Numa sociedade em que as mulheres ainda são vistas como objeto de prazer do homem, para muitos, tocar no corpo delas sem consentimento, ou forçar um beijo, não é problema. Mas é sim. Mais do que isso, é crime no Brasil. A importunação sexual, como é classificado esse tipo de conduta, tem pena de prisão de até cinco anos. O tema ficou em evidência nos últimos dias após episódios registrados no BBB 23.
Diferentemente do assédio, que se caracteriza especialmente pela prática de exigir um favorecimento sexual numa relação hierárquica em ambiente de trabalho, a importunação pode acontecer em qualquer lugar: no transporte público, numa festa, na faculdade, no escritório, num reality show. "Esse crime está mais ligado à satisfação sexual do autor sem o consentimento da vítima", explica Michelle Meira, gerente de Proteção à Mulher da Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp).
As ações, pontua Michelle, são toques, beijos, carícias no corpo, se masturbar ou ejacular na mulher. Se ela diz não, é não. Se ele pratica, é importunação.
A gerente da Sesp diz, ainda, que hoje todos os crimes ligados à liberdade sexual no Código Penal são apurados por ação pública incondicionada, isto é, não precisam de representação da vítima ou de sua vontade. "Se a autoridade policial toma conhecimento, deve instaurar o inquérito."
No Rio de Janeiro, devido à exposição do caso na TV, a Polícia Civil já abriu investigação para apurar o comportamento do cantor MC Guimê e do lutador Cara de Sapato, mesmo sem representação de Dania Mendez, mexicana que visitava o reality brasileiro e que foi alvo dos dois ex-participantes do BBB.
Contudo, como a maioria dos casos não é público nessas proporções, Michelle recomenda que a vítima busque uma unidade policial — se tiver Delegacia da Mulher no município, é o mais indicado pelo fato de a equipe ser especializada nesse atendimento, mas toda delegacia está apta a receber quem se sentir importunada sexualmente ou assediada. Também é possível registrar um boletim on-line.
Cláudia Dematté, delegada-chefe da Divisão Especializada de Atendimento à Mulher, lembra que até há bem pouco tempo importunação sexual era encarada como uma conduta de menor poder ofensivo. A lei 13.718 passou a vigorar em setembro de 2018, ou seja, há menos de cinco anos. "A importunação sexual, até então, era considerada contravenção, sendo cabível pena de multa. Hoje, é crime."
Na avaliação da delegada, para se alcançar o objetivo da alteração legislativa que criminalizou a importunação, é necessário o envolvimento de todos. "Precisamos que toda a sociedade se comprometa com essa específica luta das mulheres, qual seja, o direito de não terem violados os seus corpos e a sua dignidade sexual. Sendo assim, para termos a efetividade esperada, é importante agirmos e, juntos, desconstruirmos esses valores e condutas machistas, para que as mulheres tenham seus corpos, sua dignidade e liberdade sexual respeitadas", frisa Cláudia Dematté, que ainda pontua algumas orientações a vítimas. Confira!
A violência praticada contra a mulher está tão impregnada na sociedade que, independentemente de já ter sido vítima, há impacto emocional. Doutora em Psicologia Forense, a psicóloga clínica Arielle Sagrillo frisa que é preciso reconhecer que ser mulher em um país como o Brasil já significa estar exposta, ao menos, à possibilidade de que essas violências aconteçam.
"Então, existe um misto de expectativa de que, em algum momento, talvez eu experiencie algo nessa natureza, que disputa espaço interno com a ideia de eu temo que isso aconteça. Nenhuma violência se desdobra de maneira positiva, pensando emocionalmente. Há vítimas que são capazes de ressignificar essa experiência, de transformá-la inclusive em força motriz para pensar projetos, para se engajar em movimentos, mas nada disso exime a dor, o constrangimento, o medo, o desespero, a vergonha", analisa Arielle.
A psicóloga conta que esses sentimentos são muito recorrentes e estão associados, em maior ou menor intensidade, a fatores como quem era o autor da violência, a frequência com que era praticada, se a vítima estava ou não alcoolizada, se teve rede de apoio após o fato, se a sua dor foi legitimada. Essas variáveis, constata Arielle, fazem com que a mulher se sinta mais ou menos responsável e essas emoções podem perdurar por muito tempo.
Uma das reações comuns, continua Arielle, é a imobilidade tônica, que se caracteriza pela impossibilidade da vítima de reagir após uma violência, como importunação sexual, assédio ou estupro. "É quase como um estado de congelamento. As mulheres que apresentam esse tipo de resposta tendem a apresentar um grau de autorresponsabilização e de culpa maior."
Arielle ressalta, ainda, que a mulher tem direito a uma vida livre de violência, o que é inegociável, e não é dela a culpa pelos atos violentos. "A responsabilidade passa por aquele que cometeu, não pela pessoa que sofreu. Então, consumo de álcool, o consumo de substâncias, o fato de que é uma pessoa conhecida, o fato de que eu tomei a decisão de ir por uma rua e não por outra, nada disso pode servir de justificativa para que uma mulher se sinta responsável pela violência que sofreu."
O assunto, que já foi bastante debatido devido a episódios de importunação em transporte coletivo, voltou a ganhar destaque nesta semana. Na madrugada da última quinta-feira (16), durante festa na casa do BBB, MC Guimê e Cara de Sapato tiveram uma conduta que está sendo considerada suspeita de importunação sexual. Imagens mostram o cantor apalpando a mexicana, enquanto, em outro momento, é o lutador que tenta beijá-la à força. Os dois foram eliminados do programa, segundo anunciou o apresentador Tadeu Schmidt, por descumprirem as regras do jogo.
Também na quinta-feira (16), conforme informações do Estadão, a Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) de Jacarepaguá (bairro da zona oeste do Rio que abrange a área onde ficam os estúdios da TV Globo, que promove o programa) instaurou inquérito para investigar as condutas de ambos. No Código Penal, são tipificados alguns Crimes contra a Dignidade Sexual. São eles:
Estupro
Violação sexual mediante fraude
Importunação sexual
Assédio sexual
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta