Eu não sei se você teve a oportunidade de ver a reportagem que passou no Fantástico, mas aquilo ali é o espelho da nossa realidade. Tem muito desacato, tem muita ofensa, intimidação, humilhação. Os maiores problemas que a gente tem durante a abordagem são com a população. A declaração é do chefe de fiscalização de Posturas da Prefeitura de Vila Velha, Sorrel Barcelos.
A reportagem citada por ele foi exibida domingo (5) e mostrou uma mulher, ao lado de um homem, ofendendo o Superintendente de Inovação, Pesquisa e Educação em Vigilância Sanitária, Fiscalização e Controle de Zoonoses da Prefeitura do Rio, Flávio Graça. Após o fiscal se referir ao homem como "cidadão", a mulher rebateu: "Cidadão não, engenheiro civil, formado. Melhor do que você".
Os fiscais que atuam na Grande Vitória garantem que a cena flagrada no Rio é semelhante ao que eles encontram, quase que diariamente, em bairros nobres e também na área periférica da região metropolitana capixaba. Para evitar aglomeração e o contágio pelo coronavírus, bares estão há mais de 100 dias proibidos de funcionar. Somente em Vitória, Vila Velha e Cariacica foram feitas 13.052 abordagens desde o mês de março.
No mesmo período, os três municípios receberam mais de 11 mil denúncias de funcionamento irregular ou aglomerações em estabelecimentos como cafeterias, restaurantes e bares. Em Vila Velha, os casos estão concentrados nos bares, restaurantes que acabam funcionando como bar, e também estão relacionados aos comerciantes ambulantes, como vendedores de churrasquinho que também oferecem cerveja.
"Tem também distribuidora de bebida que na prática é bar. Estabelecimentos dessa natureza são os campeões de ocorrências. O álcool é um elemento muito socializador e as pessoas acabam transformando tudo que pode vender álcool em um boteco. A questão não é o consumo do álcool em si, mas a aglomeração", relata Sorrel.
No município canela-verde, o trabalho, geralmente, é acompanhado por agentes da Guarda Municipal. Na avaliação de Sorrel, sem a presença da Guarda, os fiscais poderiam até mesmo sofrer agressões físicas durante as abordagens. Segundo ele, os comerciantes que descumprem o decreto de fechamento são receptivos à fiscalização. Quem não reage bem são os clientes que estão no local.
Em Vitória, a fiscal da Secretaria de Desenvolvimento da Cidade, Isamara Cruz, disse que tem sido comum bares funcionando com as portas fechadas, na tentativa de burlar a fiscalização. Em uma das abordagens realizadas no bairro República, o local estava lotado com idosos, considerados do grupo de risco para contaminação de coronavírus. Assim como relatado em Vila Velha, ela destaca que os comerciantes não costumam ser hostis. O desacato parte dos clientes.
As abordagens na Capital acontecem com o apoio da Guarda Municipal, Corpo de Bombeiros e Polícia Militar. De acordo com a prefeitura, a maioria das denúncias indicam aglomeração ou funcionamento irregular de estabelecimentos em Jardim Camburi e em Jardim da Penha. Fiscal há 10 anos, Isamara disse se sente preparada para qualquer tipo de ação. Para ela, o importante é o respeito.
A gente não é bem-vindo. Ninguém gosta de ser fiscalizado, essa é a verdade. A gente está acostumado a receber ofensas. Procuro manter o meu foco, o padrão de profissionalismo e o respeito para entrar e sair de qualquer situação. É um momento desafiador, estamos numa guerra invisível. Trabalho da melhor forma possível, respeitando o momento que o outro está vivendo.
A exposição durante os trabalhos de fiscalização resultaram na contaminação do secretário de Desenvolvimento da Cidade e Meio Ambiente, Claudio Denicoli. Após o diagnóstico positivo para Covid-19, o gestor municipal ficou 20 dias afastado da função. Claudio já está curado e disse que acompanha as equipes desde quando o governo determinou o fechamento dos bares.
De lá pra cá, a gente tem feito abordagens e autuações praticamente 24 horas por dia. Nós trabalhamos muito com a orientação. A gente não consegue estar no município todo ao mesmo tempo e sem a conscientização das pessoas, a gente não tem como obter resultado satisfatório. A nossa ideia nunca foi multar, porque o comerciante está passando por um desafio enorme", reconhece.
Até o dia 2 de julho, o governo de Cariacica realizou 7.200 abordagens e aplicou 112 multas no valor de R$ 1,764,08. Denicoli afirma que a expansão dos leitos e a garantia de atendimento aos pacientes com Covid-19 são importantes, mas acredita que a pandemia deverá ser superada no município quando houver entendimento da necessidade do isolamento social.
A suspensão do funcionamento dos bares, boates, casas de shows, museus, teatros, cinemas e espaços culturais no Espírito Santo foi prorrogada até o dia 31 deste mês. Esses estabelecimentos estão proibidos de funcionar no Estado há mais de 100 dias, como prevenção ao coronavírus.
Antes da crise, o segmento de bares e restaurantes no Espírito Santo tinha 18 mil estabelecimentos, mas o Sindibares estima que pelo menos 4 mil não aguentaram a crise e já fecharam as portas e que 25 mil trabalhadores do setor foram demitidos. O decreto em que aumenta o prazo dessas medidas mais restritivas foi publicado no Diário Oficial do Estado no dia 1º de julho.
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