Um funk que relata os conflitos do tráfico em bairros de Guarapari, região Metropolitana do Espírito Santo, foi utilizado como prova em um julgamento realizado no último dia 10. As cinco pessoas denunciadas e julgadas como responsáveis por um assassinato, ocorrido em 2016, foram condenadas a penas que variam de 23 a 28 anos, em regime fechado.
Dois deles foram apontados como autores da música, fato confessado à Polícia Civil em depoimento, durante a fase de investigação, segundo documentos a que A Gazeta teve acesso (trecho abaixo). “Que fez a música e a letra e cantou junto com o seu companheiro PH, que a música foi feita em provocação aos traficantes dos outros bairros”, relata depoimento de Gilenildo Nascimento Viana, um dos condenados. No plenário do Tribunal do Júri, eles negaram a autoria.
O Ministério Público do Espírito Santo (MPES) apresentou provas de que os nomes citados na música eram os dos autores, e que eles também faziam o vocal. Foram ainda apresentadas fotos e imagens de tatuagens que eles utilizam, como as que fazem referência aos artigos do Código Penal, como o 121 (homicídio) e o 157 (roubo), dentre outras. Pelo menos um advogado dos condenados questiona as provas e já apresentou recursos contra a sentença.
O áudio utilizado no julgamento é do Bairro Adalberto Simão Nader. Tem cerca de quatro minutos. Em alguns trechos é dito: “Estamos te esperando de pistola e de oitão”. “Nós vamos matar vocês tudão”. “Nós vai matar tudo”.
Segundo o MPES, a música ajudou a demonstrar o grau de periculosidade do grupo, as intenções de cada um deles e, assim como as tatuagens, permitiram mostrar o envolvimento com o tráfico.
O funk era uma resposta a um outro, produzido no bairro Bela Vista. Em alguns trechos é dito: “Cada um com fuzil e pente”, “Preparado para o confronto”, “Dando tiro para todo lado”. As letras das duas músicas falam de uma possível matança, inclusive por vingança, em decorrência de mortes anteriores.
Segundo depoimento dos próprios condenados à polícia, na ocasião havia uma disputa pelo controle do tráfico entre os bairros Bela Vista, São Gabriel, Nossa Senhora da Conceição, Coroado e Adalberto Simão Nader.
Segundo denúncia do MPES apresentada à Justiça estadual, o crime aconteceu no dia 27 de março de 2016, por volta das 22 horas. Gilenildo Nascimento Viana, conhecido como Encardido; Philipe Miguel Pereira, o PH; e Alex Santos da Silva, o Alex PH, mataram Albert Raillan de Jesus dos Santos.
Conforme a denúncia, o assassinato foi encomendado por Wanderson Almeida Silvares, o Albuino, e Francis Rainer Almeida Nascimento, o Cagado. O motivo foi a disputa pelo controle do tráfico no bairro Adalberto Simão Nader, em Guarapari. A vítima pertencia ao grupo que dominava a parte alta do bairro, e os mandantes do crime dominavam a parte baixa.
Por desentendimentos com os mandantes do crime, Albert havia se mudado há cerca de nove meses. No dia em que morreu, ele, que também era usuário, voltou à parte baixa do bairro para comprar drogas, momento em que foi surpreendido por seus assassinos.
Albert acabou sendo morto com dois tiros nas costas e um na cabeça. Segundo apontou o MPES, embora fosse do mesmo bairro de seus matadores, sua morte decorre do conflito entre os traficantes e as facções.
O juiz da Primeira Vara Criminal de Guarapari, que presidiu o Tribunal do Júri, Erildo Martins Neto, sentenciou os acusados com penas superiores variadas. Confira:
O advogado Lucas Francisco Neto, que faz a defesa de Wanderson, já apresentou um recurso contra a sentença. Aponta que houve nulidade no julgamento em decorrência da menção de processos já arquivados e atos infracionais praticados quando era menor de idade. “A pena foi aplicada de maneira injusta e houve descumprimento de dispositivos legais durante o julgamento”, assinala.
Ele destaca ainda que o seu cliente foi acusado de mando do crime, mas diz que não havia provas.
Em relação à música, pondera que houve preconceito, assinalando que a letra não trata de ameaças, mas da realidade vivida pela comunidade. “Fala do conflito vivido entre os bairros. Não há provas de que os julgados fizeram o funk e nenhum dos citados na música morreu. E a música também não fala da morte da vítima”, aponta Neto.
Informa ainda que todos os réus, assim como a vítima, eram do bairro Adalberto Simão Nader. “E o conflito era com o bairro Bela Vista”, acrescenta, lembrando ainda que Wanderson e a vítima eram amigos próximos.
A Gazeta ainda tenta localizar os advogados dos demais acusados. Quando isso ocorrer, a manifestação deles será acrescida a esta matéria.
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