> >
Famílias registram 7 casos de bullying por dia em cartórios do ES

Famílias registram 7 casos de bullying por dia em cartórios do ES

Violência, que afeta de crianças a jovens, é praticada tanto presencialmente quanto no ambiente virtual; veja como famílias e escolas podem lidar com problema

Publicado em 17 de julho de 2024 às 18:26

Ícone - Tempo de Leitura 6min de leitura
Bullying; sala de aula; escola; violência
O bullying é uma violência que se caracteriza por atos repetitivos, em geral, usando apelidos e outros termos pejorativos. (Freepik)

Muito associado ao universo estudantil e não raro tratado como "brincadeira", o bullying extrapola os muros das escolas e acontece tanto presencialmente quanto na internet. Nas redes, é denominado cyberbullying, mas, independentemente do ambiente, essa prática violenta tem feito cada vez mais vítimas: de crianças a jovens como alvos, são registrados mais de sete casos todos os dias no Espírito Santo. 

O levantamento é do Colégio Notarial do Brasil (CNB) — entidade que representa tabelionatos no país — que registrou 2.681 episódios de bullying em 2023 no Estado, mais que o dobro das ocorrências de 2018, quando houve 1.049 casos. E esses são apenas os oficialmente registrados para servir como documentação em uma eventual ação na Justiça. Muitos desses atos ficam somente no âmbito de escolas, ou, pior, sendo absorvidos e administrados só pelas vítimas. 

E a tendência de aumento não é algo que se restringe ao Espírito Santo. No país, observa-se também a progressão de casos ao longo dos últimos anos. No mesmo período avaliado, de 2018 a 2023, passou de 144 mil para 185 mil ocorrências em todo o Brasil. 

Stéfani Martins Pereira, do Conselho Regional de Psicologia do Espírito Santo (CRP-ES), avalia que o crescimento é resultado de dois fatores: mais casos efetivamente acontecendo e mais acesso à informação, levando a um posicionamento mais crítico em relação a violências que, anteriormente, eram aceitas e, consequentemente, à formalização de denúncias. 

Aspas de citação

O bullying reflete tensões da nossa sociedade. Violências no âmbito de raça, gênero, a homofobia, isto é, tudo o que ocorre na sociedade vai se reproduzir também no ambiente da escola

Stéfani Martins Pereira
Psicóloga e conselheira do CRP-ES
Aspas de citação

Além disso, afirma a psicóloga, o cyberbullying contribuiu para o problema ganhar escala, pois a velocidade de comunicação é grande, num espaço em que muitos se aproveitam para atacar outras pessoas na expectativa de não serem identificados e punidos. 

O bullying é uma violência que se caracteriza por atos repetitivos, em geral, usando apelidos e outros termos pejorativos relacionados à cor, cabelo, tipo físico, orientação sexual, entre outras características da vítima. Pode acontecer na escola, nos cursos de idiomas, nos clubes, escolinhas esportivas, na internet. E não, não é brincadeira. 

"O impacto na vida da pessoa é grande. Ela pode se isolar mais, ficar com medo, interferir na sua socialização", aponta Stéfani. 

Esses são apenas alguns dos sinais. A psicóloga ressalta que a violência recorrente pode levar a sintomas de ansiedade, angústia, depressão até a casos de automutilação e ideação suicida. "É muito grave!", frisa. 

Por isso, alerta Stéfani, as famílias e a escola precisam ficar atentas a mudanças de comportamento que possam indicar algum problema, como, por exemplo, o isolamento e a queda no rendimento escolar. 

Ação nas escolas

A psicóloga Priscila Maria do Nascimento Soares, gerente da Ação Psicossocial e Orientação Interativa Escolar (Apoie) da Secretaria de Estado da Educação (Sedu), conta que o setor foi criado para dar suporte às escolas da rede estadual em variadas abordagens, inclusive para prevenção e tratamento de casos de bullying. 

O trabalho está sendo desenvolvido desde 2019, mas foi a partir do ano passado que as escolas passaram a receber uma atuação mais frequente das duplas — um psicólogo e um assistente social — que compõem as equipes da Apoie. Entre outras estratégias, são promovidas rodas de conversa com alunos, famílias e educadores para prevenção da violência e, quando registrados episódios, os casos são tratados individualmente. 

O bullying, segundo observa Priscila, é um fenômeno complexo, multifacetado e, muitas vezes, o aluno, para se sentir superior ou se destacar entre os colegas, acaba agindo para diminuir alguém, seja por uma diferença física, seja por uma questão social e econômica em relação aqueles que apresentam condição mais vulnerabilizada. 

Aspas de citação

É muito comum o aluno que comete bullying sofrer violência em outro contexto. Pode, por exemplo, ser no espaço da família, quando é muito cobrado, ou mesmo violentado e, então, faz isso para extravasar o sofrimento. Tem várias nuances e analisamos cada situação

Priscila Maria do Nascimento Soares
Psicóloga e gerente da Apoie da Sedu
Aspas de citação

Na Superintendência Regional de Educação (SRE) de Barra de São Francisco, o psicólogo Weverton Curty de Assis, da Apoie, reuniu no início do mês lideranças de turma das 21 escolas da região para uma oficina, cujo objetivo era a construção da cultura de paz. Ele usou como referência publicações jornalísticas para promover as discussões relacionadas à diversidade. Um dos enfoques era a educação antirracista e o respeito às diferenças. 

Roda de conversa com líderes de escolas promovida pela SRE Barra de São Francisco
Roda de conversa com líderes de escolas promovida pela SRE Barra de São Francisco. (Weverton Curty)

Entre as questões debatidas surgiu a pergunta sobre o que os alunos poderiam fazer para evitar bullying, o racismo e outras violências no ambiente escolar. Depois, eles deveriam levar as reflexões para as suas escolas, multiplicando o conhecimento que adquiriram. 

Para Eduardo Costa Gomes, vice-presidente do Sindicato das Empresas Particulares de Ensino do Espírito Santo (Sinepe-ES), o bullying é multifatorial, mas vê o aumento de casos como reflexo da alta exposição de crianças e jovens às redes sociais. 

"Na internet, esse crescimento é exponencial. Se nem mesmo adultos estão dando conta, têm maturidade para o uso consciente das redes, imagine os mais jovens que não têm nem constituição neurológica completamente formada!"

Eduardo pondera que não se trata de uma justificativa para quem pratica a violência, mas é um contexto que precisa ser considerado, sobretudo pelas famílias, que devem estar atentas à conduta dos filhos. 

"O bullying é sempre um desafio. São sujeitos em formação e uma das coisas que precisamos considerar é que é um sintoma, e não causa. O que a gente preza muito é para tentar conter e diminuir os casos. A escola tem um trabalho contínuo, formativo, mas é importante que as famílias também estejam nesse processo", ressalta.

Ele observa, por exemplo, que uma criança ou adolescente não tem autonomia para ter o próprio celular. Se usa, é porque foi dado e autorizado pela família. "Então, mais que o controle de uso, é a ética do uso. A escola tem um papel importantíssimo, mas a família tem esse papel de formação", sustenta Eduardo Gomes. 

Municípios

As redes municipais também têm suas estratégias para enfrentar o bullying. Seja na Região Metropolitana, seja no interior, há diversas iniciativas para prevenir e tratar dos casos. 

A Secretaria de Educação de Jaguaré, por exemplo, dispõe de uma psicóloga em seu quadro para um trabalho preventivo nas unidades de ensino. Além disso, a patrulha escolar visita as escolas onde são constatados casos de bullying, e o município oferece palestras. "Neste ano, o município participa do Projeto MPT na Escola, que enfoca a Lei 13.185/2015 (Programa de Combate à Intimidação Sistemática – Bullying). A temática também faz parte do currículo escolar", diz a administração, em nota. 

Palestras e rodas de conversa são ações frequentes, como o projeto da Serra "Território de Afetividade" e o de Afonso Cláudio "Todos contra o bullying! Bullying não é brincadeira!"

"Entre as temáticas, estão bullying, uso abusivo de internet e jogos, cyberbullying, assédio virtual, cuidados preventivos e uso responsável das redes sociais. O assunto também é discutido de forma transversal em disciplinas tradicionais", pontua a Serra, em nota. 

Em Cariacica, foi instituído o círculo de paz como política de combate ao bullying e garantia de ambiente harmônico entre os estudantes e profissionais nas escolas da rede. Outras ações de promoção da cultura da paz na rede municipal são realizadas por meio do fomento à prática cultural.

Em Vitória, a Secretaria de Educação também trabalha junto às 104 unidades de ensino visando à promoção da cultura de paz, com ações formativas para os profissionais, círculos de construção de paz, rodas de conversas com estudantes e círculos de diálogos com as famílias.

Famílias registram 7 casos de bullying por dia em cartórios do ES

Este vídeo pode te interessar

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais