A troca de carinho entre as irmãs Laura Rodrigues, de 77 anos, e Cenira Rodrigues, 75, é uma tentativa de acabar com a enorme saudade, após 64 anos sem se ver. Elas estavam separadas por mais de 1.500 quilômetros de distância, sem saber o paradeiro uma da outra, e até já haviam perdido a esperança de se encontrarem.
A cidade natal das irmãs é Barra de São Francisco, no Norte do Espírito Santo, de onde Laura, atualmente moradora de Castelândia, na Serra, viu a irmã mais nova partir. "Minha mãe, meu padrasto e minha irmã, com 12 anos, saíram de Barra de São Francisco para fazer uma viagem até Alegre. Embarcaram em um ônibus até a Estação de Trem na Grande Vitória. Foi quando um casal pediu à minha mãe para levar Cenira para morar com eles e cuidar da casa", contou a aposentada Laura.
Para ganhar a confiança de Cenira, o casal comprou roupas e presentes e a levou dizendo que morariam no Rio de Janeiro, cidade onde a então menina nunca pisou. Ela conta que, na verdade, foi levada para o interior de Pernambuco, onde foi maltratada e abusada sexualmente por anos, até conseguir fugir para a cidade de Caruaru, aos 20 anos.
O que Cenira não sabia é que estava grávida do primeiro filho, Gilson Rodrigues, hoje com 55 anos. E foi ele, seu primogênito, o responsável por localizar Laura, no Espírito Santo.
O pernambucano Gilson cresceu ouvindo a mãe, Cenira, contar sobre a cidade natal e o desejo de rever Laura, a mãe Sebastiana e os outros três irmãos. Aos 20 anos, ele não se conformava em ver a saudade da mãe e nada poder fazer.
"Ela tinha saudade e eu tinha uma família toda para conhecer, inclusive uma avó. Não havia internet naquela época, então passei a mandar cartas por caminhoneiros que passavam pela minha cidade, Caruaru, para que entregassem em rádios das cidades para onde iriam", lembrou.
Nos relatos escritos à mão, ele descrevia a separação da mãe do resto da família e citava o nome dos tios e os respectivos apelidos, na tentativa de mostrar afinidade e parentesco.
Do Nordeste, por 35 anos, Gilson procurou pelos tios e tias. Já no Espírito Santo, Laura também fazia a parte dela na tentativa de encontrar a irmã, mandando cartas para programas de TV, sem saber que Cenira foi obrigada a mudar o nome para Cemir, o que complicou ainda mais as buscas.
Há dois meses, porém, um rapaz de Minas Gerais recebeu o relato de Gilson via site que falava sobre pessoas desaparecidas e conseguiu ajudar. Ele fez buscas pelo nome de Laura no registro do Sistema Único de Saúde, o SUS, e descobriu que uma pessoa com o mesmo nome havia usado o cartão do SUS no município da Serra, no Espírito Santo.
Não demorou muito para que o colega de Gilson conseguisse o telefone de Laura. "Meu filho falou 'não atende, mãe, é golpe'. Eu resolvi atender e a pessoa do outro lado falou meu apelido, o nome dos meus irmãos e disse que meu sobrinho me procurava. Eu não sabia nem o que fazer de tão emocionada", conta Laura exibindo um sorriso de orelha a orelha.
Logo, foi Gilson quem ligou cheio de esperança. Ele passou por um interrogatório via telefone para que, enfim, a tia acreditasse nele. "Minha mãe perguntou sobre os irmãos e chorou muito quando soube que um deles faleceu. Mas, ao mesmo tempo, queria ver a Laura quando soube onde ela morava", contou.
Depois desse telefonema, nem mesmo a necessidade de fazer hemodiálise e uma saúde frágil fez com que Cenira permanecesse em Pernambuco . Aos 75 anos, ela e o filho Gilson viajaram de ônibus durante um dia e meio até ao Espírito Santo para realizar um sonho: na madrugada de 26 de novembro, as irmãs se reencontravam.
"Eu estou contente com tudo. É muito sentimento envolvido. A saudade era grande demais", disse Cenira, ainda cansada da viagem, mas com a carinha feliz pelo reencontro.
Para quem, em 35 anos, nunca perdeu a esperança de ver mãe e tia juntas, Gilson descreve a sensação bem emocionado: "Estou satisfeito. Prometi para minha mãe que os encontraria e eu cumpri", disse entre lágrimas.
Já certa que não quer voltar para Pernambuco, Cenira espera que o irmão, que mora no Rio de janeiro, encontre com elas até o Natal. "Para mim, é um presente de Natal antecipado ter todos juntos, pena que minha mãe já faleceu", disse Laura de mãos dadas com a irmã, enquanto filhos, sobrinhos, noras e netos riam e choravam ao redor delas, em Castelândia, na Serra.
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