de situação de urgência, não se torna razoável a recusa da operadora em desacordo com a prescrição médica que acompanha o paciente”, declarou.
Em novembro de 2016, a juíza proferiu uma nova decisão, salientando que o plano de saúde não havia cumprido a tutela de abril.
A Cassi alegou à Justiça que cumpria a determinação, mas a família de João Victor afirmava que a empresa procrastinava a realização de novos exames e o atendimento oncológico do paciente. A juíza, então, elevou para R$ 10 mil a multa em caso de novos descumprimentos.
Cerca de um ano depois, a família obteve uma sentença favorável ao jovem. Em maio de 2017, Rozenea Martins de Oliveira determinou novamente que a empresa autorizasse, de forma definitiva, os custos do tratamento e despesas hospitalares, sob pena diária de R$ 1 mil.
Ela também condenou a Cassi a reembolsar a família em R$ 3,4 mil pelos custos com o Pet-Scan não realizado pelo plano de saúde, o pagamento de R$ 4 mil a título de danos morais, devidamente acrescido de juros e correção monetária, além do pagamento das custas processuais.
“Nesse contexto, verifico que a ausência do tratamento para doença sob a qual o autor é acometido pode colocá-lo até mesmo sob risco de morte. Isso porque o cliente consumidor não possui responsabilidade por tais desacertos e fica à mercê destes entraves burocráticos, criados tanto pelas operadoras dos planos como pelos médicos em total desassistência”, afirmou a juíza.
Citada nos autos do processo, a Cassi rebateu os pedidos feitos pela família do jovem, alegando que o tratamento solicitado não estava coberto pelo contrato firmado entre as partes, motivo pelo qual não haveria que se falar em ato ilícito.
Apesar das determinações, uma decisão do desembargador Jorge Henrique Valle dos Santos destacou que, até dezembro de 2017, a empresa não havia atendido os pedidos da família. O relator intimou o plano de saúde a cumprir na íntegra o custeio dos tratamentos hospitalares, sob pena de multa diária de R$ 10 mil, bem como a caracterização de crime de desobediência.
A advogada da família, Lilian Patrocínio Brandão Bastos, explicou que a Cassi alegou nesse momento que não descumpriu as determinações e depositou os valores relativos ao dano moral e ao custo com o Pet-Scan, mas não teria pago as multas diárias.
Ainda no mesmo processo que se estende desde 2016, a família pediu para que a Cassi custeie o tratamento "Cart-T Cell Therapy". Segundo a advogada, o pedido à Justiça foi feito em dezembro de 2022 e segue em tramitação no Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), sem definição até o momento.
Anteriormente consultada pela reportagem, a oncologista Juliana Alvarenga explicou que as "Car-T Cells" são células produzidas em laboratório, derivadas dos linfócitos T do próprio paciente. "Em determinados momentos, os linfócitos T, que são nossas células de defesa, podem perder a capacidade de enxergar as células do câncer e destruí-las. As 'Car-T Cells' são linfócitos modificados que readquirem a capacidade de ver as células cancerígenas."
De acordo com a especialista, é uma terapia personalizada, em vez de medicamentos sintéticos que agem em alvos específicos. "Elas são capazes de identificar as células cancerígenas, pois é adicionado um receptor artificial, denominado antígeno quimérico ou 'Car', que permite a identificação específica das células cancerígenas", continuou.
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