Muito associado ao universo estudantil e não raro tratado como "brincadeira", o bullying extrapola os muros das escolas e acontece tanto presencialmente quanto na internet. Nas redes, é denominado cyberbullying, mas, independentemente do ambiente, essa prática violenta tem feito cada vez mais vítimas: de crianças a jovens como alvos, são registrados mais de sete casos todos os dias no Espírito Santo.
O levantamento é do Colégio Notarial do Brasil (CNB) — entidade que representa tabelionatos no país — que registrou 2.681 episódios de bullying em 2023 no Estado, mais que o dobro das ocorrências de 2018, quando houve 1.049 casos. E esses são apenas os oficialmente registrados para servir como documentação em uma eventual ação na Justiça. Muitos desses atos ficam somente no âmbito de escolas, ou, pior, sendo absorvidos e administrados só pelas vítimas.
E a tendência de aumento não é algo que se restringe ao Espírito Santo. No país, observa-se também a progressão de casos ao longo dos últimos anos. No mesmo período avaliado, de 2018 a 2023, passou de 144 mil para 185 mil ocorrências em todo o Brasil.
Stéfani Martins Pereira, do Conselho Regional de Psicologia do Espírito Santo (CRP-ES), avalia que o crescimento é resultado de dois fatores: mais casos efetivamente acontecendo e mais acesso à informação, levando a um posicionamento mais crítico em relação a violências que, anteriormente, eram aceitas e, consequentemente, à formalização de denúncias.
Além disso, afirma a psicóloga, o cyberbullying contribuiu para o problema ganhar escala, pois a velocidade de comunicação é grande, num espaço em que muitos se aproveitam para atacar outras pessoas na expectativa de não serem identificados e punidos.
O bullying é uma violência que se caracteriza por atos repetitivos, em geral, usando apelidos e outros termos pejorativos relacionados à cor, cabelo, tipo físico, orientação sexual, entre outras características da vítima. Pode acontecer na escola, nos cursos de idiomas, nos clubes, escolinhas esportivas, na internet. E não, não é brincadeira.
"O impacto na vida da pessoa é grande. Ela pode se isolar mais, ficar com medo, interferir na sua socialização", aponta Stéfani.
Esses são apenas alguns dos sinais. A psicóloga ressalta que a violência recorrente pode levar a sintomas de ansiedade, angústia, depressão até a casos de automutilação e ideação suicida. "É muito grave!", frisa.
Por isso, alerta Stéfani, as famílias e a escola precisam ficar atentas a mudanças de comportamento que possam indicar algum problema, como, por exemplo, o isolamento e a queda no rendimento escolar.
A psicóloga Priscila Maria do Nascimento Soares, gerente da Ação Psicossocial e Orientação Interativa Escolar (Apoie) da Secretaria de Estado da Educação (Sedu), conta que o setor foi criado para dar suporte às escolas da rede estadual em variadas abordagens, inclusive para prevenção e tratamento de casos de bullying.
O trabalho está sendo desenvolvido desde 2019, mas foi a partir do ano passado que as escolas passaram a receber uma atuação mais frequente das duplas — um psicólogo e um assistente social — que compõem as equipes da Apoie. Entre outras estratégias, são promovidas rodas de conversa com alunos, famílias e educadores para prevenção da violência e, quando registrados episódios, os casos são tratados individualmente.
O bullying, segundo observa Priscila, é um fenômeno complexo, multifacetado e, muitas vezes, o aluno, para se sentir superior ou se destacar entre os colegas, acaba agindo para diminuir alguém, seja por uma diferença física, seja por uma questão social e econômica em relação aqueles que apresentam condição mais vulnerabilizada.
Na Superintendência Regional de Educação (SRE) de Barra de São Francisco, o psicólogo Weverton Curty de Assis, da Apoie, reuniu no início do mês lideranças de turma das 21 escolas da região para uma oficina, cujo objetivo era a construção da cultura de paz. Ele usou como referência publicações jornalísticas para promover as discussões relacionadas à diversidade. Um dos enfoques era a educação antirracista e o respeito às diferenças.
Entre as questões debatidas surgiu a pergunta sobre o que os alunos poderiam fazer para evitar bullying, o racismo e outras violências no ambiente escolar. Depois, eles deveriam levar as reflexões para as suas escolas, multiplicando o conhecimento que adquiriram.
Para Eduardo Costa Gomes, vice-presidente do Sindicato das Empresas Particulares de Ensino do Espírito Santo (Sinepe-ES), o bullying é multifatorial, mas vê o aumento de casos como reflexo da alta exposição de crianças e jovens às redes sociais.
"Na internet, esse crescimento é exponencial. Se nem mesmo adultos estão dando conta, têm maturidade para o uso consciente das redes, imagine os mais jovens que não têm nem constituição neurológica completamente formada!"
Eduardo pondera que não se trata de uma justificativa para quem pratica a violência, mas é um contexto que precisa ser considerado, sobretudo pelas famílias, que devem estar atentas à conduta dos filhos.
"O bullying é sempre um desafio. São sujeitos em formação e uma das coisas que precisamos considerar é que é um sintoma, e não causa. O que a gente preza muito é para tentar conter e diminuir os casos. A escola tem um trabalho contínuo, formativo, mas é importante que as famílias também estejam nesse processo", ressalta.
Ele observa, por exemplo, que uma criança ou adolescente não tem autonomia para ter o próprio celular. Se usa, é porque foi dado e autorizado pela família. "Então, mais que o controle de uso, é a ética do uso. A escola tem um papel importantíssimo, mas a família tem esse papel de formação", sustenta Eduardo Gomes.
As redes municipais também têm suas estratégias para enfrentar o bullying. Seja na Região Metropolitana, seja no interior, há diversas iniciativas para prevenir e tratar dos casos.
A Secretaria de Educação de Jaguaré, por exemplo, dispõe de uma psicóloga em seu quadro para um trabalho preventivo nas unidades de ensino. Além disso, a patrulha escolar visita as escolas onde são constatados casos de bullying, e o município oferece palestras. "Neste ano, o município participa do Projeto MPT na Escola, que enfoca a Lei 13.185/2015 (Programa de Combate à Intimidação Sistemática – Bullying). A temática também faz parte do currículo escolar", diz a administração, em nota.
Palestras e rodas de conversa são ações frequentes, como o projeto da Serra "Território de Afetividade" e o de Afonso Cláudio "Todos contra o bullying! Bullying não é brincadeira!"
"Entre as temáticas, estão bullying, uso abusivo de internet e jogos, cyberbullying, assédio virtual, cuidados preventivos e uso responsável das redes sociais. O assunto também é discutido de forma transversal em disciplinas tradicionais", pontua a Serra, em nota.
Em Cariacica, foi instituído o círculo de paz como política de combate ao bullying e garantia de ambiente harmônico entre os estudantes e profissionais nas escolas da rede. Outras ações de promoção da cultura da paz na rede municipal são realizadas por meio do fomento à prática cultural.
Em Vitória, a Secretaria de Educação também trabalha junto às 104 unidades de ensino visando à promoção da cultura de paz, com ações formativas para os profissionais, círculos de construção de paz, rodas de conversas com estudantes e círculos de diálogos com as famílias.
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