Natural da região da Indonésia, no sudeste asiático, o peixe-leão (Pterois volitans) poderia ser apenas uma espécie que você admira em aquários de água salgada. Porém, recentemente, a espécie venenosa — que oferece riscos aos seres humanos — tem sido encontrada no arquipélago de Fernando de Noronha (PE), onde sete exemplares foram capturados nas últimas semanas e a ameaça de que haja outros parece crescente.
Além de possuir espinhos venenosos no dorso do corpo que podem causar febre, inchaço e dor em humanos, ele representa um sério perigo aos ecossistemas marinhos onde é visto como um animal exótico. É o caso das três localidades em que já foi achado no Brasil — cuja lista não engloba, ainda, o Espírito Santo.
No entanto, o pesquisador Raphael Macieira diz que deve ser questão de tempo para que o peixe-leão chegue ao mar capixaba. "A tendência é que esses animais desçam a costa, até por fatores oceânicos. Além disso, já foram registrados encontros da espécie, ainda que raros, ao Sul do Estado", afirma.
Se isso vai acontecer de forma mais rápida ou lenta, segundo o pós-doutor em Oceanografia, é difícil saber. No entanto, os riscos que o animal pode oferecer ao ecossistema marinho por aqui são basicamente os mesmos que poderão ser verificados em outros lugares, inclusive com consequências econômicas.
Após ter sido levado para a Flórida (EUA) para aquariofilia, o peixe-leão foi acidentalmente introduzido no Oceano Atlântico, particularmente próximo ao Caribe. Exatamente nesta região, ele conseguiu se reproduzir e virou uma praga, segundo o pesquisador e analista ambiental Ricardo Araújo.
Coordenador da área de pesquisa, monitoramento e manejamento de espécies exóticas do ICMBio Noronha, o especialista explica que o mesmo poderia acontecer em outros locais, incluindo o arquipélago pernambucano. Na região, o primeiro indivíduo da espécie foi encontrado em dezembro de 2020 e outros sete foram capturados entre agosto e setembro deste ano.
Antes, no entanto, a espécie já havia sido localizada bem mais perto do Espírito Santo: em Arraial do Cabo (RJ), em 2014 e 2015. Mas, segundo Ricardo, ecologicamente, a distância entre o local e a costa capixaba é grande e os dois peixes-leão achados à época foram coletados, sem se reproduzirem.
Depois, já no ano passado, mais indivíduos foram encontrados na foz do Rio Amazonas. A partir deste encontro, pesquisadores estimaram que Fernando de Noronha seria um dos primeiros locais do Brasil onde a espécie chegaria, devido a dinâmicas naturais como correntes marítimas.
Diante do risco, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) começou um trabalho de conscientização. Em uma cartilha, pesquisadores difundiram características do animal e pediram para serem avisados se alguém avistasse um peixe-leão. Mas por que recolhê-los?
O risco inicial tem basicamente duas vertentes. "Em geral, os animais sabem quais são os seus predadores e já têm estratégias de sobrevivência e fuga. Como o peixe-leão não é conhecido, as presas não sabem que ele é um predador. Já os predadores ainda não sabem que ele é uma presa", explica Ricardo Araújo.
Para tentar agilizar essa dinâmica e contornar o transtorno, algumas ações já são adotadas no Caribe, porém elas também podem trazer impactos. "Eles dão o peixe-leão para o tubarão comer, mas isso pode fazer com que os tubarões associem o humano à alimentação, o que é outro problema", argumenta.
Além das circunstâncias ecológicas, a espécie tem duas características biológicas que colaboram para que ela se torne cada vez mais predominante nos ambientes em que é introduzida. A primeira é a alta voracidade no que diz respeito à alimentação e a segunda, a velocidade reprodutiva.
Juntos, esses fatores podem gerar um grande desequilíbrio com impactos inclusive econômicos. "Você começa a ter uma diminuição da produção pesqueira, uma diminuição de espécies nativas e endêmicas e, assim, ter uma redução das espécies importantes para a ecologia local", afirma Ricardo.
Para ajudar a dimensionar o tamanho do risco, o especialista estima que só em Fernando de Noronha, 169 espécies de peixes ósseos e 218 tipos de moluscos e crustáceos poderiam ser gravemente ameaçados. "São todos da comunidade recifal, incluindo os grandes. É muita coisa", garante.
Os sete peixes-leão encontrados no arquipélago brasileiro entre agosto e setembro deste ano têm a mesma destinação: após coletados por especialistas, são congelados e mandados para a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) ou a Universidade Federal Fluminense (UFF).
"Nos laboratórios são feitas análises mais aprofundadas. Queremos saber, neste primeiro momento, o que eles estão predando, por meio do conteúdo estomacal, e de onde estão vindo, por meio das semelhanças com outros exemplares, detectadas em um estudo de genética", esclarece Ricardo Araújo.
Segundo o pesquisador, apenas o primeiro exemplar recolhido na região já deveria ser adulto — mais ainda não se sabe se em idade reprodutiva. Já os demais foram encontrados juvenis, com cerca de 7 cm de comprimento. "Provavelmente, eles vieram de fluxos diferentes", destaca.
Embora vivam perto de pedras e a mais de 20 metros de profundidade, vale a orientação para todos: se encontrar um peixe-leão, informe o local em que o animal está por meio deste formulário, pelo e-mail [email protected] ou entre em contato com uma unidade do ICMBio.
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