Com o avanço no número de mortes registrado no Brasil, em especial durante o mês de março, a preocupação da vez também recai sobre o setor funerário. No sentido da possibilidade de colapso durante a pandemia, o cientista Miguel Nicolelis concedeu entrevistas a veículos de imprensa brasileiros, informando que o país corre este risco caso não adote restrições mais severas. Diante disso, a reportagem conversou com representantes do setor para entender como tem sido a demanda por urnas funerárias e que medidas já estão sendo tomadas.
Para evitar que se perca o controle da demanda, uma estratégia que vem sendo implementada entre as empresas funerárias é o esquema "estoque zero". Como diz Lourival Panhozzi, presidente da Associação Brasileira de Empresas e Diretores do Setor Funerário (Abredif), foi feito um "SOS urnas", que funciona como um acordo entre fabricantes para enviar urnas aos locais em que estão em falta. "Pedimos para que não sejam compradas mais urnas do que a necessidade exata de cada funerária", disse.
Segundo Panhozzi, se um Estado ou município entra em situação crítica, a informação é repassada entre os fornecedores para que caixões sejam direcionados para estes locais. "Só que a gente não sabe antes o comportamento do vírus em cada lugar, o que torna a logística ainda mais difícil. Não deve haver um colapso em nível Brasil, mas podem haver casos pontuais e vamos direcionar a força para aqueles lugares. Estamos falando de 13 mil empresas, 5 mil municípios, e não sabemos exatamente onde o vírus vai atacar de cada vez", ponderou.
A busca pelos serviços funerários vem crescendo e, para o presidente da Abredif, o cenário encontrado em março é muito preocupante para o setor. "De acordo com o Portal da Transparência dos Registros Civis, 70 mil pessoas a mais morreram no Brasil em março deste ano comparado ao mesmo mês em 2020, é como uma cidade que desapareceu. E essa diferença ainda pode aumentar, já que os registros de março são feitos até o dia 15 de abril. Nosso setor está se aguentando, inclusive não vejo outro setor que aguentou uma pressão tão grande. Houve empresa que chegou a 250% de atendimentos, 300% e não parou. Só que, ao contrário do que se pensa, estamos com prejuízo", pontuou.
Além do estresse notado nas equipes que trabalham em empresas funerárias, Lourival Panhozzi esclareceu que houve aumento no preço dos insumos para fabricação das urnas. Além disso, para atender à alta demanda, não estão sendo fabricados diversos modelos de caixões, mas apenas os mais simples.
"De fato a quantidade aumentou, mas também caiu qualidade, os serviços para nós estão mais caros. Restringimos a fabricação para dois modelos, pedimos para parar a fabricação dos mais elaborados e assim produzimos mais urnas por dia. Além disso, materiais que não usávamos, como os invólucros, que são sacos lacrados utilizados para casos de óbitos por doenças infectocontagiosas, estamos usando em quantidade absurda; além de várias luvas que aumentaram o preço, tudo subiu para nós. Não existe pessoa no Brasil se beneficiando nessa crise", disse o presidente da associação.
Para as empresas funerárias, o número de mortes que impacta é o absoluto. "E se considerar só o Espírito Santo nesse mês, ainda sem todos os óbitos registrados, já houve um aumento de mais de 40% em março. Faltam leitos, UTIs e até coragem para ir para o hospital. Estamos assustados e usando nosso estoque regulador, que era o depósito para fazer o giro. O que foi fabricado de urnas em março foi menor do que o necessário. Se o número não parar de crescer, nos preocupamos com colapso sim", concluiu.
Para entender a questão específica do Espírito Santo, a reportagem conversou com Nilson Batista Gonçalves, presidente do Sindicato das Empresas Funerárias do Estado do Espírito Santo (Sindefes), também comerciante do setor. Ele reforçou que as empresas estão se unindo para que não haja estoque, mas para que seja feito repasse a quem precisa de material.
"O nosso colapso seria por falta de material. As fábricas não estão dando conta, então cada um vai comprar só o que vende, não vai comprar a mais. Em último caso, se as empresas começarem a ter muito problema, convocaremos pequenas fábricas de móveis, por exemplo. Mas estamos evitando, não acredito que venha a acontecer o descontrole total", mencionou Gonçalves.
De acordo com ele, logo quando teve início a pandemia, a empresa dele, do ramo funerário, atendia em média cinco óbitos por dia, ao passo que hoje tem atendido entre 15 e 20. "Aumentou muito a demanda. No mês de março e agora no início de abril está sendo uma correria enorme. Todos os dias há casos da Covid, e vem aumentando muito mesmo com as novas variantes", acrescentou.
Na visão do fabricante de urnas funerárias em Guarapari, Ademilson Guilhermino, conhecido como Bené, o medo é faltar matéria-prima. Segundo ele, materiais como o MDF hoje não se acha mais. "Quando encontramos vem fracionado, não tem volume. Eu tenho matéria-prima para mais três ou quatro meses, com esperança de normalizar a situação. Mas, se piorar, tenho medo de faltar. Não estamos conseguindo acompanhar o giro de óbito, nosso serviço pelo menos dobrou", iniciou.
Bené explicou que a fábrica que possui é pequena, mas que costumava atender a demanda e ainda sobrava no estoque. "Hoje a nossa demanda aumentou 50%, já não consigo fazer estoque, antes atendia com margem, com folga. Hoje a gente fabrica já para entregar, cerca de 70 a 80 urnas por dia, principalmente para a Grande Vitória. Ontem deu fila de cinco carros de funerária. O fluxo aumentou muito. Por exemplo, tinha empresa que fazia 30 serviços por mês em Vila Velha e recentemente fez 30 em três dias, nos piores momentos", afirmou.
Ele contou que já durante a pandemia optou-se por não fabricar urnas de médio padrão para luxo, já que contavam com menor saída e demorava mais para serem produzidas. "Paramos para tentar dar conta de atender a demanda. Mas a nossa matéria-prima subiu de 50 a 60% e a margem de lucro foi reduzida. Tenho ganhado menos agora do que no início da pandemia. E estamos trabalhando muito, fazendo quantidade, mas não temos margem", concluiu.
Mais 110 mortes foram registradas no Espírito Santo nessa terça-feira (06), totalizando 7.877 óbitos provocados pelo coronavírus desde o início da pandemia, em março de 2020. Foi o recorde de óbitos registrado no Estado pela doença em apenas 24 horas. Os dados são do Painel Covid-19, ferramenta da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa).
Foram identificados 2.501 novos casos em 24 horas, chegando a 393.385 pessoas infectadas desde o início da pandemia.
Até essa terça-feira (06), mais de 1,1 milhão de testes já foram realizados para identificar a Covid-19 em território capixaba. O número de curados chegou a 363.880, sendo 3.806 nas últimas 24 horas, e a taxa de letalidade da doença está em 2% no Estado.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta